A UFMG e os 500 anos do Brasil

Cinco séculos depois

Chegamos, afinal, ao momento da celebração dos 500 anos. É mais uma comemoração numa longa seqüência iniciada em 1988, com o centenário da abolição da escravatura. Em seguida, tivemos o centésimo aniversário da República (1989), 60 anos da Revolução de 1930 (1990), 500 anos do feito de Colombo (1992), meio século do fim da Segunda Guerra Mundial (1995) e o centenário de Belo Horizonte (1997), entre outras datas. Em que pese existam alguns aspectos problemáticos nesta "febre comemorativa" ­ banalização de acontecimentos e personagens históricos, abordagem superficial conferida pela mídia a processos complexos e certa tendência ao ufanismo ­ no geral trata-se de fenômeno positivo.

Além das pequenas vantagens auferidas por nossa corporação (o assédio aos historiadores, no bom sentido, aumenta muito), tais comemorações podem trazer em seu bojo desdobramentos úteis à sociedade. Em primeiro lugar, a ocasião pode ser aproveitada para se fazer um balanço crítico de nossa trajetória histórica, uma reflexão que contribua para entender como chegamos ao que somos hoje. É um momento privilegiado para identificarmos os problemas e mazelas que acometem o país, com a contrapartida necessária de procurar soluções viáveis. A antiga concepção da história como "mestra da vida" está em grande parte superada, pois os acontecimentos e processos históricos não se repetem e, portanto, as lições do passado são insuficientes para balizar as opções tomadas no presente. Porém, isto não implica tornar a História irrelevante. Na pior hipótese, ela serve para mostrar os caminhos a serem evitados, como a solução autoritária.

 

Outro aspecto interessante das comemorações é o aumento na divulgação do conhecimento histórico. Os diversos mecanismos de comunicação ­ TV, rádio, jornal e Internet ­ investem no tema e atraem o interesse do público. O mercado consumidor de livros de história se expande, e as editoras descarregam nas prateleiras das livrarias grandes quantidades de obras novas. Evidentemente, a qualidade do produto oferecido ao consumidor é heterogênea, tanto no caso da mídia quanto no plano editorial. No que se refere às publicações, temos desde a reedição de clássicos (Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha, por exemplo) até o lançamento de obras "caça-níqueis", cuja única preocupação é vender. Mas, independente disto, o resultado final continua salutar. Tendo em vista uma população, em grande parte, pouco habituada à prática da leitura e, por conseqüência, possuindo um fraco conhecimento da história, qualquer iniciativa que ajude a melhorar este quadro deve ser bem recebida.

 

A propósito dos 500 anos, há algo a se comemorar? A palavra tem duas acepções principais, podendo significar tanto trazer à memória, recordar, quanto celebrar, festejar. Observando com olhar crítico os cinco séculos do Brasil, a quantidade de mazelas a apontar é imensa. É um rosário de sofrimento e desgraça cuja descrição, de tão recorrente, virou lugar comum: genocídio indígena, exploração de mão-de-obra escrava, destruição ecológica e por aí vai. Nestas condições, é difícil encontrar ânimo para celebrar o aniversário da terra brasilis. O melhor mesmo é comemorar na acepção de rememoração, aproveitando o ensejo para buscar alternativas para os problemas do país.

 

Mas uma apreciação que lance luz somente sobre as facetas negativas da nossa história seria uma representação acurada? Parece-me que o momento demanda reflexões mais abrangentes que a simples denúncia dos aspectos ruins presentes na trajetória brasileira. A tendência a absolutizar o viés negativo pode até ter sua funcionalidade comoestratégia de mobilização dos espíritos no apoio a propostas políticas radicais, mas, considerando os objetivos científicos, pode levar a interpretações parciais da história. Tal ponto de vista, cujo caráter polêmico desaconselharia abordá-lo num texto tão breve, pode ser mais bem exposto se pusermos em tela as transformações ocorridas nos últimos anos.

 

No contexto recente, temos vivenciado experiências interessantes que, ressalte-se, não resultaram das ações de um grupo em particular. No plano das instituições e práticas políticas encontram-se os sinais mais alvissareiros. A experiência democrática em curso apresenta indícios consistentes de consolidação, apontando para a possibilidade real de superação das tradicionais estruturas autoritárias brasileiras. Em nenhum outro momento a participação política foi tão livre, nem tão grande a liberdade de expressão e organização. No campo social, embora não tenham ocorrido conquistas comparáveis, alguns tímidos indicadores positivos também se apresentam, por exemplo, na forma de melhorias na área do ensino (diminuição das taxas de analfabetismo e aumento da população escolar) e da saúde (aumento na expectativa de vida e redução da mortalidade infantil).

 

Não é o caso de festejar, continuamos muito longe do paraíso. Os problemas e deficiências permanecem imensos, reunindo velhos desafios, como a desigualdade social e a miséria, dramas antigos agravados recentemente, como a violência, e novas questões sociais, como os elevados níveis de desemprego.

 

O enfoque mostrando a existência de alguns aspectos positivos não deve se prestar a esconder as mazelas ou sugerir acomodação, mas incutir confiança na possibilidade de mudar. Afinal, o discurso apocalíptico nem sempre resulta em mobilização. Muitas vezes, ele traz simplesmente prostração e descrença na capacidade de o país construir um futuro melhor.

 

Professor do departamento de História/Fafich

Rodrigo Patto Sá Motta