Ministério necessário
Criada há 30 anos, pasta da Ciência, Tecnologia e Inovação foi decisiva para que o Brasil subisse no ranking mundial da produção científica
A principal responsabilidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) é a política nacional de pesquisa científica, tecnológica e inovação, cuja prática se dá por meio do planejamento, da coordenação, da supervisão e do controle das atividades da ciência e tecnologia realizadas no país. Além disso, o ministério é responsável por políticas nas áreas de desenvolvimento de informática e automação, de biossegurança, espacial e nuclear, além do controle da exportação de bens e serviços considerados sensíveis.
O órgão foi criado em 15 de março de 1985 como Ministério da Ciência e Tecnologia. Em 2011, o termo “Inovação” foi incorporado de forma a expressar que essa dimensão se tornava prioritária na estratégia de desenvolvimento da ciência e da tecnologia planejada para o país. A mudança de nomenclatura se deu na esteira da chamada Lei da Inovação (Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004), que estabeleceu medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do país.
A existência de uma pasta exclusiva para as três áreas é entendida pela comunidade científica como estratégica para se alcançar objetivos de desenvolvimento econômico e social de longo prazo. Contudo, com o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República e o alçamento de Michel Temer à presidência interina da nação, uma das primeiras medidas propostas pelo governo foi a subtração do status de exclusividade do ministério, juntando as atribuições da pasta às do Ministério das Comunicações. Na visão de especialistas do setor, a medida põe em risco não apenas o alcance dos objetivos futuros, mas também as conquistas já obtidas.
Em meados de maio, 14 das mais importantes entidades do setor, entre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), enviaram manifesto ao presidente interino Michel Temer, posicionando-se contra a fusão entre o MCTI e o Ministério das Comunicações (MC). O entendimento é de que a integridade do órgão é fundamental para que siga desempenhando seu papel no avanço da ciência e da tecnologia, visando ao protagonismo do Brasil no cenário científico global.
No manifesto, as entidades lembram que “se há duas décadas o Brasil ocupava a 21ª posição no ranking mundial da produção científica, hoje já se encontra no 13º lugar”. O documento das entidades acrescenta que, nas últimas duas décadas, “a produção científica mundial cresceu 2,7 vezes”, enquanto a brasileira cresceu quase sete vezes, índice semelhante ao da Coreia do Sul e superior ao de países desenvolvidos, como Canadá, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Rússia.
Repercussão internacional
No dia 25 de maio, Lizzie Wade, correspondente para a América Latina da revista Science, publicou artigo em que denuncia a ameaça que paira sobre a ciência e o meio ambiente brasileiros no governo interino atual, após a fusão dos ministérios. “Essa é apenas uma de série de ações que têm deixado a comunidade científica preocupada, sem saber o que vai acontecer com a ciência e o meio ambiente”, diz o texto, que também alerta para mudanças na legislação brasileira para simplificar o licenciamento ambiental de grandes obras.
Wade aborda a preocupação dos cientistas com o orçamento da área. “Reverter a fusão pode não ser o bastante para proteger o financiamento das ciências. Mesmo antes do afastamento de Dilma Rousseff, a comunidade -científica brasileira já lutava contra cortes severos. Em 2015, o governo cortou 25% no orçamento do MCTI e diminuiu o apoio às bolsas de pós-graduação”, diz o texto.
Investimento: ascensão e queda
Segundo dados do MCTI, o dispêndio nacional em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) era, em 2000, de R$ 15,8 bilhões. De lá para cá, o investimento aumentou gradativamente, de forma que, uma década depois, esse valor quadriplicou, alcançando a marca de R$ 62,2 bilhões. Em 2013, o investimento chegou a R$ 85,6 bilhões. O MCTI só forneceu para a reportagem os dados de dispêndio relativos ao período que vai até o ano de 2013.
