Pesquisa e Inovação

Em três meses de isolamento, perdas na economia da cultura chegarão a R$ 11 bilhões

Estimativa consta de nota técnica da Face, que propõe medidas para mitigar os impactos sociais da retração

Atividades culturais realizadas e consumidas fora do domicílio foram as principais prejudicadas pela pandemia
Atividades culturais realizadas e consumidas fora do domicílio foram as principais prejudicadas pela pandemia Foto: Foca Lisboa / UFMG

Para fazer frente aos efeitos negativos da pandemia do novo coronavírus na economia da cultura do Brasil, os governos brasileiros precisam estabelecer programas de crédito, de renda mínima e de exoneração fiscal específicos para o setor de atividades artísticas, criativas e de espetáculos, estender prazos de editais e suspender as contas de serviços públicos de espaços culturais fechados. É o que indica a nota técnica Efeitos da Covid-19 na economia da cultura no Brasil, recentemente publicada por professores e pesquisadores da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG.

No estudo, os pesquisadores mensuram o efeito da pandemia de Covid-19 sobre as atividades culturais que normalmente são consumidas fora do domicílio – cinema, teatro, museus, festivais e demais eventos a céu aberto, entre outros – e, em seguida, listam uma série de medidas de curto e médio prazo que devem ser tomadas pelos governos em nível federal, estadual e municipal para contrabalancear os efeitos da atual pandemia no setor e nas famílias que obtêm dele o seu sustento e que, “de um modo geral, ressentem-se das ações restritivas implementadas na esfera federal desde 2017”, o que torna a sua situação ainda mais grave.

Diretoria de Cooperação Institucional
Ana Flávia Machado, professora da Faculdade de Ciências Econômicas
Ana Flávia Machado é uma das autoras do estudoFoca Lisboa / UFMG

A nota foi produzida por Ana Flávia Machado e Débora Freire Cardoso, professoras da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da UFMG, Rodrigo Cavalcante Michel, doutor em economia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Face, Gabriel Vaz de Melo, mestre em economia também pelo Cedeplar, e Alice Demattos Guimarães, mestranda em mercados globais e criatividades locais no Erasmus Mundus e graduada em Ciências Econômicas pela UFMG.

Paralisia total
Segundo os pesquisadores, as atividades culturais fora do domicílio foram as que mais sofreram com o advento da pandemia, em razão do isolamento social. “Podemos dizer que se trata de um setor que teve praticamente 100% de suas atividades paralisadas em decorrência da pandemia de Covid-19, já que elas envolvem aglomerações”, explicam os autores no trabalho.

No documento, ao simular um cenário com a queda de 100% do consumo dessa atividade pelas famílias, durante três meses, e considerando que “o setor de atividades artísticas, criativas e de espetáculos tem multiplicador de produção de 1,6 – o que indica que para cada R$ 1 de expansão da demanda do setor são gerados R$ 1,60 na economia –”, os pesquisadores concluem que, “em termos monetários, o impacto da paralisação da prestação de serviços artísticos e culturais fora do domicílio por três meses seria de queda de R$ 11,1 bilhões no valor da produção da economia brasileira”. Esse índice representa uma redução de 21,2% no valor bruto da produção do próprio setor (no ano) e de 0,17% na economia (no ano), segundo os autores.

Medidas
Após mapearem os efeitos da paralisação da economia no campo da arte e da cultura – e perceberem que “o impacto dessa paralisação se espraia ao longo de toda essa cadeia produtiva”, passando pelas dimensões da produção, da disseminação e divulgação, do consumo e fruição e do fomento e financiamento –, os pesquisadores propõem na nota técnica uma série de políticas públicas que devem ser desenvolvidas e realizadas pelos governos em curto e médio prazo, nas esferas federal, estadual e municipal, com foco em contrabalancear esses efeitos negativos.

Em curto prazo, sugerem a abertura de programas de crédito direcionados para a categoria e o pagamento de renda mínima para artistas e profissionais de apoio, como técnicos de montagem, de cenografia e de som; a exoneração fiscal de tributos diretos – como IPTU, IRPF e IRPJ – da categoria e a suspensão dos pagamentos das contas de serviços públicos – como água e energia – dos estabelecimentos enquanto ficarem fechados; a dilatação dos prazos dos projetos financiados por leis de incentivo e por editais públicos ou privados e a abertura de editais de fomento a produções para a internet.

No médio prazo, os pesquisadores sugerem, entre outras medidas, expandir o investimento público em arte e cultura, priorizando as regiões mais pobres, que contam com menor participação da iniciativa privada; manter a citada oferta de renda mínima e os demais apoios de curto prazo até o pleno restabelecimento da autonomia financeira dos envolvidos; retomar as políticas de formação de público e de democratização de acesso à arte e à cultura que estavam em andamento entre 2005 e 2014; formular políticas públicas transversais que estimulem atividades artístico-culturais combinadas com os setores da educação e do turismo; planejar desde já a forma como se dará o retorno das atividades do setor.

“Pelo seu caráter meritório, informacional, de expressão de valores e tradições, de estímulo à criatividade e de entretenimento da população, o setor cultural de um país deve ser impulsionado por meio de políticas públicas que garantam produção, divulgação e geração de renda”, ressaltam os pesquisadores na nota técnica. “Em momentos como os vividos durante a pandemia de Covid-19, a pertinência da formulação de políticas públicas de incentivo é gritante, posto que todas as atividades artístico-culturais desenvolvidas fora do domicílio estão paralisadas em razão do fechamento dos espaços culturais, e, conforme mostrou nosso estudo, o impacto dessa paralisação se espraia ao longo da cadeia produtiva do setor”, concluem os autores.

Ewerton Martins Ribeiro