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Nº 18 - Ano 9 - 05.08.2010

Web e redes sociais

Redes sociais, mudanças na mídia e no jornalismo

O advento da internet marcou o início do fim do jornalismo, tal qual se conhece desde o século 19. Mais especificamente, no seu formato empresarial. A designação do jornalismo como o quarto poder explicava bem seu papel. Na democracia representativa há os três poderes constitucionais: Executivo, Legislativo e Judiciário. A imprensa, em tese, deveria representar a chamada sociedade civil, defendendo-a contra os abusos dos demais poderes e refletindo o pensamento médio da opinião pública – muito mais volátil do que os conceitos consolidados nos demais poderes.

Ao longo da História, esse sistema de pesos e contrapesos – que caracteriza a democracia representativa – acabou sofrendo desvirtuamentos. As ditaduras consagraram a preponderância do Executivo. Impeachments de presidentes – Fernando Collor, no Brasil, Carlos Andrés Perez, na Venezuela – demonstraram o desbalanceamento em favor do Legislativo e do Judiciário.

No caso brasileiro, o pacto político que passou a vigorar após a redemocratização tinha como uma das pernas principais a chamada mídia de opinião

Em todos esses períodos, a mídia ficou fora do foco de análise sobre a extrapolação dos poderes, embora, em quase todos os casos, estivesse ao lado dos poderes hegemônicos. Em democracias avançadas, há limites para sua atuação, dados pelo Judiciário ou mesmo pelo Legislativo. Na América Latina, durante algum tempo a mídia se converteu em um poder sem limites. Foi aliada de sucessivos golpes de Estado ao longo dos anos 70 e 80. Foi assim, também, no período de redemocratização e de consolidação do chamado “neoliberalismo”, quando foi peça essencial na deposição de presidentes da República, do Senado e da Câmara.

No caso brasileiro, o pacto político que passou a vigorar após a redemocratização tinha como uma das pernas principais a chamada mídia de opinião – o conjunto de três ou quatro jornais do circuito Rio-São Paulo – mais algumas emissoras de televisão e revistas. E o parceiro preferencial foi o PSDB paulista, especialmente o grupo que se uniu em torno de Fernando Henrique Cardoso. O auge desse poder se deu em meados dos anos 90, com o impeachment de Collor e, depois, com a consagração do chamado “neoliberalismo”.

Devido a um conjunto de distorções institucionais brasileiras, o país não dispõe de partidos políticos programáticos nem de think tanks consistentes. A própria universidade não se transformou em fonte disseminadora de ideias e conceitos. Assim, toda a pauta política brasileira se dava através desse sistema genericamente denominado de jornalismo de opinião. Só virava fato político o que merecia manchete. Criou-se, assim, uma enorme legião dos sem-mídia no país, desde movimentos sociais até organizações industriais, agronegócios, educação etc. O único setor a merecer acompanhamento positivo permanente foi o financeiro.

Mais que isso. Em todos os países avançados, convivem várias formas de jornalismo: o sensacionalista, o partidário, o regional e o de opinião. O de opinião cobre temas nacionais. Por definição, precisa ser sóbrio, rigoroso nas informações e seletivo na escolha dos temas de cobertura. Por aqui, após a campanha do impeachment os veículos se empenharam em uma luta suicida por tiragem e audiência. Na imprensa escrita, ela resultou na descaracterização do jornalismo de opinião, que passou a disputar espaço com o jornalismo sensacionalista. Esse fenômeno é nítido em torno dos escândalos explorados ao longo dos anos 90 – desde a Escola Base até tentativas de derrubada de sucessivos presidentes (de FHC a Lula). Nos últimos anos, a deterioração ficou nítida, com o jornalismo praticado pela revista Veja, que acabou levando a reboque a Folha de S. Paulo e o jornal O Globo.

Gradativamente, a falta de discernimento e o uso reiterado de escândalos passaram a ser utilizados com propósitos ou políticos ou de negócios – o caso Satiagraha e o envolvimento da velha mídia com Daniel Dantas são exemplos maiúsculos dessa deterioração. O que motivou essa guinada foi a percepção de que o velho jornalismo estava com os dias contados e em breve haveria a concorrência das novas mídias, com a confluência de entretenimento e notícia, tendo como competidores gigantes da telefonia e grandes grupos internacionais de mídia.