Guardada certa variação, o percentual do PIB destinado ao setor também seguiu crescendo: saltou de 1,32%, em 2000, para 1,66%, em 2013. Contudo, a partir de 2014, sinalizando uma inflexão do movimento de valorização da pasta observada nos 13 anos anteriores, os recursos investidos na área passaram a sofrer cortes sucessivos. Em 2014, o orçamento do Ministério sofreu redução de R$ 282 milhões. No ano seguinte, mais 11 milhões foram cortados, e, em 2016, conforme dados fornecidos pela própria pasta, seu orçamento global caiu de 10 bilhões para pouco mais de 7 bilhões (dado atualizado até 20/06/2016).
“O Brasil investe em média 1,6% do PIB anual em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Países industrializados ou em processo de industrialização investem mais de 2,5%”, compara o professor emérito Clélio Campolina, da Faculdade de Ciências Econômicas (Face), reitor da UFMG na gestão 2010-2014 e ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) de março a dezembro de 2014.
“O Brasil investe em média 1,6% do PIB anual em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Países industrializados ou em processo de industrialização investem mais de 2,5%”
Campolina vislumbra uma relação direta entre a manutenção dos investimentos na área e a inserção estratégica do país na economia internacional. “O mundo vive um ciclo que envolve a bioeconomia, as biotecnologias, as nanotecnologias, a questão ambiental. Essa é a onda da vez. Desenvolvemos pesquisas avançadas nessas áreas e temos todas as condições de aproveitar esse ciclo, dada nossa ampla biodiversidade e nossa base científica estruturada, entre outros aspectos. Com esses cortes, o Brasil corre o risco de perder oportunidades”, alerta.
Parques e INCTs em risco
A proposta de fusão entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o Ministério das Comunicações – com a possível restrição orçamentária associada a essa decisão – ameaça também a manutenção das atividades dos parques tecnológicos do Brasil, entre eles o BH-Tec, criado pela UFMG em parceria com o Governo de Minas Gerais, a Prefeitura de Belo Horizonte, a Fiemg e o Sebrae-MG.
Presidente do BH-Tec e reitor da UFMG na gestão 2006-2010, Ronaldo Pena, explica que, na fase em que se encontram, muitos ambientes de inovação (parques e incubadoras) ainda dependem bastante de editais de apoio lançados por agências como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao MCTI, e as fundações estaduais de amparo à pesquisa. “O BH-Tec, por exemplo, ainda não tem musculatura suficiente para sobreviver apenas dos aluguéis das empresas que nele se encontram. É por isso que, de tempos em tempos, a Finep lança editais específicos para apoio aos parques. Isso não pode parar. Em uma condição de restrição orçamentária, o impacto no funcionamento dos parques é direto”, explica o professor.
Sem garantia
A UFMG teve, no mês de março, 16 propostas de financiamento para Institutos Nacionais de Tecnologia (INCTs) aprovadas na Chamada INCT – MCTI/CNPq/Capes/FAPs 16/2014. Porém, o recebimento dos recursos para instalação dos institutos ainda é incerto, assim como para manutenção daqueles que já estão em funcionamento. Os R$ 641 milhões previstos para financiamento, por meio do CNPq, em 2016, ainda não estão garantidos pelo governo federal.
“Estamos trabalhando com verbas residuais. Nosso nível de atividade está muito baixo. Se não houver a renovação, seremos obrigados a parar, o que considero um desastre do ponto de vista científico"
Coordenador do INCT em Nanobiofarmacêutica, o professor Robson Santos, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB, demonstra preocupação com a possibilidade de ficar sem recursos para manutenção do instituto, que funciona desde 2008 e produz modelos de animais para testes de medicamentos humanos, com 80 patentes já registradas.
“Estamos trabalhando com verbas residuais. Nosso nível de atividade está muito baixo. Se não houver a renovação [dos recursos], seremos obrigados a parar, o que considero um desastre do ponto de vista científico, pois leva-se anos para desenvolver network produtivo, trabalho que pode ser anulado pela falta de suporte continuado”, explica.
Matéria produzida pela TV UFMG sobre os INCTs coordenados pela Universidade pode ser assistida na página da emissora no Facebook.
*Colaboraram Hugo Rafael e Nathalia Costa