periodical.logo.alt_text

Nº 18 - Ano 9 - 05.08.2010

Web e redes sociais

Ciência na rede

Internet é um dos mecanismos que mais têm contribuído para modificar o fazer científico

Uma das áreas do mundo contemporâneo sobre a qual a internet exerce maior poder de influência é, sem dúvida, o ambiente científico. Nos últimos anos, ciência e web têm caminhado lado a lado – e motivos para isso não faltam. Com o grande alcance da internet, certas práticas científicas têm se tornado cada vez mais comuns. Uma delas é a pesquisa articulada ou distribuída geograficamente. São redes de estudo que se formam entre vários países, às vezes até de diferentes continentes, e que envolvem cientistas que se comunicam, partilham dados e fazem contribuições através de e-mails, teleconferências ou, até mesmo, via Skype, em grandes projetos. 

É o caso do Dark Energy Survey (em português, Mapeamento da Energia Escura), projeto internacional que conta com a colaboração de diversos pesquisadores brasileiros – entre eles, Rogério Rosenfeld, diretor do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). “O Dark Energy Survey é uma iniciativa que busca, essencialmente, comprovar se a energia escura [cujo nome alude ao desconhecimento de sua natureza, mesmo constituindo 70% do universo] é, de fato, o principal elemento que tem causado a expansão do universo”, explica Rosenfeld. Além dos brasileiros, participam do projeto pesquisadores de vários laboratórios e universidades dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da Espanha. 

“A web foi criada por físicos que trabalhavam no CERN [Organização Europeia para Investigação Nuclear, na tradução em português] para compartilhar dados de experimentos, entre o fim da década de 1970 e início dos anos 1980”

Para Rogério Rosenfeld, o advento da rede mundial está diretamente ligado à necessidade dos cientistas de criarem tecnologia capaz de transmitir e obter informações de modo mais fácil. “A web foi criada por físicos que trabalhavam no CERN [Organização Europeia para Investigação Nuclear, na tradução em português] para compartilhar dados de experimentos, entre o fim da década de 1970 e início dos anos 1980”, explica. Ainda segundo Rosenfeld, também na década de 1980 foram criados os chamados arXives – derivação de “archives”, termo em inglês para arquivos –, site em funcionamento até os dias de hoje, onde diariamente são postados artigos com resultados de pesquisas no campo da Física ainda não publicados em periódicos arbitrados.

Quebra de barreiras  Com o fortalecimento da internet e, consequentemente, a criação de novas formas eletrônicas de se comunicar, o diálogo entre cientistas – objetivo primordial para a concepção da grande rede – foi bastante facilitado. “Antigamente, o intercâmbio entre os pesquisadores praticamente limitava-se a encontros nos congressos. Hoje, com e-mails, blogs e redes sociais como o Twitter, os pesquisadores de uma mesma área estão em contato constante, apesar da distância física”, afirma o jornalista Bernardo Esteves, editor do site Ciência Hoje Online. 

No entanto, ferramentas eletrônicas como e-mails e blogs são apenas instrumentos adicionais a serem usados na prática da ciência, e não substitutos de periódicos ou livros científicos. É o que defende Carlos Alberto Araújo, professor da Escola de Ciência da Informação da UFMG. “Meios científicos tradicionais de comunicação, como jornais e conferências, são bem mais efetivos em compartilhar grandes quantidades de informação. Um registro de blog pode ser mais rico do que uma história de jornal, mas não tão rico quanto um artigo na [revista científica inglesa] Nature”, explica. 

Professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG e referência internacional no campo da Bioquímica, Marcelo Santoro considera que sites que oferecem acesso gratuito a conteúdos científicos produzidos em todo o mundo, como o Portal Capes (que mantém assinaturas de centenas de revistas e periódicos internacionais), ajudam a democratizar o acesso à informação. “Todos os pesquisadores brasileiros, estejam eles no interior de Minas, no Norte ou no Nordeste, em princípio, podem acessar a informação que desejarem. Do ponto de vista da democracia, isso faz uma enorme diferença, pois há quantidade enorme de informações à disposição de qualquer pessoa, e não de uns poucos privilegiados”, argumenta Santoro, cujo artigo sobre o desenvolvimento de novo método de obtenção de proteínas sob determinadas condições experimentais, publicado pela revista Biochemistry, em 1988, já ultrapassou mil citações em todo o mundo. 

Um novo destinatário  A internet também facilitou o acesso de leigos às pesquisas e informações científicas. No entanto, isso não significa, necessariamente, que a ciência esteja se popularizando entre os leigos. Opinião partilhada por diversos pesquisadores é a de que, para que outros públicos além do especializado consigam compreender a informação científica, é necessário que o conteúdo seja adaptado. 

Para o jornalista Marcelo Leite, titular do blog Ciência em Dia, do Uol, a internet vem contribuindo para diminuir a ignorância científica. “Deparar-se com a dificuldade de entendimento faz parte do processo de aprendizado, mas é obrigação de quem apresenta o conteúdo tentar fazer-se entender por públicos mais amplos que o especializado.” O jornalista acredita ser preciso trabalhar em duas pontas: melhorar o ensino de ciências na educação básica e formatar o conteúdo da divulgação científica em qualquer meio, de modo a ser compreendido e apreciado pela média das pessoas.

