Pesquisa e Inovação

Grupo da UFMG demonstra que nervos sensoriais afetam a progressão do câncer

Resultados podem abrir portas para tratamentos focados no microambiente tumoral; artigo sobre o estudo foi publicado nesta terça

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Nervos sensoriais infiltrando o microambiente do melanoma (imagem no alto); animais com inervação intacta nos quais é possível identificar vasos sanguíneos (abaixo, ao centro); nervos retirados antes da inoculação das células tumorais geraram tumores maiores (imagem acima à esquerda); nervos retirados após a inoculação das células geraram tumores menores do que o controle (imagem acima, à direita)Birbrair Lab

Nervos sensoriais podem exercer papel fundamental no comportamento de tumores e ser alvo de futuros tratamentos para bloquear a progressão do câncer. É o que demonstra pesquisa que comprovou que o sistema nervoso afeta o crescimento de células malignas do melanoma. O estudo, realizado na UFMG com colaboradores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Universidade de São Paulo (USP) e da Columbia University de Nova York, foi descrito em artigo publicado nesta terça, 21 de julho, no Journal of Cellular and Molecular Medicine. O grupo parte agora para análises de outros tipos de câncer e dos mecanismos celulares e moleculares envolvidos na regulação neural dos tumores.

As tão temidas células cancerosas, que sofrem transformações no material genético e se dividem descontroladamente, destruindo as células normais ao redor, foram, por muito tempo, o único alvo das terapias contra a doença. Contudo, hoje já se sabe que sua proliferação pode ser alterada pelo ambiente onde estão localizadas no organismo, e por isso tem-se olhado cada vez mais para os outros componentes envolvidos no espectro da doença. Um deles, cujo papel na progressão tumoral ainda não foi totalmente esclarecido, é o sistema nervoso, que reconhecidamente contribui para o crescimento e manutenção de numerosos tecidos.

Com financiamento do Instituto Serrapilheira e apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), o grupo de pesquisadores, liderado pelo biomédico Alexander Birbrair, do Departamento de Patologia do ICB, decidiu investigar como as fibras de nervos sensoriais afetam o comportamento do melanoma. Para examinar a função dessas inervações no microambiente tumoral, eles avaliaram o efeito de denervações, ou seja, eliminações genéticas e farmacológicas dos nervos.

Os resultados da pesquisa até agora são animadores: os especialistas conseguiram demonstrar que os nervos sensoriais se infiltram nos tumores e afetam o crescimento das células malignas. “Isso abre as portas para um tratamento que agiria justamente no papel desses nervos no microambiente tumoral. Imagine controlar um tumor de dentro dele de forma que ele promova a própria extinção. Descobrimos que os nervos sensoriais podem bloquear a progressão do melanoma, impedindo seu crescimento”, afirma Birbrair. “Desvendando mecanismos de controle dos tumores, esperamos, com alguma sorte, encontrar uma forma de tratar o câncer de maneira mais eficaz e específica, com mínimos efeitos colaterais”, complementa o professor da UFMG.

Equipe de pesquisadores envolvida no estudo
Equipe envolvida no estudo liderada pelo professor Alexander Birbrair (primeira fileira, ao centro)Acervo Alexander Birbrair

Análises em modelos animais e humanos
Os pesquisadores fizeram transplantes de células de câncer em camundongos transgênicos, que tinham nervos sensoriais demarcados com fluorescência vermelha. Dessa forma, foi possível detectar a presença das fibras do sistema nervoso no microambiente tumoral. Em seguida, o grupo avaliou o desenvolvimento dos tumores em animais sem nervos sensoriais, acompanhando a progressão do câncer por um período longo. Isso levou os autores à descoberta de modificações no comportamento dos tumores na ausência das projeções sensoriais, como aumento da vascularização e do tamanho dos tumores.

A eliminação por denervação farmacológica dos nervos sensoriais foi feita com o uso do composto Resiniferatoxina (RTX), que causa perda da função sensorial e elimina a sensibilidade dos camundongos a certos estímulos. “Com esse tratamento, buscamos estabelecer uma relação entre o momento em que causamos a denervação e o desenvolvimento do tumor”, esclarece Birbrair.

