Pesquisa e Inovação

Pesquisadora da ciência política investiga populismo de extrema-direita

Aline Burni: modernização ideológica dos partidos de extrema-direita
Aline Burni: modernização ideológica dos partidos de extrema-direita Foto: Arquivo pessoal

Posicionamentos polêmicos da extrema-direita como a oposição radical à imigração, na Europa e nos Estados Unidos, vêm conquistando votos não apenas do eleitorado conservador, o que tem forçado os partidos de esquerda a mudar estratégias. “Na França, por exemplo, a classe operária, que se identificava com a esquerda, está transferindo seu voto para a extrema-direita”, analisa Aline Burni, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFMG.

Atualmente em estágio doutoral financiado pelo Programa Capes/Fulbright, na Universidade de Nova York (EUA), Aline Burni quer compreender como esse fenômeno tem impactado os sistemas partidários e a agenda política dos países da Europa Ocidental.

Segundo ela, o acesso a pesquisas, publicações, metodologias e informações de ponta em um dos departamentos de Ciência Política mais qualificados dos EUA, sob a supervisão do prestigiado cientista político Adam Przeworski, tem sido fundamental para o desenvolvimento de sua tese de doutorado, orientada na UFMG pela professora Magna Inácio.

O estágio também deu a ela a oportunidade de assistir de perto ao processo que resultou na eleição de Donald Trump, recém-empossado na presidência do país. “Estou trabalhando um tema ainda pouco estudado no Brasil, o populismo de extrema-direita, especificamente na Europa, e que já focalizei no mestrado”, explica, acrescentando que a vitória de Trump também representa a tendência de movimentos e de partidos antiglobalização emergentes em vários países de democracia consolidada.

Oposição cultural
Aline Burni comenta que a progressão eleitoral nos últimos anos confirma a tendência de crescimento dos partidos de extrema-direita. Embora em alguns países os resultados eleitorais sejam instáveis – em um ano recebem grande votação, em outro a aceitação desses partidos volta a cair –, em geral, e na escala continental da Europa, eles estão crescendo, sobretudo a partir de 2001, importante marco temporal por causa dos atentados terroristas nos Estados Unidos.

“O próprio acontecimento, a reação dos EUA e a conjuntura internacional alimentaram ainda mais a ideia de que existe uma oposição cultural entre as sociedades ocidentais e as muçulmanas. A islamofobia é também muito presente nos partidos europeus de extrema-direita que, curiosamente, fazem essa oposição com base em um discurso democrático, de valores republicanos, que prega a igualdade”, afirma a doutoranda.

A pesquisadora identifica um processo de modernização da extrema-direita na Europa, por meio de partidos que almejavam alcançar mais popularidade nas eleições se distanciando do estereótipo fascista e concorrendo às eleições. Segundo ela, quando começaram a se fortalecer, em meados dos anos 1980, essas agremiações atraíam as classes médias e a pequena burguesia com um discurso neoliberal, defensor da diminuição do Estado e da liberalização dos mercados. “Desde a década de 1990, ao contrário, defendem um Estado forte, com intensas medidas sociais, mas, claro, exclusivas para os cidadãos nacionais”, compara.

Em seu mestrado, sob a orientação da professora Helcimara Telles, do Departamento de Ciência Política da UFMG, Aline Burni estudou o crescimento da extrema-direita na França, em especial a Frente Nacional, tida na literatura política como precursora dessa modernização.

Resgate da identidade nacional
Por toda a Europa, as agendas de agremiações como essa propõem a recuperação da identidade nacional, em oposição à integração da União Europeia, vista como perda da soberania de cada governo nacional. “Também se opõem à imigração, principalmente agora com a crise de refugiados dos países do Oriente Médio”, enfatiza.

Aline Burni identifica diferenças entre a nova extrema-direita e os movimentos fascista e nazista das décadas de 1920 e 1930. “Ainda que alguns desses atuais partidos tenham raízes históricas nos movimentos fascistas, ou alguns traços nazistas, eles são diferentes, porque mobilizam temáticas que são próprias do mundo atual”, analisa.

Em sua avaliação, há elementos similares, como o populismo, ou seja, a rejeição a instituições e a proposta de uma conexão direta entre líder e povo. “Essa é uma das características definidoras do fascismo e do nazismo e que também está presente na extrema-direita. Contudo, uma característica que os diferencia muito é o fato de que os atuais partidos de extrema-direita – ainda que haja particularidades específicas em cada país – aceitam, em geral, a democracia como regime político e participam de eleições, encarando esse mecanismo como a forma de ascender ao poder”, pondera a pesquisadora, acrescentando que contemporaneamente esses grupos não possuem braços responsáveis por ações violentas, diferentemente do que ocorria no passado.

Com relação aos valores que ambos defendem, Aline Burni comenta que antes era muito ressaltada a questão da homogeneidade em termos de raça, enquanto “hoje é a homogeneidade em termos de uma identidade nacional, de uma identidade cultural comum. Os partidos de extrema-direita também defendem uma homogeneidade do corpo social, mas não com o discurso racista do nazismo e do fascismo, e, sim, com um discurso culturalista”, observa.