Uma barreira que ainda não foi quebrada está relacionada à interação pesquisador/instituição e público leigo. É o que afirma Bernardo Esteves: “Essa interação é tecnicamente possível e recomendável, mas ainda impera a lógica segundo a qual os especialistas falam entre si, e apenas um número restrito deles se dispõe a conversar com a sociedade nas mais diversas formas de divulgação científica”. Ainda são raras as iniciativas nesse sentido. Uma delas é a divulgação, pelo Twitter, de informações do LHC (Grande Colisor de Partículas, na tradução em português), o maior acelerador de partículas do mundo, produzidas pelo CERN, que mantém um perfil na rede social.

“Nesse oceano da internet, encontramos muitos sites desatualizados, muita informação incompleta. A tecnologia mistura os gêneros informacionais e os repositórios científicos. As pessoas, hoje, não conseguem fazer a distinção entre o correto e o incorreto, e simplesmente misturam os tipos de informação que buscam”

Mais um fator que dificulta a compreensão do leitor não especializado é a grande quantidade de artigos e pesquisas na internet, nem sempre oriundos de fontes confiáveis. Naturalmente, é bem mais difícil para o leigo do que para o especialista fazer a triagem do grande volume de informação disponível na internet e separar dados de qualidade daqueles que não são confiáveis. Para o professor Carlos Alberto Araújo, que já realizou diversos estudos sobre usos e consumidores da informação, o perfil contemporâneo de quem acessa conteúdo científico pela internet explica, em parte, essa dificuldade. “Nesse oceano da internet, encontramos muitos sites desatualizados, muita informação incompleta. A tecnologia mistura os gêneros informacionais e os repositórios científicos. As pessoas, hoje, não conseguem fazer a distinção entre o correto e o incorreto, e simplesmente misturam os tipos de informação que buscam”, analisa Araújo. Um método que pode facilitar tal distinção é o uso de filtros em ferramentas de buscas, como o Google Acadêmico.

Outra técnica utilizada para tentar medir a relevância de um trabalho científico continua relacionada ao número de citações na literatura técnica. Carlos Alberto explica que a ciência sempre trabalhou com análise de citações e, por vezes, “o mais citado” é compreendido como “o que tem melhor qualidade”: “O periódico científico é avaliado em função do que se chama de índice de citação, ou fator de impacto. Uma Nature tem fator de impacto bem maior do que um periódico que três amigos se juntaram para escrever”, contrapõe. “Mas isso não diz tudo. Há trabalhos científicos de muita qualidade em que não são citados e que, por vezes, só serão reconhecidos 10, 20 anos após a publicação”, conclui.

“Precisamos combater a anticiência”

Entrevista com Paul Myers 

O biólogo norte-americano Paul Zachary Myers, ou simplesmente “PZ” Myers, como é conhecido o professor associado da Universidade de Minnesota (EUA), é um dos cientistas que mais fazem uso da internet como ferramenta de divulgação e discussão científica. Ele é autor do blog Pharyngula, o mais acessado em sua área no mundo, e eleito pela Nature o melhor blog escrito por um cientista, em 2006. DIVERSA conversou com Myers sobre suas impressões a respeito da importância da web para o fazer científico e para os leigos.

Com o desenvolvimento da internet e o consequente surgimento de novas formas eletrônicas de comunicação (blogs, Twitter), a divulgação de pesquisas e trabalhos científicos ficou mais fácil?

Sim. Hoje em dia, quem ouve algo a respeito de uma nova descoberta científica interessante não está mais confinado à mídia estabelecida para descobrir mais: basta digitar algumas palavras no Google e achar uma dezena de vozes na web explicando o trabalho e que normalmente vão bem mais fundo no tópico do que um jornal ou revista. Outro aspecto é que normalmente as mídias tradicionais entendem a história científica de forma totalmente errada. Uma das coisas que nós também fazemos em blogs é corrigir conceitos errados. Caso contrário, eles se espalham sem impedimento. 

Com as redes sociais, aumentou a interação de cientistas com leigos? 

Precisamos começar a fazer com que as novas gerações se empolguem com a ciência e fornecer aos leigos as ferramentas para combater a anticiência. Por exemplo, os Estados Unidos têm um problema sério com criacionistas tentando diluir a qualidade da educação científica. Não há como os cientistas irem a todas as reuniões escolares no país, mas eles podem fornecer explicações acessíveis que serão usadas para combater esse tipo de propaganda. 

A divulgação mais vasta de pesquisas científicas tem também facilitado o acesso de leigos a elas? O senhor acha que o “cidadão comum” tem o preparo necessário para entender o que está lendo sobre ciência? 

Esse sempre foi um problema, mas quem escreve sobre ciência aprende rapidamente a explicar os conhecimentos por trás de uma nova descoberta. Temos apenas que tomar um pouco mais de cuidado para explicar as coisas do que tomaríamos numa conversa entre dois cientistas.  

Juliano Gomes Ferreira