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Nº 18 - Ano 9 - 05.08.2010

Web e redes sociais

Doctor Google

Pacientes encontram na internet ambiente fértil para troca de experiências e busca de informações sobre suas doenças

“Para muitos, a comunidade e os fóruns são os únicos lugares para desabafar, tirar dúvidas, trocar experiências. Alguns não contam sequer para familiares que têm o vírus. É muito angustiante não ter com quem se abrir. Através das comunidades e fóruns, fazemos amigos, confidentes on-line. É um mundo paralelo. Eu recorro a ele quando a angústia bate. Converso, desabafo, me distraio.” João Paulo Santos personifica um fenômeno cada vez mais observado pelos médicos em seus consultórios: pacientes que buscam na internet informações sobre suas doenças. Para eles, vale tudo: sites especializados, redes sociais ou o popular Google são fontes que lhes permitem inteirar-se de seus males. 

João é portador do vírus HIV e, para que tivesse um lugar onde compartilhar dúvidas e trocar experiências, criou a comunidade HIV–Brasil em um dos sites de relacionamentos mais usados por brasileiros, o Orkut. A comunidade, criada há pouco mais de um ano, reúne 168 integrantes, que relatam seus tratamentos, exames e remédios, e comentam como tem sido a reação aos medicamentos. São muitas as comunidades com tais características. Há, por exemplo, ambientes virtuais que reúnem pessoas que têm ou já tiveram câncer, portadores de deficiência física ou aqueles que discutem distúrbios alimentares.

“Tenho a percepção de que elas têm uma contribuição positiva”

Para o clínico geral Aloísio do Nascimento, as associações de pacientes portadores de uma mesma doença costumam ser organizadas e podem realmente ajudar as pessoas em tratamento. “Tenho a percepção de que elas têm uma contribuição positiva”, conta. Segundo Aloísio, na internet, “as pessoas discutem remédios que funcionam ou não, dietas adequadas ou maneiras de conseguir determinada medicação”. Outros especialistas, no entanto, apontam que, ainda assim, é preciso ter cuidado com esses sites. As doenças agem de jeitos diferentes, em indivíduos diferentes, e não dá para levar tudo ao pé da letra. Um medicamento que tenha apresentado ótimos resultados com um paciente pode não ter o mesmo efeito em outro. 

O professor André Murad, da Faculdade de Medicina da UFMG e oncologista do Hospital das Clínicas, conta que muitos pacientes baseiam-se nas informações de outros e formulam “diagnósticos” equivocados sobre o seu estado de saúde. Alguns chegam ao consultório desesperados, achando que o caso não tem solução. “Em geral, o prognóstico de câncer de pulmão, por exemplo, é ruim. Em certos casos, contudo, a doença está em estágio precoce e, com cirurgia, radioterapia ou quimioterapia, a pessoa tem chance de cura que pode chegar a mais de 70%”, explica.

Dos males, o menor  Quando perguntado se a troca de informações na internet não poderia gerar insegurança, por não terem procedência garantida, João Paulo afirma que recorre à comunidade, principalmente, para saber da rotina das pessoas. “Como elas convivem com o HIV? O que mudou depois da soroconversão? Tomam medicamentos, têm efeitos colaterais? Apesar de querer saber tudo isso, eu tenho um infecto [infectologista] que me acompanha. Não faço nada sem antes conversar com ele. A cada quatro meses, faço uma bateria de exames e levo para análise”, garante

Quando observadas sob esse prisma, as comunidades podem mesmo ser de grande ajuda. Afinal, os pacientes seguem mais preparados para a consulta. Diante de um paciente com conhecimento maior sobre sua doença, o especialista terá que conversar, explicar melhor o modo de ação dos medicamentos e relatar possíveis efeitos colaterais. Além disso, se as informações diferirem muito das que encontrou, o paciente deverá, inclusive, buscar uma segunda opinião.

Só que também pode haver o efeito contrário. Às vezes, o paciente  acha que sabe o que tem e vai ao médico apenas para pedir um exame ou o medicamento que funcionou com outras pessoas. Murad conta que já teve vários pacientes com esse perfil: eles chegam ao consultório e não desejam nem escutar o que o médico tem a dizer. Isso acontece, principalmente, quando as informações adquiridas vêm de fontes nada confiáveis e não têm a preocupação de deixar clara a singularidade das doenças e sua forma de ação. 

“Você precisa ver até que ponto a ansiedade e a pesquisa do paciente, na internet, podem ajudar ou não”

O modo como a informação altera o tratamento depende tanto do próprio paciente quanto do médico envolvido. “Uma pessoa ponderada e com maior conhecimento ajuda no atendimento”, afirma o clínico Aloísio do Nascimento. Afinal, o paciente já tem uma noção da doença e do tratamento. Entretanto, segundo ele, se o paciente não entende que a prescrição é individual e que a manifestação da doença e o tratamento são personalizados, o médico tem muito mais trabalho. “Você precisa ver até que ponto a ansiedade e a pesquisa do paciente, na internet, podem ajudar ou não”, relata.  

Do outro lado do balcão  Nem só os pacientes se valem de blogs, sites e redes sociais. Também muitos profissionais da saúde lançam mão desses meios. Certos médicos, por exemplo, têm perfil no Orkut, interagem nessas comunidades e postam comentários. Outros mantêm blogs e sites onde comentam a profissão. De acordo com o presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, João Batista Soares, não há, no Código de Ética Médica, menção a redes sociais ou à internet. Entretanto, o artigo 114 do capítulo que trata da publicidade médica no documento afirma que é vedado ao médico “consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa”.

Segundo o código, é também proibido ao profissional da saúde divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou que diga respeito a conteúdo inverídico. A participação do médico em qualquer meio de divulgação de massa se dá apenas em caráter de esclarecimento e educação da sociedade. Em resumo, ele pode apenas oferecer noções de saúde pública.

O próprio Ministério da Saúde possui perfis em redes sociais – Facebook, Twitter, YouTube e Orkut – com essa finalidade. Em um dos tópicos de discussão da comunidade Amizade Positiva e HIV – Brasil, por exemplo, os integrantes do grupo tratavam da possibilidade da interferência do álcool nos tratamentos, quando o Ministério postou o seguinte comentário: “Cada tratamento tem uma maneira de ser seguido, e isso vai depender do caso de cada paciente. Vale lembrar que o consumo excessivo de bebidas alcoólicas deve ser evitado, pois apesar de não suspender a eficácia do medicamento, o álcool pode agredir o fígado e aumentar os efeitos colaterais de alguns medicamentos antirretrovirais. Ande sempre com os seus remédios, mesmo que tenha ingerido álcool, mas ainda assim, não abuse”. No perfil do Ministério, pessoas podem fazer perguntas e tirar dúvidas sobre os mais diversos assuntos, como a vacinação contra a Influenza A.

Ainda de acordo com o Código de Ética, o médico não pode, por exemplo, divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente. André Murad ressalta que tal problema é realmente grave. Muitos pacientes encontram no Google informações sobre uma nova terapia e chegam ao consultório com o desejo de ter acesso àquele tratamento, que, na maioria das vezes, ainda está em fase de testes. 

Stéphanie Bollmann