Aline Burni pondera que na América Latina a identidade nacional e a imigração “não são questões centrais nas agendas políticas, pelo menos por enquanto”. O que há em comum com a Europa é a forte oposição e insatisfação do eleitorado diante da classe política tradicional. E assim como os norte-americanos que votaram em Trump, o eleitorado dos países latino-americanos tem mostrado simpatia pelos chamados outsiders, “que não percorrem uma carreira tradicional dentro dos partidos tradicionais, assumem o papel de figura externa e, por isso mesmo, dizem ser capazes de resolver os problemas da sociedade, fazendo essa conexão direta entre o líder e os seus representados".

Estados Unidos
Para Aline Burni, a vitória de Trump nos EUA é também uma vitória do populismo. “Estou morando em Nova York, estado historicamente democrata, com valores universalistas, muito cosmopolita, porque tem muita migração. É uma sociedade culturalmente muito aberta, que ainda não aceitou essa vitória. Ainda se veem manifestações nas ruas, cartazes, camisetas e bottons com a mensagem ‘Trump não é o meu presidente’.”

Em sua opinião, muitos votaram em Donald Trump não necessariamente por estarem de acordo com os valores que ele defende, “mas porque era o candidato republicano e porque eles queriam uma alternância do poder”.

Ao mesmo tempo, essa vitória, de certa forma, legitima ou torna “normais” os posicionamentos intolerantes, pondera a pesquisadora. “Recebi notícias de colegas que estão em outras cidades mais conservadoras dos EUA, onde houve casos, nas universidades, de agressão ou de mensagens nazistas e racistas.”

A pesquisadora avalia que a eleição de Trump demonstra que os partidos tradicionais precisam mudar, já que não são mais vistos como bons representantes dos interesses da sociedade. “Isso é preocupante, há muitas incertezas com relação ao que ele vai fazer no cargo, o que é muito ruim para a política”, diz, enfatizando que o Partido Republicano precisa “tentar controlar as ações do novo presidente, porque as consequências para o mundo podem ser muito drásticas. A vitória dele foi uma mensagem para o mundo”.

Internacionalização
O estágio doutoral da pesquisadora Aline Burni é a segunda bolsa Capes/Fulbright conquistada por alunos do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFMG em dois anos consecutivos. Em 2015, o aluno Felipe Lima também foi contemplado e realizou estágio de pesquisa na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (EUA), sob orientação do professor Michael Thies.

“O envio de discentes para o exterior é uma das prioridades do Programa de Pós-graduação em Ciência Política, tendo em vista a necessidade de internacionalização da pós-graduação brasileira”, comenta o coordenador, professor Ricardo Fabrino.

Em sua opinião, o intercâmbio é extremamente enriquecedor para as pesquisas no âmbito do Programa, que tem tradição de colaboração com vários países, por meio de bolsas de diversas agências de fomento. Desde 2014, 15 alunos realizaram doutorado-sanduíche em sete países – Estados Unidos, Alemanha, Portugal, Itália, Espanha, Reino Unido e Bélgica.

Em 2017, a previsão é de que o Programa envie oito alunos para realizar pesquisas no Reino Unido, no Canadá, na Espanha e nos Estados Unidos. “Cada estudante apresenta diferentes razões para a escolha do país e da universidade estrangeira, como a presença de um determinado especialista ou de procedimentos metodológicos que vão contribuir para a sua pesquisa”, explica o coordenador.

Para Ricardo Fabrino, o alto índice de bolsas de doutorado-sanduíche conquistado nos últimos anos revela que o Programa “valoriza fortemente o intercâmbio, entendendo que ciência depende fundamentalmente de colaboração e que não se restringe ao âmbito nacional”.

Além disso, o movimento de internacionalização demonstra, segundo ele, o reconhecimento da qualidade e da formação que o Programa oferece, “de forma que seus pesquisadores possam colaborar em condições simétricas com parceiros de instituições internacionais de ponta”.

Segundo Fabrino, o avanço no processo de internacionalização do Programa também é perceptível pela frequente realização de seminários internacionais, workshops de projetos de pesquisa e minicursos ministrados por professores de universidades estrangeiras. No segundo semestre letivo de 2016, o Programa ofereceu disciplina sobre Política Brasileira em inglês.

Fulbright
O Programa Fulbright foi criado em 1946 pelo senador norte-americano J. William Fulbright, com o principal objetivo de ampliar o entendimento entre a sociedade norte-americana e as de outros países, por meio de intercâmbios culturais e educacionais. No Brasil, o programa teve início em 1957, com a criação da Comissão Fulbright, dirigida por conselho constituído por seis brasileiros e seis cidadãos norte-americanos.

Nesta edição 2016 do programa, em parceria com a Capes, foram selecionados 24 doutorandos das áreas de Ciências Humanas, Ciências Sociais, Letras e Artes em todo o Brasil. Entre os benefícios custeados pela Capes estão mensalidade, auxílio para deslocamento e instalação.

A Fullbright concede auxílio para pesquisa, aquisição de livros e/ou computadores, participação em eventos nos EUA, seguro de saúde mínimo aceito pela universidade americana, seguro contra acidente e doença para estrangeiros e também oferece curso de língua inglesa intensivo nos EUA para alguns bolsistas.