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Luzes sobre a diáspora

Estudo internacional liderado pela UFMG reconstruiu aspectos da história da escravidão por meio do genoma de populações africanas e americanas

Obra Castigo de escravo, de Jean-Baptiste Debret, artista que retratou aspectos da vida colonial no Brasil
Obra 'Castigo de escravo', de Jean-Baptiste Debret, artista que retratou aspectos da vida colonial no Brasil Domínio público

A chamada diáspora africana envolveu mais de 9 milhões de pessoas, forçadamente transportadas para as Américas, entre os séculos 16 e 19. Em artigo publicado na revista Molecular Biology and Evolution, um grupo internacional de pesquisadores, liderado pelo professor do ICB Eduardo Tarazona-Santos, também integrante do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT), estudou a diversidade do genoma de 6.267 indivíduos de 22 populações africanas e americanas, para reconstruir aspectos da história da escravidão nas Américas em seus contextos geográfico, geopolítico e médico.

“A escravidão foi uma tragédia em nossa história, e essa história também está escrita em nosso genoma. Observamos que a ancestralidade africana predominante nas Américas originou-se de países como Nigéria e Gana, na região Centro-Ocidental africana. Por outro lado, nas Américas, a ancestralidade do Oeste africano, de países como Senegal e Gâmbia, aumenta em direção ao Norte, em particular no Caribe e América do Norte. Em relação à ancestralidade dos povos Bantu do Sul e Leste da África, percebe-se que se concentra mais no Sul do Brasil. Enfim, uma organização norte-sul, latitudinal das ancestralidades”, resume Tarazona-Santos, que imagina o genoma dos latino-americanos como “mosaicos de ancestralidades indígenas, africanas e europeias”.

O trabalho da equipe de pesquisadores envolveu conceitos estatísticos complexos, além de grande know-how e capacidade computacional para analisar os big data de tipo genômico, áreas nas quais a UFMG tem liderança internacional. O grupo comparou dados genéticos com informações de fontes histórico-demográficas sobre o número de embarques e desembarques da África nas Américas durante a diáspora africana. Essa comparação revelou que o período de 1750 a 1850 foi crítico, correspondendo a picos na chegada de escravos da África, o que foi acompanhado de uma intensificação da miscigenação em todo o continente americano.

O trabalho da equipe de pesquisadores envolveu conceitos estatísticos complexos, além de grande know-how e capacidade computacional para analisar os big data de tipo genômico, áreas nas quais a UFMG tem liderança internacional.

Diversidade genética

“Geneticamente, os africanos são a população mais diversa do mundo. Observamos, pela primeira vez, que a diáspora africana para as Américas foi tão grande e duradoura que os nativos trouxeram toda a sua diversidade genética, que hoje está presente no componente africano dos nossos genomas miscigenados. Por outro lado, nos últimos 500 anos, nós, nas Américas, nos misturamos mais do que na África, e a parte africana do nosso genoma é a mais homogênea entre as populações das Américas. Um brasileiro do Sul e um afro-americano são geneticamente mais similares no seu componente africano do que um moçambicano na comparação com um nigeriano”, afirma Tarazona-Santos. Esses resultados têm relevância para a pesquisa na área de saúde, pois indicam que as variantes genéticas responsáveis por doenças estão mais homogeneamente distribuídas entre as diferentes populações das Américas do que na África.

Os pesquisadores da UFMG que se dedicaram ao estudo estão vinculados a várias áreas da Universidade: Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do ICB; Departamento de Estatística do ICEx; Laboratório de Genômica/Centro de Laboratórios Multiusuário (Celam) do ICB; Mosaico Translational Genomics Initiative e Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares.

Artigo: Origins, admixture dynamics, and homogenization of the african gene pool in the americas
Autores vinculados à UFMG: Mateus H. Gouveia, Victor Borda, Thiago P. Leal, Rennan G. Moreira, Marla M. Aquino, Gilderlanio S. Araujo, Nathalia M. Araujo, Vinicius Furlan, Fernanda S.G. Kehdy, Raquel Liboredo, Moara Machado, Wagner C.S. Magalhaes, Lucas A. Michelin, Maíra R. Rodrigues, Fernanda Rodrigues-Soares, Hanaisa P. Sant Anna, Meddly L. Santolalla, Marília O. Scliar, Giordano Soares-Souza, Roxana Zamudio, Camila Zolini e Eduardo Tarazona-Santos
Data de publicação: 5 de março
Revista: Molecular Biology and Evolution

Eliane Estevão