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Amor à camisa?

Pesquisa da Face revela que o comprometimento afetivo reforça o vínculo de jovens trabalhadores com seus empregadores

Um construto tridimensional define o comprometimento dos empregados com as empresas em que trabalham. As dimensões são a afetiva, a calculativa (também chamada de instrumental) e a normativa, que dizem respeito, respectivamente, à permanência dos trabalhadores nas empresas porque querem, precisam ou porque se sentem moralmente obrigados. 

Tais premissas teóricas nortearam a pesquisa de Michelle de Souza Rocha, autora da dissertação Vestindo a Camisa? Dimensões do comprometimento organizacional em jovens trabalhadores, defendida neste ano no Centro de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (Cepead), da Faculdade de Ciências Econômicas (Face). 

“Um ambiente de trabalho percebido como favorável reforça o anseio de manter o vínculo com a instituição”

A pesquisadora constatou que a dimensão afetiva é a que mais influencia o comprometimento de jovens trabalhadores, que se identificam com os valores da organização em que trabalham e a eles se vinculam psicologicamente. Com base em 547 questionários respondidos por trabalhadores de 18 a 24 anos, Michelle apurou que os motivos para a filiação estão relacionados de maneira especial ao gosto pelo ambiente e pelos colegas. “Um ambiente de trabalho percebido como favorável reforça o anseio de manter o vínculo com a instituição”, comenta a autora, cujo trabalho integra o projeto Comportamento organizacional: um estudo multitemático com jovens trabalhadores, sob coordenação da professora Kely César Martins de Paiva, no Núcleo de Estudos sobre o Comportamento, Pessoas e Organizações (Necop), financiado pelo CNPq e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG.

Criação Cedecom

Segundo Michelle, isso se justifica porque no primeiro momento de formação profissional do indivíduo, os fatores emocionais são suas referências mais importantes. “O discurso dos jovens sinaliza a valorização das pessoas com as quais desenvolve amizade no trabalho. Muitos estudos mostram que essa é uma inclinação típica do período da juventude”, argumenta.

O público investigado é composto de jovens assistidos pela instituição -Ensino Social Profissionalizante (-Espro), que trabalha com inclusão no mercado de trabalho. Eles são alocados em empresas de diversos segmentos, onde realizam, principalmente, serviços administrativos, de suporte e atendimento ao público. A pesquisa teve duas fases: uma exploratória, de metodologia quantitativa, e outra descritiva, com análise qualitativa de dados e entrevistas, constituindo, assim, uma triangulação metodológica.

Motivações

A dimensão calculativa apareceu nos discursos dos trabalhadores principalmente quando revelaram suas motivações iniciais para procurar emprego. “Esse ponto remete à significação mais funcional do trabalho, ou seja, de fornecer condições de se sustentar economicamente e de ajudar a família”, explica Michelle. O perfil dos jovens atendidos, normalmente oriundos de famílias de baixa renda, também justifica essa dimensão. A pesquisadora menciona a chance de ser contratado em definitivo e a experiência de aprendizado como aspectos também inerentes a esse vínculo.

Quanto ao comprometimento normativo, Michelle salienta que, embora o trabalhador possa atuar pressionado pela obrigação moral com a organização, esse aspecto não é dos mais expressivos, na avaliação dos jovens entrevistados. “Aqueles que afirmaram permanecer nas empresas por razões normativas indicaram a necessidade de cumprir o contrato porque ele é porta de entrada para outras oportunidades”, relatou a autora.

Michelle apurou, ainda, que o grau de escolaridade é inversamente proporcional ao comprometimento normativo, ou seja, quanto maior o investimento realizado na formação profissional, menor a tendência de os jovens se sentirem obrigados à permanência. “Existe a crença de que a educação garante colocações diferenciadas no mercado. O jovem mais graduado se sente apto a usufruir de melhores recompensas e benefícios. Por isso, ainda que alguns manifestem gratidão pela oportunidade, a maioria não nutrirá obrigação moral com uma empresa na qual não se sente realizado profissionalmente”, argumenta. 

“Existe a crença de que a educação garante colocações diferenciadas no mercado"

Na interseção entre os comprometimentos calculativo e normativo, a pesquisadora identificou a temática da “independência”. “Para o público analisado, ser independente significa pagar as próprias contas sem precisar pedir recursos aos pais. Eles querem ter dinheiro para consumir, mas também consideram o dinheiro uma solução contra a pressão da família”, observa Michelle. 

O emprego, segundo a pesquisadora, representa para os jovens uma forma de sustento financeiro, ao mesmo tempo em que carrega forte dimensão expressiva, isto é, de realização pessoal e social. “As organizações devem saber como se assentam as bases do comprometimento organizacional dos jovens, para que possam desenvolver políticas de gestão de pessoas e relações de trabalho específicas para esse público”, defende a pesquisadora. 

Matheus Espíndola