Ciência, história e um meio-termo
Professor da Fafich repassa, em livro, papel da história na produção de conhecimento
No ensaio O que é o contemporâneo?, o filósofo italiano Giorgio Agamben argumenta que um homem inteligente sabe que não pode fugir de seu tempo, ao qual irrevogavelmente pertence. Apesar de ser um cerne da inteligência humana, o ambiente científico foi capaz de sediar a ideia de que a produção dos cientistas ocorria alheia à sua própria historicidade.
Em dado momento, esse positivismo acabou sendo confrontado por um entendimento oposto, em que ocasionalmente se passou a supor na submissão da ciência à história uma importância desproporcional, grande o suficiente para pôr em xeque as conquistas do campo. O choque entre essas duas perspectivas embasou a escrita da história da ciência a partir dos anos 1930.
Com o livro Um papel para a história: o problema da historicidade da ciência, o filósofo e professor do Departamento de História da Fafich Mauro Lúcio Leitão Condé mapeia esse impasse e alcança o seu meio-termo, na proposta de enfrentar, “de um lado, os perigos do relativismo extremo e, de outro, o do positivismo ingênuo”, como ele escreve na obra.
Organizado em introdução, quatro capítulos e conclusão, o volume será lançado no próximo sábado, 16, às 11h, no restaurante Mineiríssimo, que fica na Avenida Abrahão Caram, 844, perto da portaria 2 da UFMG. No dia do lançamento, o livro será oferecido ao público por R$ 20. O preço de capa é R$ 30.
Nem tão ao céu, nem tão...
No primeiro capítulo do livro, Mauro Condé analisa esse debate que, na história da ciência, ficou conhecido como “internalismo versus externalismo”: de um lado, o filósofo Alexandre Koyré (1892-1964) e a concepção idealista que a ciência encontra seus caminhos independentemente da história a que está submetida; de outro, o filósofo Edgar Zilsel (1891-1944) e a visão de que a ciência depende sobremaneira da organização social e dos fatores sociais, econômicos e tecnológicos dos tempos de sua concepção e aplicação.
Adiante, o autor se dedica à obra epistemológica do médico e microbiologista polonês Ludwik Fleck (1896-1961), intelectual que, apesar de ser precursor da ideia de historicidade da ciência, só foi de fato descoberto após sua morte, quando o físico e filósofo Thomas Kuhn (1922-1996) referenciou sua obra. Mauro Condé também se dedica a Kuhn e à consolidação que ele faz de uma “nova imagem da ciência”, que contempla a ideia de historicidade da ciência sediada nessa “tensão essencial” entre natureza e cultura.
O professor também discute – com base nos postulados do filósofo austríaco-britânico Ludwig Wittgenstein (1889-1951) – a “função decisiva” que a linguagem e seus mecanismos desempenham na construção do conhecimento científico, aspecto que ainda não havia sido abordado profundamente pelos demais autores. “Wittgenstein nos possibilita compreender o conhecimento científico como um tipo de tessitura entre o social e sua linguagem, por um lado, e a natureza, por outro. O processo dessa tessitura constitui a historicidade do conhecimento”, escreve Condé.
“Não é nada trivial que a ciência tenha, além de uma história ordinária, uma determinada historicidade”, opina Eduardo Salles de Oliveira Barra, professor de Filosofia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no prefácio do volume. “Para nosso autor, a historicidade da ciência não é definitivamente mera contingência. Ao contrário, ela deve ser admitida como uma questão de direito sobre a ciência, isto é, uma condição sine qua non para que a ciência seja o que é, sob qualquer ponto de vista.”
Para Eduardo Barra, “admitir que a história é condição para o resultado das investigações científicas significa afirmar que, se a história fosse outra, determinados resultados poderiam, absolutamente, não existir”, ou mesmo ser completamente diferentes. Dito de outro modo, admitir o papel da história na ciência é admitir que seus resultados não são fruto do descobrimento de verdades; são também construtos, só válidos quando se leva em consideração também o regime histórico em que eles são produzidos e mobilizados.
Livro: Um papel para a história: o problema da historicidade da ciência
Autor: Mauro Lúcio Leitão Condé
Editora UFPR
171 páginas / R$ 30 (preço de capa)