A família cresceu

Flor do Nordeste

Taxonomista da UFMG descreve nova espécie de Mcvaughia, planta da família do murici e da acerola

De acordo com a literatura especializada, Mcvaughia é um gênero de plantas que abrange três espécies prevalentes na região Nordeste do Brasil. O gênero, que pode ser facilmente reconhecido por seu aspecto arbustivo, pétalas aninhadas umas dentro das outras e anteras (sacos que armazenam pólen) em forma de ferradura, foi descrito pela primeira vez na década de 1970, com o registro de uma espécie nativa do norte da Bahia.

Em 2015, o biólogo, botânico e taxonomista Rafael Felipe de Almeida, residente pós-doutoral do Programa de Pós-graduação em Biologia Vegetal da UFMG, havia participado da descoberta da segunda espécie de Mcvaughia, típica da vegetação de restinga e dunas costeiras do norte de Sergipe. Recentemente, ao longo de incursões em diversos herbários brasileiros, o pesquisador identificou mais uma espécie, endêmica em florestas secas sazonais do Piauí. 

Sua investigação resultou no artigo Taxonomic revision of Mcvaughia W. R. Anderson (Malpighiaceae): notes on vegetative and reproductive anatomy and the description of a new species, publicado em fevereiro deste ano no periódico Phytokeys, um dos mais relevantes mundialmente nas áreas de taxonomia, biogeografia e evolução de plantas.

 O trabalho consistiu na revisão taxonômica do gênero Mcvaughia, incluindo descrições morfológicas completas, mapa de distribuição, ilustrações e notas sobre conservação, distribuição e etimologia das espécies. “Também apresentamos uma detalhada descrição anatômica da madeira, da casca, das folhas e das flores do gênero. Este é o primeiro de uma série de estudos conjuntos focados na biossistemática de Malpighiaceae, família da qual também fazem parte a acerola e o murici”, informa Rafael Almeida, sobre o trabalho desenvolvido pelo Grupo de Trabalho de Biossistemática Malpighiales, do qual é integrante.

A espécie identificada no Piauí é conhecida somente por três materiais herborizados – ramos com flores e frutos já secos e prensados depositados em uma coleção científica. “Trata-se de material testemunho de coletas de campo guardado para estudos futuros”, explica o pesquisador, lembrando que ainda não há registros fotográficos da espécie em campo.

Cirurgião de plantas

Segundo Rafael Almeida, a caracterização da biodiversidade pela via da biologia molecular requer alto investimento em tecnologia e materiais – algo incompatível com a realidade econômica brasileira. “Enquanto nos EUA e na Europa os cientistas, em sua maioria, identificam organismos extraindo DNA, na América do Sul aprendemos morfologia para esse fim”, destaca.

O botânico explica que, para conservar as características anatômicas dos ramos coletados, é viável guardá-los em potes com álcool. As flores e frutos documentados em forma de prensa precisam ser reidratados antes da análise. “Por terem estrutura bidimensional, as folhas, mesmo ‘amassadas’, podem ser examinadas”, ressalva. 

A descrição é fundamentada em procedimentos manuais de dissecação dos tecidos. “É como brincar de cirurgião de plantas”, compara Rafael Almeida. A análise macromorfológica (a olho nu)  requer cortes precisos com uso de pinças, estiletes e agulhas finas. As diferentes estruturas são separadas e analisadas com lupa, e os dados, catalogados em planilhas. 

Entre as evidências macromorfológicas que podem ser aferidas, Rafael Almeida cita a diferenciação entre árvores, arbustos e ervas, variações na consistência, forma e presença de pelos nas folhas, cor das pétalas e existência de glândula secretora de néctar. Já as micromorfológicas, que demandam emprego de microscópio, dizem respeito, por exemplo, à anatomia do grão de pólen e do lenho (tecido que conduz água e sais das raízes às folhas).

Detalhe da Mcvaughia sergipana, uma das três espécies do gênero identificadas no Nordeste
Detalhe da 'Mcvaughia sergipana', uma das três espécies do gênero identificadas no Nordeste Rafael Felipe de Almeida | UFMG

Pesquisa de base

Rafael Almeida considera que, no Brasil, a Mata Atlântica é o único bioma sobre cuja biodiversidade existe número suficiente de estudos e publicações. “É onde estão localizadas as principais capitais do país”, justifica. No cerrado brasileiro, os esforços são voltados primordialmente para a expansão da agricultura. No caso da Amazônia, de acordo com o pesquisador, o difícil acesso é um obstáculo para a exploração científica. “A caatinga, habitat natural da Mcgvaughia, é vista equivocadamente como uma terra infértil, seca, incapaz de prover beleza e frutos”, avalia.

Para o biólogo, pesquisas de base, a exemplo da taxonômica, são importantes para o conhecimento da biodiversidade do território e a eficaz exploração dos seus potenciais. “Já descrevi uma dezena de espécies novas e, em todos os casos, vislumbrei o que as pessoas, no futuro, poderão descobrir sobre elas. Seja para exploração econômica ou para a aplicação na medicina, é primordial saber o nome dos organismos que a natureza oferece”, reflete.

Artigo: Taxonomic revision of Mcvaughia W. R. Anderson (Malpighiaceae): notes on vegetative and reproductive anatomy and the description of a new species
Autores: Rafael Felipe de Almeida (UFMG), Isabel Guesdon e Renata Meira (Universidade Federal de Viçosa) e Marcelo Pace (Universidad Nacional Autónoma de México)

Matheus Espíndola