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Estar lá ou aqui: um dilema da pós-graduação

Desde seu começo, a Antropologia fez do encontro com outras experiências de vida o seu laboratório. Sair para fora, entregar-se ao "outro", ser contaminado por suas redes de significados, enfim, aprender com o estrangeiro esteve sempre no horizonte da disciplina. Voltar para seu meio (acadêmico) e, com o suporte da teoria, buscar a compreensão não só deste outro mas do seu próprio mundo, também sempre foi o objetivo do antropólogo. 

Dentro deste espírito, tracei minha formação profissional: graduei-me em Ciências Sociais pela UFMG, fiz mestrado em Antropologia pela Unicamp e doutorado em Cinema e Antropologia pelas universidades de Paris I (Panthéon-Sorbonne) e Paris X (Nanterre). Durante este período ainda vivi cerca de um ano com os índios Waiwai, no norte da Amazônia. Aprendi duas línguas diferentes e me acostumei com o dialeto dos paulistas e com seu preconceito em relação aos mineiros. Depois desse percurso, voltei como pesquisador à minha origem de formação intelectual, a UFMG. 

Durante o tempo que morei em Paris, eram freqüentes as conversas sobre este assunto com brasileiros ou pesquisadores de outras nacionalidades que lá também se encontravam fazendo doutorado. Os franceses, em particular, ficavam de certa forma surpresos ou indignados pelo fato de os brasileiros serem tão `bem pagos para estudar - cerca de 1.200 dólares por mês. Afinal, a maior partes deles não tinha qualquer tipo de apoio financeiro do governo para realizar sua pós-graduação - e isso também é válido para quase todos países da Europa, ao contrário do que se imagina aqui no Brasil. Logo eles que são adiantados em ciência e tecnologia! E o Brasil, não é um lugar de miseráveis? Como fazíamos para nos sustentar? 

Do ponto de vista dos meus colegas europeus, os bolsistas brasileiros eram os representantes de uma elite econômica e intelectual com as regalias de um Estado que, ao contrário de investir em ciência para superar a dependência tecnológica e as desigualdades sociais, na verdade garantia exatamente a manutenção e a reprodução de tal situação. 

No entanto, essa imagem deles sobre nós tem fundamento na realidade. Pois na época colonial e até recentemente a Europa não era o "berço da civilização" para onde nossas elites iam se civilizar? E, mesmo hoje em dia, instituições como Oxford, Harvard e Sorbonne não são consideradas por nós a excelência acadêmica e o lugar de ponta da ciência e da tecnologia mundiais? E não é verdade que muitos dos bolsistas, depois de terem seus estudos financiados pelo governo brasileiro, acabam permanecendo nos laboratórios e instituições dos países ricos? Não é verdade que muitos daqueles que voltam dos "centros avançados" e aqui se instalam, acabam sendo ainda mais dependentes das teorias e tecnologias desses centros? E, uma vez no Brasil, com status de doutor pelas "Harvards" e "MITs", não utilizam disso para subir ainda mais na escala de prestígio e poder da nossa sociedade? Ou, talvez pior ainda, utilizam dele para aqui impor ordens, regras e teorias determinadas pelos interesses dos grandes grupos econômicas da ordem mundial? E os cientistas recém-chegados que obtêm apoio de nossas instituições de fomento à pesquisa para montar ou equipar suas estruturas de laboratórios com os últimos computadores, softwares e tecnologia de ponta do Primeiro Mundo para serem ultrapassadas às vezes mesmo antes de instaladas? 

Estas questões me perseguiam quando estava no exterior fazendo meu doutorado e continuam presentes até hoje. Mas, por outro lado, sei que se estivesse ficado por aqui, sem sair do meu lugar de origem, na mesma sala de aula e ao lado das mesmas "cabeças", tendo como laboratório, por exemplo, os moradores de nossas favelas, teria incorporado muito pouco do que hoje imagino ter aprendido; inclusive a responsabilidade ética que me faz querer criar em nossa Universidade as condições para o desenvolvimento de um ensino e de uma pesquisa voltados para nossa realidade e para a superação da dependência tecnológica, científica e artística. 

Além disso, não teria aprendido que o que fazemos em termos de estudos e pesquisa - pelo menos na área de antropologia - em países "periféricos" como o Brasil e a Índia - é tão avançado (talvez até mesmo mais criativo) quanto o que se faz nos grandes centros. Isto significa que não mais precisamos enviar nossos estudantes para sua formação em tais grandes centros? Creio que seria uma grande burrice voltar agora para o nosso próprio umbigo. 

O que precisamos é aumentar nossa dispersão, sair ainda mais pra fora, e ver que, para além do primeiro mundo, se passa algo de muito rico não tão distante assim, por exemplo em nosso sertão profundo, na Amazônia e América Latina, para não falar nos povos que guardam uma profunda ligação linguística e cultural com nosso país: os africanos. 

A verdade não está mais na mão somente dos ocidentais e, para ser mais radical, ela não está apenas na ciência.

Ruben Caixeta de Queiroz - professor do departamento de Sociologia e Antropologia da Fafich