Para que servem e quanto ganham mestres e doutores no Brasil?
É comum ouvirmos falar que uma pessoa tem “pós-graduação”. Também é relativamente comum, por exemplo, que jornais ou TV entrevistem pessoas com mestrado ou doutorado que trabalham em alguma universidade ou centro de pesquisa, quando o tema da reportagem está relacionado com ciência ou tecnologia. No entanto, essas pessoas são relativamente raras a ponto de uma grande parte dos brasileiros não conhecer pessoalmente ninguém com esse grau de qualificação. Nosso imaginário a respeito de quem são e o que fazem os mestres e doutores no Brasil – nossos “cientistas” – termina por deixar de captar um quadro com aspectos interessantes, que tem algo a dizer, inclusive, sobre o nosso futuro.
É preciso primeiro dizer o que são mestres e doutores. Uma pessoa que faz mestrado vai focar em uma subárea mais restrita. O médico poderá se especializar em dermatologia ou em cardiologia. O engenheiro mecânico poderá se especializar em sistemas térmicos ou em sistemas automotivos, entre inúmeras opções. Ao cursar um mestrado, a pessoa se aprofunda em um tema e passa a compreender os limites do conhecimento existente sobre aquele assunto. Espera-se que um mestre seja capaz de compreender até onde as técnicas existentes funcionam e por que deixam de valer para tipos de problemas um pouco diferentes.
Um doutor se diferencia de um mestre porque, além de identificar as fronteiras de uma área de conhecimento, deve ainda ser capaz de preencher lacunas nesse conhecimento. Em outras palavras, deve aprender a fazer pesquisa, gerando conhecimento novo. O médico, ao fazer um doutorado, vai inventar um novo tipo de tratamento para uma doença para aumentar as chances de cura. O engenheiro mecânico vai criar novo material para a construção de determinados tipos de peças, tornando-as mais leves ou mais resistentes. Essas são as chamadas “inovações tecnológicas”, cuja presença ou ausência na atividade econômica de um país basicamente explica por que esse país é rico ou pobre.
Alguns estudantes que orientei no mestrado e no doutorado me contaram que, quando disseram à família que continuariam estudando mesmo depois de obter o diploma de graduação, tiveram de responder à pergunta: mas para que isso? Mesmo no meio universitário, circulam várias opiniões sobre o que fazem as pessoas com pós-graduação. Essas opiniões são em parte contraditórias entre si e, de certa forma, destituídas de fundamento. Costumo ouvir afirmações como as seguintes:
“As empresas no Brasil não contratam mestres nem doutores. Os únicos lugares para pessoas com pós-graduação trabalharem são as universidades.”
“Um título de mestrado ou doutorado diminui as chances de alguém obter emprego. Se você quiser se empregar na iniciativa privada, não faça pós-graduação.”
“As pessoas que fazem pós-graduação estudam muitos anos a mais para, no final, ganharem menos do que as que não fizeram.”
Vamos aos dados. Utilizaremos aqui estudo realizado em 2016 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). No Brasil, tínhamos, em 2010, 516.983 pessoas com título de mestrado e 109.953 com doutorado. Esses números correspondiam a, respectivamente, 0,5% e 0,1% da população brasileira de 25 a 65 anos.
Quem fez graduação recebe salários, em média, 170% maiores do que quem só completou o ensino médio. Quem fez mestrado ganha, em média, remuneração 84% superior à de quem tem só graduação. E quem fez doutorado recebe, também em média, 35% a mais do que quem tem mestrado.
Uma pergunta que um jovem normalmente faz ao avaliar quanto esforço e tempo investirão em sua formação é: vale a pena financeiramente? No caso brasileiro, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, estudar vale muito: quem fez graduação recebe salários, em média, 170% maiores do que quem só completou o ensino médio. Quem fez mestrado ganha, em média, remuneração 84% superior à de quem tem só graduação. E quem fez doutorado recebe, também em média, 35% a mais do que quem tem mestrado.
Os dados do CGEE indicam que 27,6% dos mestres e 11,4% dos doutores trabalham no setor empresarial. Decerto parece pouco, mas o que isso significa no que diz respeito à empregabilidade de pessoas com mestrado e doutorado?
Esta tabela mostra os salários médios de mestres e doutores empregados em organizações de diferentes setores da economia em 2014.
Apresentada de maneira resumida, a tabela inclui mestres e doutores empregados em universidades no setor “Educação”. Os salários nesse setor, no entanto, são menores do que a média da remuneração de mestres e doutores. Assumindo que as empresas contratem profissionais à medida que identifiquem a necessidade de seus serviços e que os salários sejam basicamente determinados pelo equilíbrio entre a escassez relativa desses profissionais e o valor gerado por sua presença, esse levantamento parece indicar que muitas organizações necessitam de profissionais com essa formação.
Acrescente-se a esses dados a informação de que o salário real dos mestres (já descontada a inflação) cresceu 9,4% entre 2009 e 2014, enquanto o dos doutores aumentou 18,1%. Essa valorização, bem superior à da média salarial brasileira no mesmo período, sugere que tenha ocorrido um aumento mais acelerado da demanda das organizações pela contratação de mestres e doutores.
Certamente, o ambiente econômico em 2014 era diferente do de hoje, e, neste momento, há expressivo desemprego entre mestres e doutores recém-formados. Ainda assim, esses números talvez revelem um quadro ainda pouco percebido: começa a se constituir no Brasil uma economia baseada em conhecimento. Os números de mestres e doutores em atividade no país ainda são espantosamente pequenos, mas parece haver um crescimento sustentado da presença desses profissionais em empresas de alguns dos setores mais dinâmicos da economia. Vale a pena prestar atenção e cuidar para que esse processo siga adiante.
Versão resumida de artigo originalmente publicado no blog Ciência & Matemática, hospedado no jornal O Globo, em 25/11/2019.