UFMG tem programa de ação ambiental

Erro estratégico, suicídio político

É voz corrente que o ovo de pata é o melhor. No entanto, todos preferem mesmo o de galinha. Qual o motivo dessa, digamos, contradição alimentar? Vamos buscar a "explicação" no marketing político. A pata bota seu ovo e se mantém em silêncio - ninguém fica sabendo que ela trabalhou. Já a galinha, mal conclui sua postura e imediatamente entoa um forte cacarejar, anunciando que acabou de dar ao mundo mais um fruto de sua produção. 

Com essa comparação, tenta-se aqui ilustrar a maneira como a universidade pública brasileira se comporta no momento de informar os resultados do seu trabalho. 

No episódio da galinha e da pata, agimos como a pata: fazemos um produto de boa qualidade, mas não nos preocupamos em divulgá-lo. 

Está certo que o mais importante para a universidade sempre foi cuidar da qualidade de sua produção, o que, de fato, é fundamental. Mas, diante das dificuldades que agora se apresentam, e que deverão ser maiores nos dias que se avizinham, não seria o caso de nos preocuparmos também com a divulgação da nossa produção? Cacarejar um pouco, como aconselharia a galinha? 

Evidentemente, a situação não é de completa mudez. Com diferentes graus, cada universidade pública desenvolve algumas práticas voltadas à divulgação de suas atividades para a sociedade. No entanto, há que se reconhecer a predominância do acanhamento sobre a ousadia, do conservadorismo sobre a inovação, do comodismo sobre o empenho. O que se ouve lá fora, vindo da universidade pública, ainda é um leve sussurro (ou um "piu", para mantermos as comparações zoológicas), o que reflete um imensurável equívoco com suas sentidas conseqüências. 

O grande equívoco é o de não se considerarem as ações de comunicação, via imprensa, como estratégicas para a universidade no seu relacionamento com a sociedade. A questão não se resume a uma prestação de contas, o que já constituiria uma obrigação natural. A exigência é mais ampla. A universidade pública precisa ter a sociedade como sua aliada nos embates, há tempos anunciados, que agora se tornaram inexoráveis. E a divulgação das coisas que se fazem nos campi por meio dos veículos de comunicação se constitui indispensável instrumento para atingir e sensibilizar a opinião pública. Se antes (alguns anos atrás) as oposições à universidade pública se manifestavam aqui e ali, isoladamente, e se limitavam apenas ao discurso de uns poucos privatistas de plantão, hoje ganharam unidade, representatividade e práticas articuladas. As frentes nas quais a universidade pública terá de se apresentar são as que tocam não só na sua sobrevivência, mas também na sua própria natureza. 

Os recursos públicos, notoriamente, estão cada vez mais escassos e, portanto, mais concorridos. Como fazer com que as causas da universidade pública tenham a força política e a legitimidade social que têm as causas da saúde, da habitação, da segurança etc? Não há outro jeito que não o de mostrar para a sociedade a importância da universidade. Sem a ajuda de um coro popular, nossos pleitos, mesmo que justos, dificilmente sensibilizarão os ouvidos do poder. 

No plano ideológico, como não há na opinião pública uma idéia formada sobre o que se faz nos campi, abriram-se flancos para as correntes políticas que se opõem à universidade pública. O exemplo mais sentido é a maneira como a tese da cobrança de mensalidades vem se ampliando e ganhando vigor nos mais diferentes setores organizados da sociedade. 

Em resumo: por deficiência de comunicação, a universidade pública não só deixa de construir uma aliança utilíssima com a sociedade, como passa a ter a oposição da opinião pública. Um erro estratégico e um suicídio político. 

E não se pode dizer que as pessoas, os leigos, não têm interesse pelas coisas feitas na universidade. Dados de uma abrangente pesquisa de opinião pública (O que o brasileiro pensa sobre Ciência e Tecnologia, CNPq/Instituto Gallup) informam existir na sociedade um grande interesse por notícias de C&T (vale dizer, pelas pesquisas feitas nas universidades), mas, ao mesmo tempo, revelam que as pessoas pouco sabem sobre quem produz ciência no Brasil. 

A postura de "torre de marfim" perdura, no entanto, e em parte por causa da ausência de uma cultura na universidade sobre a importância da comunicação como recurso estratégico de aproximação com a sociedade. 

A ausência dessa cultura se faz sentir amplamente. Os docentes, em sua maioria, mostram resistência em incorporar a divulgação de suas pesquisas para o público leigo como uma etapa do seu processo de trabalho. O empenho em produzir e em comunicar para os seus pares não se verifica quando se trata de divulgar para a sociedade, que foi quem pagou a conta e se deseja que continue pagando. 

Quando uma empresa privada necessita melhorar sua imagem junto à opinião pública, basta a decisão da diretoria para se desencadear uma ostensiva campanha de marketing no horário nobre. No caso das universidades públicas, sabe-se que a solução não é essa; exigem-se ações coerentes com a sua natureza e com o seu papel social. Por isso, é imprescindível que a importância da comunicação esteja presente na consciência da comunidade universitária, passe a fazer parte do espírito da instituição. Assim, dotada de uma cultura de comunicação, a universidade pública poderá concluir que, aos olhos e ouvidos da sociedade que a mantém, fazer coisas boas não basta. É preciso, também, anunciá-las.

Originalmente publicado no Jornal da USP, em novembro de 1998 

José Roberto Ferreira - jornalista, assessor de Comunicação e Imprensa da Unesp e editor-chefe do Jornal da Unesp.