Livro sobre circulação do marfim africano no Brasil ganha versão digital
De acesso gratuito, obra integra série do Centro de Estudos Africanos da UFMG
Desde 2013, como parte de acordo de cooperação, pesquisadores da UFMG e de universidades portuguesas investigam aspectos da produção e da circulação do marfim africano no mundo atlântico. Material muito resistente, obtido das presas dos elefantes africanos, o marfim tem alto valor comercial e foi matéria-prima para a confecção de vários objetos.
Para compartilhar os resultados e avanços dessa pesquisa, o Centro de Estudos Africanos da UFMG (CEA) publicou versão digital gratuita do livro O comércio de marfim no mundo atlântico: circulação e produção (século XV ao XIX). A obra foi organizada pelos professores Vanicléia Silva Santos e Eduardo França Paiva, do Departamento de História, e René Lommez Gomes, do Departamento de Teoria e Gestão da Informação, da Escola de Ciência da Informação. O livro integra a Série de Estudos Africanos, publicada pelo CEA.
A obra descreve o trajeto que o marfim (na forma in natura e como objetos esculpidos) fez para chegar até o Brasil. Também oferece informações acerca de como os objetos feitos desse material foram produzidos, admirados e consumidos naquela época. Os dados e fontes foram levantados pela equipe de pesquisa do Brasil e de Portugal, no âmbito do projeto Marfim africano no mundo atlântico, uma reavaliação do marfim luso-africano.
Brasil no circuito
“Identificamos nomes de vários comerciantes do Rio de Janeiro, comprovando que o Brasil fez parte do circuito de comércio de marfim in natura do século 17 ao 19. Também foram identificados artistas que esculpiam marfim no Recife e indícios da existência de oficinas em São João del Rei, Rio de Janeiro e Belém.”
Após exaustivo inventário de objetos de marfim, os pesquisadores afirmam que, em Minas Gerais, no período colonial, circulavam, sobretudo, peças devocionais católicas, como crucifixos e imagens sacras, e utilitárias, como pentes, leques, bengalas, espátulas para abrir envelopes e placas em que eram reproduzidas pinturas, especialmente retratos.
Os textos revelam também que o marfim africano bruto chegava aos portos do Brasil oriundo das costas centro-ocidental e leste africanas, e não somente da Índia, como registra a historiografia tradicional. Além disso, a equipe está revendo a história dos usos dos marfins pelos próprios africanos da costa oeste a partir de uma perspectiva local.
“Encontramos indícios de produção e usos locais de objetos de marfim pelos povos da Senegâmbia, o que contraria a tese de que os africanos teriam confeccionado saleiros para atender apenas a uma demanda externa. Notamos também que os povos Cassanga, Lirigo e Beafada produziam seus próprios instrumentos musicais em marfim”, explica Vanicléia Santos.
Em abril deste ano, na ocasião do lançamento da edição física do livro, que já está esgotada, a professora Vanicléia Santos falou sobre a pesquisa e o circuito do marfim. Ouça a entrevista concedida a Luisa Glória, no programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa:
Mundo Atlântico
Segundo Vanicléia, o campo da História Atlântica tem sido fundamental para estabelecer novas bases historiográficas, pois inclui os africanos e os indígenas como personagens importantes nas narrativas. Os estudos sobre o mundo atlântico visam romper com a visão hegemônica do discurso eurocêntrico acerca das sociedades construídas na região do Atlântico.
A História Atlântica destaca as trocas culturais e comerciais, o trânsito de pessoas e de objetos e a contribuição dos africanos para a construção das sociedades. “Mesmo em contexto de escravidão, os africanos desempenharam papel importante na consolidação das sociedades que se formaram a partir de sua presença”, explica a professora.
O marfim, tanto in natura quanto já na forma de objetos, se insere nesse campo de estudo. “Foi mercadoria que circulou o mundo, e os africanos foram primordiais nesse contexto”, afirma Vanicléia Santos.
Parceria
O livro é o resultado de investigações desenvolvidas no âmbito do projeto de cooperação internacional Marfins africanos no mundo atlântico, uma reavaliação do marfim luso-africano pela UFMG e pelas universidades de Lisboa e de Évora, ambas de Portugal. A parceria surgiu em 2013, em conversas com o professor José da Silva Horta, do Departamento de História da África da Universidade de Lisboa, que participou do programa de cátedras do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG (Ieat).
“O professor José da Silva Horta já estudava a circulação dos objetos de marfim oriundos da África Ocidental que foram para Portugal. Então resolvemos pesquisar como se deu esse trânsito aqui no Brasil”, explica Vanicléia Santos, acrescentando que o projeto tem conseguido preencher lacunas historiográficas sobre o comércio, a produção, o uso, a posse e a tipologia dos marfins no Brasil e no mundo atlântico.
Em outubro de 2015, o Boletim UFMG, em sua edição 1.914, publicou matéria sobre os resultados preliminares desse estudo. Este é o segundo livro produzido pelo grupo de pesquisa, que no ano passado lançou O marfim no mundo moderno: comércio, circulação, fé e status social (séculos XV-XIX).
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