Um problema encontrado ao realizar esse experimento é que o próprio RTX pode ser tóxico para as células de câncer. "Então, ao tratarmos os animais com o composto após a injeção das células, podemos estar observando uma toxicidade do próprio RTX nas células de câncer e não somente sua ação nos nervos sensoriais”, ressalta o pesquisador.

Para contornar o problema, também foram utilizados animais com nervos eliminados de forma genética e específica, assim como espécimes submetidos à denervação com RTX antes do transplante das células cancerosas. Posteriormente, os tumores resultantes de todas as variáveis do experimento foram removidos para exames.

A pesquisa incluiu ainda a análise de genes em bancos de dados das amostras de biópsias de câncer de humanos com melanoma. Essa etapa revelou que o aumento da expressão de genes presentes em nervos sensoriais nos tumores foi associado a melhores resultados clínicos nesses pacientes.

Neutralização do crescimento tumoral
Se, por um lado, o estudo com camundongos tratados pós-implantação sugeriu a inibição do crescimento tumoral, o caso dos indivíduos com fibras específicas do sistema nervoso previamente eliminadas possibilitou análises mais aprofundadas sobre o papel dos nervos no microambiente do melanoma in vivo. Como o crescimento in vivo das células tumorais foi acelerado após a eliminação genética e farmacológica desses nervos, o estudo indica que nervos sensoriais neutralizam a progressão do melanoma.

“Ainda não sabemos se uma droga ou outra forma de modular as inervações sensoriais poderiam ser utilizadas como terapia em humanos. Estamos desenvolvendo alguns projetos para entender melhor os mecanismos envolvidos na regulação do crescimento tumoral pelos nervos sensoriais. Talvez possamos desenvolver métodos pouco invasivos e mais efetivos de modular especificamente essas inervações, mas ainda estamos no começo dessa longa caminhada”, admite Birbrair.

Apesar de iniciais, as descobertas trazem contribuições que podem se tornar relevantes para o tratamento dos diversos tipos de câncer. “Sabemos que vários tratamentos quimioterápicos, que são muito tóxicos, podem, além de matar as células malignas, afetar os nervos sensoriais. Se esses tratamentos estão matando os nervos sensoriais, isso pode indicar uma piora clínica dos pacientes”, projeta o docente do Departamento de Patologia do ICB.

Desdobramentos
Com base nos resultados expostos no artigo do Journal of Cellular and Molecular Medicine, os pesquisadores já esboçam desdobramentos para os estudos. “Essa pesquisa está muito ativa em nosso laboratório. Recentemente, foi renovado o apoio financeiro do Instituto Serrapilheira, o que nos ajudará a melhorar a infraestrutura do laboratório com equipamentos, reagentes e modelos experimentais”, destaca Birbrair.

Com ferramentas mais modernas, o grupo buscará estabelecer melhor a cronologia da importância dos nervos sensoriais em diferentes estágios da progressão tumoral. Além disso, os pesquisadores estão investigando mais detalhadamente os mecanismos celulares e moleculares que atuam na regulação dos tumores pelo sistema nervoso.

“Vamos avaliar também como a hiperativação desses nervos pode influenciar no crescimento do melanoma e pretendemos fazer essa análise com outros tipos de câncer, como o de próstata e o de mama. Queremos ainda avaliar como outros componentes do microambiente tumoral interagem com os nervos sensoriais, incluindo células-tronco dentro do câncer, que podem ser afetadas pela ausência da inervação, além de outras interações que essas inervações podem estabelecer dentro dos tumores”, projeta Alexander Birbrair.

Artigo: Ablation of sensory nerves favours melanoma progression
Autores: Pedro H.D.M. Prazeres, Caroline Leonel, Walison N. Silva, Beatriz G.S. Rocha, Gabryella S.P. Santos, Alinne C. Costa, Caroline C. Picoli, Isadora F.G. Sena, William A. Gonçalves, Mariana S. Vieira, Pedro A.C. Costa, Leda M.C.C. Campos, Miriam T. Paz, Marcos R. Costa, Rodrigo R. Resende, Thiago M. Cunha, Akiva Mintz e Alexander Birbrair
Publicação: Journal of Cellular and Molecular Medicine, em 21 julho de 2020

Luíza França