Pesquisadores latino-americanos debatem crise nas instituições democráticas
'Elas ainda funcionam?' foi a pergunta que orientou evento on-line promovido pelo IEAT, nesta quarta
Cinco pesquisadores do Brasil, do Chile e da Argentina reuniram-se em mesa-redonda nesta quarta-feira, dia 10, para tentar responder a uma pergunta recorrente nos veículos de comunicação, redes sociais e círculos políticos e acadêmicos: afinal, as instituições ainda estão funcionando?
O professor Bruno Reis, do Departamento de Ciência Política da Fafich, estabeleceu de saída os parâmetros lógicos para que se possa analisar a questão. “A pergunta, em si, tem algo de trivial, porque, se existem, as instituições funcionam, produzem efeitos”, introduziu. “O que se está discutindo, portanto, não é se as instituições estão funcionando, produzindo efeitos, mas se esses efeitos são bons ou ruins.”
Segundo Reis, o que está em jogo não é exatamente o funcionamento das instituições, mas se estão robustas ou frágeis. “Quando a gente pergunta se as instituições estão funcionando, quando a gente pergunta sobre a força dessas instituições, estamos perguntando no final das contas se elas vão resistir”, afirmou, aludindo ao cenário atual, em que o presidente Jair Bolsonaro tem desferido uma série de ataques contra algumas das principais instituições do país.
Ainda segundo o cientista político, a força de uma instituição, o seu “funcionamento”, reside paradoxalmente na sua naturalização entre o povo. Assim, as instituições funcionarão melhor quanto mais invisíveis forem em conversas, debates e menções. “Nesse sentido, se estamos discutindo tanto se as instituições estão funcionando ou não, esse é o maior sintoma da sua atual fragilidade. Se discutimos se estão fortes, é porque já estão frágeis”, alertou.
Além de Bruno, participaram do debate a professora Geane Alzamora, do Departamento de Comunicação Social da Fafich, Andres Malamud, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e Gilberto Aranda, professor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade do Chile.
A mesa As instituições estão realmente funcionando? Povo nas ruas e populismo nas redes foi promovida pelo Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT), com moderação do professor Dawisson Belém Lopes, do Departamento de Ciência Política da Fafich e diretor-adjunto de Relações Internacionais. A íntegra das comunicações está disponível em vídeo ao fim desta matéria.
Ruas, redes e representação
Em sua exposição, Gilberto Aranda relacionou toda essa reflexão sobre o funcionamento ou não das instituições na América Latina com o crescimento da insatisfação com a democracia experimentada nas últimas décadas.
Dados apresentados pelo historiador, que é doutor em estudos latino-americanos, mostram que essa insatisfação é a mais alta desde 1995, primeiro ano da série por ele apresentada. “Há uma crise geral da democracia liberal, uma crise de representação. Isso não se pode ignorar", afirmou.
Geane Alzamora tratou particularmente do cenário comunicacional, à luz do conceito de mediação. Entre outros aspectos, a professora do Departamento de Comunicação chamou a atenção para o fato de que o jornalismo brasileiro tem conseguido revigorar, em tempos de governo Bolsonaro e de pandemia, o jargão que a denomina o “quarto poder da República”.
Como exemplo desse empoderamento, Alzamora citou o consórcio formado por veículos para compilar e tornar públicos os dados totais relativos às mortes ocorridas por Covid-19 no Brasil, quando o acesso a eles tem sido dificultado pelo governo federal.
Em relação aos protestos que começam a tomar as ruas e ao engajamento político virtual dos cidadãos brasileiros, Geane, que é uma estudiosa das redes virtuais e das manifestações brasileiras de junho de 2013, destacou que “já não é mais possível pensar as ruas e as redes virtuais distintamente, não há uma diferenciação entre o espaço físico e o virtual – e cada vez menos haverá”.
Democracia a morrer, democracia por vir
“As democracias se dividem entre aquelas que suportam grandes crises e tensões e as que não suportam", registrou, em sua fala, Andres Malamud, lembrando que, no decorrer das últimas décadas, elas passaram a morrer de forma diferente.
“Há 40 anos, as democracias morriam de golpes, que vinham de fora: quem perdia a eleição impugnava o seu resultado”, disse o pesquisador argentino, que vive em Portugal. “Nos últimos 20 anos, contudo, as democracias passaram a morrer gradualmente – e por dentro. Hoje, matam as democracias não os grupos que perderam as eleições, mas aqueles que as venceram”, disse, citando as investidas que Bolsonaro e Donald Trump têm feito no processo democrático, a começar pelo fato de terem ambos denunciado como fraudadas as eleições que eles próprios venceram.
Andres Malamud destacou três pontos de atenção no contexto atual. O primeiro é a forma como a emergência sanitária deixou em evidência a incompetência dos governos autoritários. Enquanto muitos governantes fortaleceram-se na pandemia mundo afora, Trump e Bolsonaro perderam espaço, lembrou Malamud.
O segundo ponto diz respeito à engrenagem de “sobrecompensação” existente entre as instituições: à medida que umas – como as instâncias do executivo – deixam a desejar, outras – como a mídia e os supremos tribunais – se rebelam, o que gera inúmeras consequências para a democracia.
Por fim, destacou o professor da Universidade de Lisboa, haverá uma pressão internacional sobre a gestão que os países fazem da pandemia, inclusive o Brasil, uma vez que ela não se limita aos territórios nacionais – o vírus, as pessoas e os produtos de consumo têm circulação global. “É possível que governos autoritários [como o brasileiro] acabem sendo punidos pela comunidade internacional”, disse. “Isso, por sua vez, faz pensar na possibilidade de que a democracia vindoura seja melhor”, sugeriu ele, em um momento de otimismo do encontro.