Das sufragistas às ativistas 2.0

Topocídio e suicídio: resistir ou desistir

Vivemos tempos de desilusão e desesperança. O teor do noticiário assusta e amedronta. A violência impera soberana no campo e na cidade. Agressões, assassinatos, estupros, suicídios. A morte e a impunidade nos espreitam em cada esquina.  A vida perdeu seu valor? Parece que sim, mas esses eventos não são novidade na história humana. A historicidade dos homens se desdobra entre o nascer e o morrer, num ciclo rápido e efêmero. Cabe a nós propor reflexões acerca do tempo presente, para entender tantas questões que nos são impostas. A vida requer rapidamente uma nova postura de nossa sociedade.

A violência a que estamos expostos, diariamente, exige-nos capacidade de resistir. Ou coragem para desistir. A vitória de uns quase sempre significa a derrota de outros. Nos últimos tempos, temos assistido, paralisados, à desconstrução de nossos referenciais culturais, legais, políticos e sociais. O anestesiamento e a alienação parecem tomar conta de todos. Em alguns momentos, a força e a intimidação são usadas para legitimar a histórica opressão dos tempos pretéritos. Aonde essa minoria, que impõe o caos e a desordem aos brasileiros e a outros tantos povos pelo mundo, objetiva chegar?

A intolerância e a radicalidade nos submetem a novos princípios. Uns resistem. Outros desistem de um futuro promissor, de um novo projeto de sociedade. Talvez a guerra fria tenha-se refeito em novos formatos e recortes, impondo inércia e choque em diferentes escalas: do local ao global. Situações de desumanidade e de ilegalidade afloram em jardim tenebroso. As democracias historicamente consolidadas pelo mundo afora se encontram ameaçadas. Ardiloso, o capitalismo impera, dominando paisagens e cenários, construindo e desconstruindo referenciais e panoramas. 

O cuidado com a vida, com o ambiente, com as memórias torna-se irrelevante. A cultura, riqueza maior da humanidade, desvaloriza-se. É tempo de resistir e não desistir! Parafraseando Day Anne: “planto flores no caminho, para que não me faltem borboletas. Foram elas que me ensinaram que o casulo não é o fim... É o começo!”. É preciso sobreviver e se reinventar, para recontar belas histórias.

O  topocídio e o suicídio trazem preciosas considerações sobre as redes que redefinem a roda. Lugares e pessoas com suas subjetividades lembram fatos que não podemos ignorar. A história se faz por meio dos fatos recontados para que refaçamos nosso mundo e nossa ordem ou desordem. O fim é o começo ou recomeço?

O topocídio – definido pelo geógrafo chinês Yi-Fu Tuan como o assassinato do lugar – precisa ser percebido e repensado. Os mais de dois anos de impunidade que cercam a triste história de Bento Rodrigues e de seus moradores parecem não ter fim. Movida pelo lucro, a mesma mineração que varreu uma localidade do mapa se amplia. A Serra do Coelho, no município de Piracema, deixou de existir em apenas dois anos. Outros episódios ilustram o descaso, como os vazamentos de rejeitos minerários e a contaminação hídrica em Barcarena, no Pará. Ou ainda os dois rompimentos do mineroduto Minas-Rio em Santo Antônio do Grama em um mesmo mês. O que houve com nossas leis, acordos e tratados? 

Por todos os lugares de Minas e do Brasil, a égide mineradora amplia seus tentáculos devastadores. A história de resistência do camponês, do indígena e do quilombola está sendo desconsiderada e negligenciada. Serras e localidades entre Grão Mogol e Rio Pardo, no Norte de Minas, estão ameaçadas pelos interesses da mineração. A bacia do Rio Santo Antônio e suas paisagens encontram-se seriamente ameaçadas. O Quadrilátero Ferrífero amplia-se na direção de Congonhas do Campo e interfere em lugares e culturas locais. Mesmo Congonhas, patrimônio cultural da humanidade, representa a maximização dos conflitos decorrentes da exploração mineral. Atônitos e estarrecidos, os profetas contemplam silenciosamente essa paisagem. 

Lugares morrem sem despertar lágrimas, cortejos e considerações afetivas por parte das empresas minerárias e grandes corporações. Pessoas são realocadas, e seus referenciais simbólicos e marcos significativos, saturados e pulverizados por tratores e caminhões. Era uma vez um lugar que se foi. Ele resta apenas no rico imaginário de quem o povoou. Muitas pessoas se entristecem ao lembrarem a paisagem, outras passam a não ver sentido na vida. E depois do topocídio virá talvez o suicídio. É crescente o número de pessoas que se matam após serem retiradas à força de seus lugares de origem e referência. Mas os dados são ocultados, é claro. Por que será?

Infelizmente, o topocídio e o suicídio não estão na conversa e na reflexão dos brasileiros. Diariamente, segundo o jornal Folha de S.Paulo, ocorrem 30 casos de suicídio no Brasil, número que aumenta a cada ano. Em 2010, foram 10.490 casos e, em 2015, 11.736 óbitos, aumento de 12%. Ainda que seja tabu para muitos e  tratada com intolerância por tantos outros, a questão está se tornando um problema de saúde pública. Precisamos rever nossa ordem social para que ela não seja entendida como o “fim da picada”. Lugares e pessoas devem ser revalorizados e ressignificados urgentemente como causa maior. Que o fim seja o recomeço de um começo sem fim!

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Vagner Luciano de Andrade, agente da Rede Ação Ambiental