A UFMG e os 500 anos do Brasil

Minas é a síntese genética do Brasi

Em entrevista ao BOLETIM, o professor e geneticista Sérgio Pena, do ICB, fala sobre o seu mais recente estudo, Retrato molecular do Brasil, que trata, em nível genético, da formação do povo brasileiro, e analisa o atual estágio da ciência no país.

 

BOLETIM ­ Por que seu mais recente estudo recebeu o nome de Retrato Molecular do Brasil?

 

Sérgio Pena ­ Não é de hoje que a constituição da população brasileira interessa aos cientistas sociais. E um dos principais estudos na área é Retratos do Brasil, do sociólogo Paulo Prado, publicado em 1927. Ele discute justamente o fato de a estrutura da população brasileira ter sido criada pelo homem português com a mulher negra e a índia, o que praticamente é uma conclusão do nosso estudo. Ele confirma as teses de Paulo Prado e, mais tarde, de Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala, Sérgio Buarque de Holanda e, por fim, Darcy Ribeiro.

 

B ­ No estudo, o senhor e sua equipe concluíram que a maior parte da linhagem paterna do brasileiro é européia. Já a linhagem materna é proveniente de negras e índias, com predominância das últimas...

 

SP ­ Isso depende da região geográfica. Nós trabalhamos com quatro regiões: Norte (Amazonas, Pará, Rondônia e Acre), Nordeste (Pernambuco), Sudeste (Minas Gerais) e Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná). O que observamos no Sul é que 60% das linhagens maternas são européias; no Norte, mais de 50% são ameríndias (índias brasileiras); no Nordeste, a predominância, como já esperávamos, é de negras; em Minas, que representa o Sudeste, observamos um resultado bem próximo da média nacional.

 

B ­ O que confirma a tese de que Minas é a síntese do Brasil?

 

SP ­ Se observarmos os dados do IBGE, que classifica os indivíduos pela cor (branco, negro ou pardo), constatamos que, geneticamente, Minas é a média do Brasil. Isso aconteceu porque aqui houve a confluência das três grandes etnias de forma mais intensa.

 

B ­ Seu estudo é um exemplo da contribuição que a Biologia Molecular pode dar a outros campos do conhecimento...

 

SP ­ Ele tem quase um caráter sociológico, pois se insere no que chamamos de filogeografia ­ a síntese de genética molecular, genética de populações, história de populações e a distribuição espacial das populações. Só que, em vez de populações, trabalhamos com linhagens genéticas.

 

B ­ As pesquisas em Biologia Molecular estão atingindo as partes mais microscópicas da vida. Até onde elas podem chegar?

 

SP ­ A genética molecular pode ser usada para tirar dúvidas históricas, que não foram solucionadas pelas ciências sociais. Exemplo disso são os estudos de Biologia Molecular feitos com os esqueletos da família imperial russa para saber quem e como havia morrido e provar se aqueles esqueletos eram realmente da família imperial. Outro exemplo é o estudo que provou que o grupo Lembas, do Sul da África, descende geneticamente de judeus que migraram para aquela região.

 

B ­ Como o senhor analisa a evolução da ciência brasileira?

 

SP ­ A ciência brasileira vive um estágio paradoxal. De um lado, ela é vítima dos baixos níveis de custeio, que atingiram o seu menor patamar histórico. Retrato Molecular do Brasil, por exemplo, não contou praticamente com nenhuma verba específica. Aproveitamos materiais comprados para outros projetos. Por outro lado, vejo que a ciência brasileira formou uma nova geração de pesquisadores muito talentosa, graças ao Programa de Iniciação Científica, talvez a única boa iniciativa do CNPq nos últimos anos. Além disso, a Internet permitiu uma rápida internacionalização da nossa ciência.

 

B ­ A Internet ajudou a diminuir o fosso que separa a nossa ciência da dos países desenvolvidos?

 

SP ­ Quando cheguei na UFMG, em 1982, vindo do Canadá, a revista Science demorava três meses para chegar aqui. Vivíamos num regime de isolamento esplêndido. Hoje, lemos um artigo no mesmo dia de sua publicação. A Internet globalizou a comunicação em ciência.

 

B ­ Nelson Rodrigues dizia que o brasileiro sofria de um complexo de vira-lata, em razão dos fracassos de nossa seleção, o que só acabou com a conquista da Copa de 58. O senhor acha que a ciência brasileira vive síndrome parecida?

 

SP ­ Acho que isto está acabando e vou citar dois exemplos. Há cerca de um ano, uma ex-aluna de doutorado foi fazer pós-doutorado na Universidade de Harvard. Um mês depois, ela me mandou um e-mail relatando que a rotina lá era igual à do nosso laboratório em Belo Horizonte. Outro fato que considero sintomático é o projeto da Fapesp, que disponibilizou 12 milhões de dólares para que os pesquisadores na área de Biologia Molecular pudessem seqüenciar o genoma da bactéria Xylella fastidiosa, causadora da praga do amarelinho, que infecta os laranjais do interior de São Paulo. O projeto foi concluído, com grande sucesso, um ano antes do prazo previsto. Foi o primeiro genoma seqüenciado, no mundo inteiro, de uma bactéria fitopatógena, que causa doença em plantas. Isso aconteceu porque a Fapesp disponibilizou dinheiro de primeiro mundo. O que prova que, enquanto o cientista brasileiro for tratado como de segunda classe, é demais pedir que se comporte como pesquisador de primeira classe.

 

B ­ E há quem diga que o cientista brasileiro é mais criativo que o estrangeiro, até mesmo em razão dessa crônica falta de recursos?

 

SP ­ É... Mas gambiarra tem limite (risos).