Desmatamento e impunidade: duas faces da mesma moeda
Em nota técnica, pesquisadores da UFMG descrevem o desmonte da estrutura de fiscalização ambiental e analisam suas consequências
![Arquivo | Agência Brasil Segundo pesquisadores, aumento do desmatamento na Amazônia Legal teve início em 2012.](https://ufmg.br/thumbor/I5kGxS09sOjnNBFrJG_274rqfiE=/121x0:1173x703/712x474/https://ufmg.br/storage/b/0/7/3/b073b41a67118b993942befb105c7422_16255939923209_838423312.jpeg)
Por que a impunidade pelos crimes ambientais vem crescendo no Brasil nos últimos anos? Uma resposta minuciosa a essa pergunta pode ser encontrada no policy brief Dicotomia da impunidade do desmatamento ilegal, espécie de nota técnica que objetiva dar informações capazes de subsidiar a elaboração de políticas públicas.
Assinado por Britaldo Soares-Filho, Raoni Rajão, Jair Schmitt e Felipe Nunes, pesquisadores do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) e do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (Lagesa), ambos da UFMG, o documento analisa as políticas e ações desenvolvidas durante anos e alerta para o desmonte atual dos órgãos de fiscalização e a crescente impunidade por crimes ambientais no país.
Entre os fatores que contribuíram para a impunidade pelo desmatamento ilegal, os pesquisadores citam o Novo Código Florestal, de 2012, que suspendeu parte dos 28 mil autos de infração que eram aplicados por danos cometidos contra o meio ambiente até 2008. Além disso, o Novo Código também cancelou as multas aplicadas aos produtores rurais, no caso de regularização num prazo de até 20 anos.
“Estamos colhendo os frutos dessa e de outras mudanças nas legislações. elas têm contribuído para o aumento do desmate e fortaleceram as pessoas que acreditam que podem desmatar, uma vez que passaram a perceber que sairão impunes”, explica o professor Raoni Rajão, do Departamento de Engenharia de Produção da Escola de Engenharia da UFMG.
Rajão explica que, antes da mudança do Código Florestal, a atuação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi fundamental para garantir a punição dos crimes ambientais, reduzindo o desmatamento na Amazônia Legal. Porém, com a crise política, que resultou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e na eleição do presidente Jair Bolsonaro, a situação piorou. Entre 2019 e 2020, reduziu-se em 43,5% a média de autos de infração contra a flora lavrados na Amazônia Legal em relação ao período de 2012 a 2018. Nesse intervalo, foram lavrados, em média, 4.620 autos anuais, frente aos 2.610 no biênio 2019-2020, apesar da elevação das taxas de desmatamento na região.
Menor responsabilização e morosidade
Segundo o policy brief, os órgãos de fiscalização também diminuíram a capacidade de responsabilizar os infratores. Além da unificação dos procedimentos de apuração das infrações, que antes eram feitos separadamente pelo Ibama e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e da criação da conciliação ambiental, o processo de julgamento voltou a se concentrar nas superintendências estaduais e nos presidentes dos dois órgãos. Isso tornou o processo mais moroso e favoreceu o surgimento de conflitos de interesses, uma vez que as superintendências são ocupadas por meio de indicação política.
Assim, enquanto entre 2014 e 2018 eram julgados anualmente cinco mil processos, em média, em 2019 foram julgados 113 e, em 2020, apenas 17. De forma similar, o número de multas pagas caiu de 688, em média, de 2014 a 2018, para 73 multas pagas em 2019 e apenas 13, em 2020. Como consequência, 2020 foi o primeiro ano em que o número de desembargos superou o de embargos, demonstrando que a atuação do Ibama que favorece economicamente os produtores rurais foi intensificada.
Outro fator que reduz a capacidade de responsabilização pelos danos ambientais é a falta de analistas no Ibama. O órgão não realiza concursos desde 2012 e registrou, em 2020, déficit de 2.311 cargos no corpo de funcionários, sendo 970 de analista ambiental, 336 de analista administrativo e 1.005 de técnico administrativo, todos da carreira de especialista em meio ambiente.
![Foca Lisboa/UFMG Raoni: tendência de retomada do desmatamento](https://ufmg.br/thumbor/rZaPgbk4H3pt-hUurgCZNtZ73xY=/180x6:2451x3484/352x540/https://ufmg.br/storage/d/7/b/d/d7bd14f3eb7e5a025db971b2f80c504f_15333019959109_1058524215.jpg)
De acordo com Rajão, os números compilados no policy brief mostram uma realidade que precisa mudar. “O judiciário tem papel importante para barrar o desmatamento e a impunidade ao bloquear tentativas de alterações em normas, como ocorreu quando vetou a retirada das proteções especiais dos manguezais. A sociedade civil, da qual nós pesquisadores fazemos parte, também pode contribuir documentando, estudando e denunciando os problemas. A sociedade precisa saber quem são os responsáveis pelo desmatamento, quem cria as normas e quem as fiscaliza. Só assim poderemos reverter esse quadro no futuro”, conclui.
Policy brief: Dicotomia da impunidade do desmatamento ilegal
Autores: Britaldo Soares-Filho, Raoni Rajão, Jair Schmitt e Felipe Nunes