Economia do desastre

A conta da tragédia

Pesquisa projeta consequências econômicas do rompimento da barragem em Mariana, considerando a interdependência de setores e regiões

Os impactos econômicos do desastre de Mariana têm sido subestimados no âmbito regional. “Comenta-se muito sobre os rios e o meio ambiente afetados, mas pouco sobre o prejuízo para as economias locais, que é significativo”, alerta o professor Edson Paulo Domingues, da Faculdade de Ciências ­Econômicas (Face). 

A avaliação de Domingues está calcada em dados obtidos em pesquisa realizada sob sua orientação, no Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (Nemea) da UFMG, pelo economista Thiago Cavalcante Simonato, que defendeu trabalho de mestrado em fevereiro deste ano. O objetivo do estudo foi contribuir para avaliar os desdobramentos e medir a distribuição regional e setorial dos impactos negativos, além de subsidiar a elaboração de políticas de redução de danos e recuperação econômica.

“Foi possível projetar impacto importante sobre o PIB e as exportações regionais”, afirma Thiago Simonato. Os estudos concluíram que, para cada R$ 1 de queda na produção de minério de ferro em Mariana, o PIB total do município cai R$ 1,37, e o do estado de Minas Gerais, R$ 1,44.

O pesquisador desenvolveu, especialmente para o estudo, modelo de simulação que considera interdependências econômicas de setores e regiões, em grande escala. Os resultados contemplam efeitos sobre siderurgia, comércio e agropecuária de outros municípios e áreas mais amplas.

Denominado DamAge – dam significa barragem em inglês, e Age faz referência a análise aplicada de equilíbrio geral (AGE) –, o modelo provém de outro de tradição australiana (Term), adaptado há algum tempo para a realidade brasileira. O DamAge inclui mais de 50 mil variáveis e 30 mil equações sobre grande e detalhada base de dados de Minas Gerais, originada de relatórios do governo do estado e informações disponíveis até meados de 2016. 

Choques

Sobre o chamado cenário-base (equilíbrio inicial) pré-desastre, o pesquisador aplicou choques ou perturbações que conduzem a novos equilíbrios. O modelo leva em consideração dados de contas nacionais e regionais, matrizes de insumo-produto, informações sobre comércio exterior, produção industrial e emprego, entre outras. “Foi preciso desagregar os municípios mais relevantes para compreender a interdependência”, explica Simonato.

Thiago Simonato fez duas simulações. Na primeira delas, os efeitos do desastre foram projetados para o período 2016-2020, sem a retomada das atividades de mineração em Mariana. “Nesse cenário, apesar da predominância de perdas nos municípios de Mariana, Barra Longa e Rio Doce, os resultados indicaram espraiamento expressivo dos impactos negativos para os municípios ao longo do Rio Doce, transmitidos principalmente pelas compras e vendas regionais”, relata o pesquisador.

Os principais indicadores econômicos não se recuperam em cinco anos, em razão, sobretudo, da permanência dos impactos negativos sobre setores econômicos importantes para diversos municípios. Por exemplo, danos gerados pela destruição de áreas de plantação e pastagem comprometeram excessivamente a atividade agropecuária em cidades muito dependentes desse setor. É grande o impacto sobre indicadores como o consumo das famílias.

Em novembro de 2015, rompeu-se um dos diques de barragem de ­rejeitos da mineradora Samarco, que resultou em 19 mortos e centenas de desabrigados.

“Por outro lado, municípios que não sofreram perdas diretas e que dependem muito da produção de minério de ferro apresentaram variações positivas no PIB e nas exportações regionais, já que a hipótese é de que a produção interrompida em Mariana seja redirecionada para essas áreas”, diz Thiago Simonato.

Vista de Governador Valadares, a maior cidade do Vale do Rio Doce
Vista de Governador Valadares, a maior cidade do Vale do Rio Doce Arquivo Agência Nacional de Águas


Com retomada

A segunda simulação encontrou os efeitos da retomada da produção de minério de ferro a partir de 2018 e até 2020. De acordo com o estudo, nesse cenário, o processo de recuperação seria acelerado, mas não levaria à plena recomposição econômica. Ainda que se considerem os impactos positivos indiretos da atividade mineradora em Mariana sobre outros setores e regiões, predomina a relevância das perdas relacionadas à agropecuária e indústrias instaladas.

“Políticas de incentivo devem considerar que muitos municípios necessitam de muito mais que a retomada de produção em Mariana”, enfatiza o pesquisador. Ele acrescenta que é mais que justificada a urgência de se discutir a criação de fundos de emergência destinados exclusivamente à reestruturação regional em caso de desastres, utilizando como fontes de financiamento compensações financeiras já existentes.

Thiago Simonato, que já iniciou pesquisa de doutorado na USP, comenta também que, nos cenários com e sem retomada, Mariana fica em situação complicada, já que a atividade que gera a maior parte dos impostos tem queda significativa, e o município precisa prover serviços públicos para uma população que tende a permanecer constante.

Dissertação: Projeção dos desastres econômicos regionais do desastre de Mariana (MG)

De Thiago Cavalcante Simonato

Orientador: Edson Paulo Domingues

Defesa em fevereiro de 2017, no Programa de Pós-graduação em Economia do Cedeplar/UFMG

Itamar Rigueira Jr.