A UFMG e os 500 anos do Brasil

Historiadora desmitifica índole pacífica do mineiro

Livro de Carla Anastasia, da Fafich, retrata as rebeliões

Um povo cordial, pacato e conciliador. Esta imagem histórica do mineiro, construída pelas elites locais a partir do século XIX, não encontra eco na pesquisa feita pela professora Carla Maria Junho Anastasia, do departamento de História da Fafich. Seus estudos foram transformados no livro Vassalos rebeldes: violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII, que traz à tona uma série de revoltas e rebeliões ocorridas nas Minas do Ouro (atual estado de Minas Gerais) entre 1711 e 1750 ­ período de formação da capitania ­ e que praticamente ficaram omitidas nos livros clássicos de História.

 

No seu estudo, a pesquisadora trabalhou apenas com as revoltas cuja documentação conseguiu reconstituir ­ sete grandes rebeliões e ameaças de motins de escravos, todas sufocadas pela Coroa, além de notícias de inúmeras outras revoltas ocorridas no mesmo período. Tais fatos, segundo Anastasia, revelam uma surpreendente faceta violenta dos mineiros da época, jogando por terra a imagem de "um povo cordato e pacífico."

 

"O meu estudo é parte de uma revisão que busca lançar um olhar mais crítico sobre a historiografia oficial", explica Anastasia, revelando que essa é uma linha de trabalho adotada por alunos e pesquisadores do programa de pós-graduação em História.

 

Mais que uma data comemorativa, os 500 anos do descobrimento do Brasil constituem oportunidade de ouro para que pesquisadores façam uma revisão documentada de alguns períodos e fatos obscuros ou pouco estudados da história nacional. Foi com esta preocupação que Anastasia desenvolveu seu trabalho.

 

As rebeliões pesquisadas pela professora tiveram três motivações básicas: revoltas ocorridas principalmente devido a questões envolvendo tributos, terra e abastecimento; contexto de soberania fragmentado (os amotinados nem sempre reconheciam a autoridade da Coroa e tentavam tomar o poder em determinadas vilas); e a terceira, segundo a pesquisadora, definida como híbrida, ou seja, a rebelião começava tendo como causa um componente motivador do primeiro caso que evoluía para a contestação da autoridade da Metrópole.

 

Barbáries

 

De acordo com Carla Anastasia, as duas revoltas mais importantes daquele período foram a Sedição de Vila Rica, de 1720, que teve mentores potentados como Felipe dos Santos; e a Sedição de São Francisco, de 1736, liderada por grandes fazendeiros e que contou, no primeiro momento, com a adesão popular, desfeita posteriormente. Esta rebelião, que durou um ano, teve como ápice a tomada do poder na vila de São Romão, na região Noroeste de Minas, durante três dias, e foi marcada por atos bárbaros, como estupros e assassinatos.

 

Além da imagem ordeira do mineiro, outro mito que Vassalos rebeldes derrubou é o de que Portugal tratava sua principal colônia a ferro e fogo, reprimindo os rebelados com rigor. "Na verdade, a Coroa extraía apenas a riqueza do Brasil, mas não conseguia controlar a população e impor sua autoridade, principalmente por causa da extensão territorial da colônia. Além disso, a Corte costumava perdoar praticamente todos os revoltosos. A única exceção foi Felipe dos Santos, que, tal como Tiradentes, décadas depois, foi morto e esquartejado", conta Carla Anastasia.

 

América Portuguesa

 

Essa revisão histórica substitui a definição Brasil-Colônia por América Portuguesa. A historiadora explica que o termo colono é contemporâneo e não diz respeito à realidade do século 18. Na verdade, os colonos ­ com exceção dos escravos ­ consideravam-se vassalos (neste caso, vassalo tem o mesmo significado de súdito) do rei de Portugal e, portanto, julgavam ter os mesmos direitos que os lusos residentes na Metrópole. "Quando suas reivindicações não eram atendidas, os vassalos brasileiros partiam para a violência, caracterizada, naquela época, como estratégia e subproduto do processo político", relata a pesquisadora.

 

Livro:

 

Vassalos Rebeldes: violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII 

Autora: Carla Maria Junho Anastasia 

Editora: C/Arte 

Preço: R$ 20 

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