Institucional

Meninas devem ser educadas para ingressar no mundo da ciência

Igualdade de gênero e segurança alimentar foram abordadas em mais uma rodada de discussões sobre os ODS na Semana do Conhecimento

Professores da UFMG no penúltimo dia da programação da Semana do Conhecimento
Professores da UFMG na mesa que discutiu gênero na ciência e segurança alimentarRaphaella Dias | UFMG

Nesta quinta-feira, 28 de outubro, a mesa-redonda Desafios para o desenvolvimento sustentável discutiu a importância da participação de mulheres na ciência, igualdade de gênero e as medidas necessárias para alcançar a agricultura sustentável e a segurança alimentar. Os temas são cobertos por dois (2 e 5) Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Unesco. 

O diálogo, que foi mediado pela professora da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) Sibelle Cornélio Diniz, reuniu a professora Adla Betseida, da Faculdade de Educação (FaE), a pró-reitora de Extensão e professora do Departamento de Psicologia da UFMG, Claudia Mayorga, e o professor Helder dos Anjos Augusto, do Instituto de Ciências Agrárias (ICA). 

Devido à permanente exclusão de mulheres nas áreas científicas e tecnológicas, Betseida enfatizou a relevância de educar meninas. “O investimento, principalmente na ciência, traz benefícios para a economia e, consequentemente, para a força de trabalho qualificada. Também auxilia na geração de empregos, na estabilidade comunitária e no planejamento familiar”, afirma. 

A professora ressaltou que ainda são poucas as políticas destinadas à igualdade de gênero no âmbito científico. Mesmo sendo responsável por produzir grande parte das pesquisas – cerca de 70%, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) –, as mulheres enfrentam alguns obstáculos no meio acadêmico, sobretudo nas áreas das ciências, tecnologias, engenharias e matemática. “Nesses campos, a segregação de gênero ainda é visível, visto que há uma maioria na presença masculina. Além disso, as mulheres, que estão inseridas nesse contexto, são sub-representadas nos cargos de alta chefia e sofrem com os estereótipos de gêneros”, explicou.

Adla Betseida salientou que os desafios estão presentes tanto no ambiente institucional quanto no ambiente externo. “O primeiro desafio é, sem dúvida, a divisão desigual de trabalho doméstico. As mulheres permanecem sobrecarregadas com o cuidado de infantes, de idosos e aspectos da vida familiar”, afirma.  Ainda segundo a professora, esse fator está atrelado a outros problemas, como a baixa autoestima e treinamentos de liderança, já que as mulheres são constantemente desestimuladas a assumir posições que dificultam a conciliação do trabalho e das atividades domésticas.

Ela destacou que a melhoria na qualidade do ensino de base e a mudança na perspectiva social são fundamentais para reverter o quadro. "Empoderar crianças, principalmente meninas, é imprescindível para formar pessoas críticas. Ações educativas para a promoção da ciência e do pensamento científico assumem caráter relevante, pois, são as medidas da micropolítica que minam os pilares da macropolítica”, completou. 

Identidade visual da segunda edição do Congresso Mulheres na Ciência, realizada na UFMG em 2019 para discutir a participação feminina na produção do conhecimento
Identidade visual da segunda edição do Congresso Mulheres na Ciência, realizada na UFMG em 2019 para discutir a participação feminina na produção do conhecimento II Congresso Mulheres na Ciência

Indicador fundamental
Em sua abordagem, a pró-reitora de Extensão, Cláudia Mayorga, integrante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, destacou os desafios para estabelecer a igualdade de gênero. “A situação das mulheres no mundo é um indicador fundamental para refletir sobre o desenvolvimento sustentável, a democracia e a justiça social”, afirmou.

A professora ressaltou que as funções ocupadas historicamente por mulheres, embora não reconhecidas, são imprescindíveis para o bem-estar das sociedades. “As mulheres educam, estão vinculadas às políticas do cuidado e são responsáveis por ações e atividades básicas de preservação da vida”, explicou. 

No entanto, segundo Mayorga, elas são invisibilizadas, sobretudo nos contextos da periferia urbana e do campo. As experiências femininas, principalmente no Brasil e em outros lugares da América Latina – tendo em vista a cultura patriarcal, colonial e conservadora – oferecem contribuições significativas para a manutenção e reflexão do desenvolvimento sustentável. “É necessário colocar as lentes do gênero e da diversidade, enxergar na perspectiva e no olhar dessas pessoas, entender quem e como são essas mulheres”, assegurou.

A violência de gênero, notadamente a violência sexual, o feminicídio e o tráfico de pessoas, deve ser fortemente combatida. Mayorga afirmou que as medidas políticas precisam atuar não somente na esfera pública, mas também na esfera privada. “Os estudos feministas romperam as barreiras que colocavam a dimensão política relacionada apenas ao contexto da vida pública e das instituições”, enfatizou. 

Segundo a professora, o ambiente acadêmico contribui de diversas formas na educação para a igualdade de gênero e, por isso, tem papel fundamental. “As comunidades interna e externa precisam estar articuladas. As atividades ligadas à pesquisa, extensão e administração auxiliam nas demandas da agenda de gênero, uma vez que atuam em prol de políticas públicas e dialogam com diversos movimentos sociais”, concluiu.

Fome retorna à mesa do brasileiro

O professor Helder dos Anjos Augusto, do ICA, tratou dos desafios para alcançar a segurança alimentar. “A discussão sobre a fome envolve a garantia do acesso à alimentação de qualidade. Essa condição é imprescindível se desejamos um futuro mais justo e equilibrado para as populações”, afirmou. 

O pesquisador relembrou o marco histórico vivenciado pelo Brasil, quando a ONU removeu o país do Mapa da Fome, em 2014. Ele afirmou que programas sociais como o Bolsa Família (2003-2010) e o Brasil sem Miséria (2011-2014) foram caminhos de promoção do direito humano à alimentação adequada e saudável. 

Ainda de acordo com Helder, as garantias de alimentação, com base em políticas de apoio ao pequeno e médio agricultor, e ações associadas à formação de estoques, a fim de impedir o disparo dos preços, colaboraram para o alcance dos compromissos presentes nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Unesco.

No entanto, Helder Augusto lamentou que, após mais de uma década
de implementação, acompanhamento e aprimoramento de políticas públicas em prol da segurança alimentar, o Brasil vive um momento de regressão. “Nos últimos cinco anos, o país está avançando nos índices de miséria. Em 2020, a insegurança alimentar e a fome retornaram a patamares próximos aos de 2004”, disse.

Dados apresentados pelo professor Helder dos Anjos Augusto, que mostrou o aumento do índice de fome no país nos últimos cinco anos
Helder Augusto mostrou o crescimento dos índices de segurança alimentar nos últimos cinco anos Raphaella Dias | UFMG

O professor afirmou que o investimento maciço na agricultura sustentável é uma das possíveis soluções para o problema, uma vez que vai popularizar o avanço da produtividade do setor alimentício. “A democratização do uso da terra e o acesso das populações rurais a políticas que contribuam com o seu processo de produção são alternativas para combater o crescimento da fome”, refletiu.  

Ana Magalhães