A partir de 2005 fechou-se um pacto entre a velha mídia – basicamente Abril, Globo, Folha e Estadão – visando criar uma frente única, um cartel que lhes permitisse, em um primeiro momento, derrubar o presidente eleito. Em um segundo momento, valer-se da reconquista do velho espaço político para inibir a entrada de concorrentes no mercado brasileiro. Recorreu-se a todo tipo de jogada, da escandalização de fatos irrelevantes a dossiês falsos, do assassinato de reputação ao expurgo de jornalistas que não quisessem entrar nesse esquema.

A velha mídia foi derrotada em 2006 e provavelmente será derrotada em 2010. Mas esse movimento de deterioração da qualidade jornalística acelerou o aparecimento de novos atores no mercado de opinião. Nos últimos dois anos, cresce não apenas o jornalismo on-line praticado por diversos portais, mas especialmente o poder dos blogs, atuando como contrapeso à influência da mídia.

Na internet, as redes sociais estão participando ativamente da construção do conhecimento, sendo agentes ativos do processo. Com isso, muda totalmente a forma de fazer jornalismo.

Mas o principal fenômeno é o crescimento das redes sociais e o aparecimento de uma nova opinião pública, muito mais influente que a que se expressava através dos jornais, porque fundamentalmente interativa. Os jornais se outorgaram o papel de porta-vozes de um determinado tipo de opinião pública. Mas sua representatividade era apurada apenas por pesquisas de opinião entre leitores e seus índices de vendagem.

Na internet, as redes sociais estão participando ativamente da construção do conhecimento, sendo agentes ativos do processo. Com isso, muda totalmente a forma de fazer jornalismo. No convencional, o repórter sai com uma pauta, entrevista uma ou duas pessoas, levanta alguns temas, seleciona aqueles que considera relevante, joga os demais fora, sem controle de espécie alguma. A não ser quando há reclamações explícitas das fontes, não é possível saber que informações ele dispunha e quais seus critérios de valoração dos temas.

Além disso, antes do advento da internet, o modelo convencional de jornalismo tinha uma vantagem sobre seus leitores. Cada leitor podia saber mais do que aquilo que saiu em uma ou outra reportagem. Mas o jornal sabia mais que cada leitor individualmente.

Explico. Um leitor médico lia uma reportagem sobre tema que dominava e identificava uma relação de impropriedades. Mas os jornais divulgavam outros 20 temas, sobre os quais ele não tinha conhecimento. E suas críticas à reportagem ficavam restritas ao círculo próximo de conhecidos. Com a internet, o jogo muda. Se se colocarem 20 temas de jornais nos blogs, para cada um haverá vários comentaristas dominando o assunto muito mais do que o jornalista que escreveu. E suas observações são destacadas no blog e disseminadas por outros blogs, fazendo que o conjunto de leitores passe a ter muito mais informações do que a redação do jornal.

Com esse movimento, muda tudo: a política, a política econômica, os movimentos de opinião pública. Hoje em dia, a política de juros do Banco Central, por exemplo, depende de alguns economistas que sopram informações parciais para alguns jornais, que as transformam em manchetes. O movimento influencia outros economistas, proporcionando ao BC o álibi para aumentar os juros.

Quando o movimento da internet estiver consolidado, todos os demais setores – hoje não ouvidos pela imprensa – irão se manifestar, permitindo o equilíbrio do poder informativo. Do mesmo modo, praticamente acabou o poder  dos jornais para derrubar presidentes da República, do Senado, do Congresso, eleger ou derrotar políticos.

Esse movimento ocorre em um momento em que o desenvolvimento brasileiro se interioriza, as conferências nacionais criam uma nova geração de sociedade civil e grupos sociais e regionais começam a emergir.

O novo país será construído sob os holofotes da nova mídia. 

Luis Nassif Jornalista formado pela USP. Diretor- superintendente da Agência Dinheiro Vivo e titul