Corrida pela autonomia

Agradecendo à UFMG e à universidade pública

Agradeço à Universidade Federal de Minas Gerais, em cujos conselhos centrais trabalhei, como representante da Faculdade de Direito. No Conselho de Pós-graduação e no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, pude ter uma visão mais ampla da vida acadêmica e do incansável trabalho que a UFMG realiza para manter e aprimorar  seu compromisso com os destinos da educação de qualidade e com a sociedade, que recebe os frutos do conhecimento que ali se produz.

Ao agradecer à UFMG, agradeço à universidade pública, que, em sua feição mais genuína, é um centro de produção, de preservação, de compartilhamento, de disseminação e de transmissão do conhecimento, de formação humanística, científica e tecnológica, por meio das atividades indissociáveis de ensino, pesquisa e extensão.

No momento em que escrevia estas linhas, havia, no Supremo Tribunal Federal, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e dois Mandados de Segurança, questionando a constitucionalidade e a legalidade do Decreto 9.741/2019, publicado em 29.03.2019, que bloqueou 30% do orçamento geral dos institutos e universidades federais.

A partir de então, as inquietações que já afloravam com as ameaças ao futuro dos cursos de filosofia e de sociologia, surgidas em abril, expandiram-se e eclodiram em manifestações por todo o país. Centros culturais, universidades, professores e pesquisadores de vários países se solidarizaram com os meios acadêmicos e diversos setores da sociedade, em defesa da universidade pública. 

Essas manifestações, que ressaltam o papel da Universidade, no Brasil e no mundo, no que se refere à produção do conhecimento nas artes e na ciência, assim como a autonomia acadêmica, encontram-se em plena sintonia com a proteção que a Constituição da República de 1988 confere à universidade pública.

A norma constitucional enuncia que a educação será promovida “visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. É o que está no artigo 205, da Constituição da República.

A Constituição da República, em seu artigo 206, incisos II, III, IV, VI e VII, prevê que o ensino seja ministrado sob a égide de princípios como “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”; “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”; “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais”; “gestão democrática do ensino público, na forma da lei”; “garantia de padrão de qualidade”. No caput do artigo 207, está garantida à Universidade a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. No artigo 214, inciso V, está preconizada, entre as finalidades do ensino, em seus diversos níveis, “a promoção humanística, científica e tecnológica do País”. E, ainda, as disposições do artigo 211, § 1º, e do artigo 212 prescrevem os deveres da União com o financiamento de instituições de ensino públicas federais e com a manutenção e o desenvolvimento do ensino. 

“O Congresso Constituinte de 1988, espelhando os anseios da sociedade brasileira, não desconhecia que o projeto dessa sociedade que se almejava só poderia ser realizado pela educação de qualidade, porque somente ela pode quebrar as amarras da dependência e libertar o povo.”

Nada disso foi produto do acaso, mas, sim, resultado de longos debates e de uma longa reflexão que uniu as pontas do sistema democrático, que se implantava no país. 

A Constituição de 1988 declarou, expressamente, no art. 3º, incisos I, II e IV, que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do  Brasil”:
“Construir uma sociedade livre e solidária”,
“Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”,
“Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

O Congresso Constituinte de 1988, espelhando os anseios da sociedade brasileira, não desconhecia que o projeto dessa sociedade que se almejava só poderia ser realizado pela educação de qualidade, porque somente ela pode quebrar as amarras da dependência e libertar o povo. 

Em um país como o nosso, em que há tanto por se fazer, como se pode prescindir da universidade pública? A Constituição de 1988 entende que não se pode.   

Equívocos relacionados aos movimentos em defesa da educação e da universidade pública poderiam ser evitados por meio de uma leitura mais atenta da Constituição da República e de uma análise mais refletida do que significa a educação de qualidade para o desenvolvimento do país. 

A defesa da educação e da universidade pública é a defesa da Constituição, é a defesa do futuro das novas gerações e da sociedade brasileira.

[Trecho adaptado de discurso proferido pela docente durante cerimônia de outorga do título de professora emérita. Relato da solenidade foi publicado no Portal UFMG em 6/06/2019.]

Elza Maria Miranda Afonso / professora da Faculdade de Direito