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‘Educação não é instrumento de ganho individual, mas valor social’, diz Fernando Haddad

Fernando Haddad em conferência em Montes Claros
Fernando Haddad em conferência em Montes Claros Marcílio Lana / UFMG

A concepção de que a educação é apenas “uma forma de aumentar a possibilidade de ganho individual” é equivocada, na avaliação do ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, durante a conferência de abertura da SBPC Educação, no Instituto de Ciências Agrárias (ICA) da UFMG, em Montes Claros.

"Infelizmente, pouca gente entende a educação como valor social", disse o professor, ao defender a substituição dessa "visão instrumental" por uma reflexão sobre causa e ideal que leve em conta o quanto o indivíduo, "por meio da educação, pode contribuir para a sociedade – e não o quanto ele pode ganhar para si”.

O ex-ministro destacou que a atual crise política e econômica deixa a sociedade debilitada e a obriga a reagir. “O que foi feito no Brasil ao longo das últimas décadas não pode ser posto em risco por um governo ilegítimo, que não tem projeto para o país”, provocou. Segundo Haddad, nunca foi tão necessário resgatar a centralidade da educação como recurso para superar os desafios. A SBPC Educação, em sua visão, “deve vir a público demonstrar resiliência para que as coisas voltem para o rumo”.

Como exemplo dos bons resultados obtidos pelas políticas afirmativas implementadas no país, especialmente ao longo da última década, Haddad mencionou o desempenho acadêmico dos beneficiários do Prouni, do Fies e da política de cotas em universidades. “Esses formandos tiveram desempenho superior ao dos demais. Isso significa dizer que estamos selecionando melhor, e a universidade cumpriu o seu dever”, disse.

Haddad destacou também que a mudança provocada no perfil dos profissionais representa o ingresso de novos olhares para o mercado de trabalho. “Um engenheiro de origem humilde tende a ter boas ideias para construção de moradias populares, arquitetos oriundos da periferia saberão tornar suas comunidades mais confortáveis, e um psicólogo de família pobre estará mais apto a lidar com os distúrbios comuns a essa parcela da sociedade”, exemplificou.

Educação sistêmica
O conferencista alertou para o fato de que, em virtude das campanhas eleitorais de 2018, a tendência é que candidatos de todos os partidos usem a bandeira da educação para pedir votos. Diante desse cenário que se projeta, é indispensável o questionamento sobre a concepção de educação de cada força política.

Haddad explicou que as políticas públicas em vigor nos governos de Lula e Dilma privilegiaram o conceito de "educação sistêmica", segundo o qual o ciclo educacional não pode ser segmentado. “É preciso haver uma coerência interna. Não se pode dizer que precisamos mais da educação superior do que da básica. Precisamos de doutores, mestres, graduados, licenciados em educação infantil e também de estímulo à cidadania, de famílias estruturadas, pais alfabetizados, conscientes e capazes de transmitir bons valores aos filhos”.

O ex-ministro afirma que o atual governo ancora-se na filosofia de que “a educação precisa ser dada na exata medida, sem nenhum desperdício, segundo o que consideram o conceito de eficiência”. “Querem engessar a estrutura segmentada entre intelectuais e trabalhadores simples. Para os primeiros, um pouco mais de educação. Já as camadas mais simples não fazem jus a mais do que o necessário para se manterem. Seus direitos e sonhos não valem nada”, criticou.

De acordo com o ex-ministro, a elite que hoje está no poder considera a educação uma despesa, quando deveria tratá-la como investimento. “Por isso, submeteram-na à PEC 95, que impõe o teto de gastos por 20 anos”.

Resistir é preciso
Para o reitor Jaime Ramirez o evento representa a oportunidade de refletir sobre o futuro de todas as escolas públicas e gratuitas do país. “É um chamado a todos nós para repercutir a relação entre ciência, sociedade e formação de recursos humanos. São inquietantes os desafios que nos aguardam no caminho de defender nossas instituições e atuar na construção do país. A UFMG nunca deixará de resistir”, disse o reitor, destacando o orgulho por ser natural de Montes Claros, cidade que sedia o evento.

Jaime Ramírez: universidade deve resistir
Jaime Ramírez: universidade deve resistir Marcílio Lana / UFMG

A pró-reitora de Extensão, Benigna Maria de Oliveira, também externou sua emoção por estar em Montes Claros, onde “as pessoas, apesar das dificuldades, têm feito um trabalho maravilhoso na educação. É um importante exemplo de resistência diante de tantos retrocessos a que temos assistido no Brasil”, salientou.

A percepção de que o financiamento público deve garantir direitos humanos e educação foi o ponto central do pronunciamento da secretária de Estado de Educação de Minas Gerais, Macaé Maria Evaristo dos Santos. “A SBPC está sendo realizada em um momento em que não podemos nos furtar a desenvolver ação política. Isso significa que devemos nos posicionar contra o desmonte da educação pública”. Para Macaé, nas eleições de 2018, os eleitores devem optar por candidatos que se comprometam a derrubar a PEC 95.

A vice-presidente da SBPC, Vanderlan da Silva Bolzani, frisou que o Brasil, em algumas áreas, como as energias renováveis, está no mesmo patamar das grandes potências mundiais. No entanto, os alicerces do que foi construído até o momento estão abalados. “Só o conhecimento é capaz de tirar a sociedade da apatia e da desesperança. Aqui estão profissionais que podem mudar o destino da nação.

É preciso pegar pelas mãos as crianças e mostrar que, por meio da educação, elas vão descobrir os segredos do mundo e se tornar profissionais éticos e felizes”.

Conferência reuniu lideranças da educação mineira
Conferência reuniu lideranças da educação mineira Marcílio Lana / UFMG