Filosofia está madura no Brasil para ter nome de referência, defende Ivan Domingues
Em novo livro, professor da Fafich conta história do campo no país e lista perfis de filósofos ao longo do tempo
Nos últimos quase 50 anos, a filosofia ganhou mais autonomia e uma legião de leitores e estudiosos no Brasil, mas, segundo o professor Ivan Domingues, da Fafich, ainda não tem cara de filosofia brasileira, segue o modelo que se poderia chamar de americano, taylorizado, de muitos artigos e poucas obras de maior fôlego, para ficar apenas num aspecto. Em seu novo livro, Filosofia no Brasil: legados e perspectivas – ensaios metafilosóficos, depois de resgatar, de um modo particular, o longo percurso desse campo de pensamento no país, ele questiona: poderemos ter aqui, um dia, uma filosofia brasileira de alcance global? A resposta vem como outra pergunta: por que não?
“Em filosofia, mensagens otimistas são geralmente tachadas de ingênuas. Mas assim como os americanos, no século 19, decretaram que tinham uma escola própria – o Pragmatismo –, é possível imaginar que possa acontecer no Brasil algo parecido, nos moldes do que tivemos, em outras áreas, com Machado de Assis, Tom Jobim, Paulo Freire”, afirmou o professor à reportagem do Boletim UFMG.
Domingues enfatiza que a obra, resultado de sete anos de dedicação, cruza dois caminhos incomuns: a metafilosofia – que trata de modelos de racionalidade e da questão da originalidade da filosofia, entre outros temas – e a história intelectual. A análise remonta à presença dos primeiros jesuítas no Brasil colônia. “A filosofia (2ª Escolástica) chegou ao Brasil transplantada de Portugal e durante cerca de 200 anos, até meados do século 18, foi ensinada em oito colégios, quase todos na costa.”
O vazio deixado pela expulsão dos jesuítas foi preenchido, no século 19, pelo pensamento vinculado ao direito. Esse modelo teve sede no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, e na Escola de Direito do Recife. Nas primeiras décadas do século passado, a Universidade de São Paulo (USP) passou a abrigar a chamada Missão Francesa, que implantou uma filosofia mais profissional, apoiada no virtuosismo e na cultura filosófica e histórica da pátria de Descartes. “Nos anos 1970, coincidindo com a implantação do sistema nacional de pós-graduação, a escola francesa passa a dividir espaço com o especialista americanizado, terminando por se fundir com ele”, diz Ivan Domingues, que coordena, na UFMG, o Núcleo de Estudos do Pensamento Contemporâneo (NEPC).
De acordo com o pesquisador, a filosofia atual está presa ao produtivismo acadêmico e muito dedicada a problemas técnicos, o que pode significar o fim do pensamento. “Padece de certo raquitismo, não pensa os grandes problemas. Mas a carência de nomes importantes não é brasileira, apenas. Depois de Foucault e Sartre, não surgiram novidades tampouco em outros lugares”, afirma Domingues.
Cinco tipos
Na parte de Filosofia no Brasil em que aborda a história da intelectualidade filosófica, o autor recorre a Max Weber e seu método dos tipos ideais, baseado na lógica e na história. Ivan Domingues criou cinco modelos intelectuais que viveram as “experiências do filosofar”, como mestres ou profissionais. O “intelectual orgânico da Igreja” atuou nos seminários jesuítas e foi encarnado, entre outros, por Francisco de Faria, por exemplo, que ensinava no Rio de Janeiro. O “autodidata diletante estrangeirado” é representado pelos bacharéis do século 19. “Tobias Barreto, que elaborou com consciência as heranças do direito, e Farias Brito são dois nomes desse bacharelismo filosófico”, menciona.
O terceiro tipo fixado por Domingues se divide em dois: o scholar, com origem na Missão Francesa – personificado por Jean Maugüé, que formou uspianos como Cruz Costa e José Artur Gianotti –, e o expert americanizado das ciências duras. O “filósofo intelectual público”, por sua vez, é o que se faz ouvir fora dos muros das universidades. O autor lembra de Marilena Chauí, entre outros, mas faz homenagem especial ao Padre Henrique Claudio Lima Vaz, que foi seu professor e mentor da Juventude Universitária Católica e da Ação Popular.
O quinto e último modelo é o “intelectual cosmopolita globalizado”. “Aqui, especulo sobre o tipo ideal, o intelectual por excelência, capaz de fazer a filosofia original. Ele não existe ainda no Brasil”, completa Ivan Domingues.
Livro: Filosofia no Brasil: legados e perspectivas – ensaios metafilosóficos
De Ivan Domingues
Editora Unesp
561 páginas / R$ 89