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Racismo e ensino superior: desafios e perspectivas

Em 21 de março de 1960, a polícia sul-africana matou 69 pessoas que se manifestavam pacificamente contra as leis do Apartheid. Em 1966, a Assembleia Geral das Nações Unidas decidiu que, no dia 21 de março de cada ano, seria comemorado o Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial.

Na América Latina, o racismo afeta especialmente pessoas e povos indígenas e pessoas de ascendência africana. Esse fenômeno, originado no período colonial, permanece. Em alguns países, o comportamento abertamente racista em relação a essas pessoas e comunidades é menos comum, mas existem historicamente desvantagens acumuladas, mecanismos institucionais, preconceitos e práticas que continuam a reproduzir as desigualdades. As expressões “racismo oculto”, “estrutural” ou “sistêmico” nos chamam a atenção para esses problemas.

O racismo não afeta apenas as possibilidades de acesso de povos indígenas e afrodescendentes ao ensino superior, afeta também a qualidade da formação que as universidades oferecem, a investigação que realizam e o seu papel na formação dos cidadãos e da opinião pública.

Instituições e políticas de ensino superior não escapam a essas questões. Elas se expressam não apenas por meio de preconceitos e desqualificações, mas também na exclusão das histórias, línguas e conhecimento desses povos nos currículos. Elas também estão materializadas na participação reduzida de indígenas e afrodescendentes no quadro de estudantes, professores, autoridades e servidores.

Recentemente, em uma prestigiada universidade brasileira, um estudante “branco”, em um gesto agressivo, deixou uma banana sobre a mesa em que um aluno negro estava estudando e o chamou de “macaco cotista”: o termo cotista refere-se aos programas de cotas para estudantes indígenas, negros (pretos e pardos) e outros grupos sociais excluídos. Esse é um exemplo de racismo aberto, mas o racismo oculto é frequente. De acordo com o Censo 2010, a população indígena da Argentina representa 2,5% do total da população, mas há poucos estudantes indígenas e ainda menos professores e diretores. No Brasil, a população negra (pretos e pardos) é superior a 50%, mas tem baixa representatividade entre alunos, professores e administradores. Em nada surpreende que nas faculdades de farmácia o conhecimento dos povos indígenas sobre as aplicações terapêuticas das espécies vegetais não seja aproveitado, mas as empresas farmacêuticas buscam acesso a esse conhecimento para patentear descobertas medicinais. Esse é apenas um exemplo entre muitos que poderiam ser citados e que alcançam todos os campos do conhecimento.

O racismo não afeta apenas as possibilidades de acesso de povos indígenas e afrodescendentes ao ensino superior, afeta também a qualidade da formação que as universidades oferecem, a investigação que realizam e o seu papel na formação dos cidadãos e da opinião pública. Além disso, o racismo também permeia a formação de professores e, portanto, irradia-se para todo o sistema educacional. Tudo isso prejudica não só as pessoas e comunidades desses povos, mas também toda a sociedade, que se priva de seus conhecimentos, línguas e contribuições para a solução de importantes desafios ambientais e sociais. Tendo em vista esses problemas e as disposições de várias convenções internacionais, a terceira Conferência Regional de Educação Superior (Cres 2018), realizada em Córdoba em junho de 2018, enfatizou, entre outras recomendações, que as políticas e instituições de educação superior devem contribuir, de forma proativa, para o desmantelamento de todos os mecanismos que geram o racismo.

Como forma de garantir esse objetivo, a Declaração Final da Cres 2018 destacou a necessidade de promover a diversidade cultural e a interculturalidade em condições equitativas e mutuamente respeitosas.

Definiu, ainda, que o desafio não seja apenas incluir membros de povos indígenas e afrodescendentes e indivíduos de grupos sociais historicamente discriminados em instituições de ensino superior, mas transformar essas instituições para torná-las ainda mais social e culturalmente relevantes. Isso pode ser feito por meio da capacitação de profissionais e técnicos com conhecimentos mais adequados aos seus contextos, da realização de pesquisas de melhor qualidade e da contribuição para a construção de sociedades mais democráticas e equitativas.

É hora de pôr essas recomendações em prática. Para tanto, é necessário o efetivo comprometimento das instituições de ensino superior – suas autoridades, professores, pesquisadores, estudantes e funcionários – e também políticas públicas e alocações orçamentárias adequadas. Para ajudar a promover essas metas, a Cátedra Unesco em Educação Superior e Povos Indígenas e Afrodescendentes, da Universidad Nacional de Tres de Febrero (Argentina), lançou a Iniciativa para a Erradicação do Racismo no Ensino Superior, que já conta com a participação de mais de 20 universidades em oito países da América Latina e continua a crescer. Esse movimento propõe a realização de atividades para comemorar o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, data que marca os esforços para a construção de um mundo mais justo e inclusivo. 

Versão ampliada e traduzida de artigo publicado no jornal Perfil, de Buenos Aires, em 3/3/2019

Daniel Mato / Diretor da Cátedra Unesco Educação Superior, Povos Indígenas e Afrodescendentes. Pesquisador e coordenador do eixo temático Educação Superior, Diversidade Cultural e Interculturalidade na América Latina e no Caribe, que integra a Conferência Regional de Educação Superior para a América Latina e o Caribe (Cres 2018)