A UFMG e os 500 anos do Brasil

Tese lança novas luzes sobre a Inconfidência

Estudo redimensiona liderança de Tiradentes no movimento

O movimento que se formava contra os dominadores portugueses reunia dois grupos heterogêneos: um, de caráter elitista, era composto por banqueiros, religiosos, poetas e intelectuais. Outro, popular, abrigava alfaiates, donos de estalagem e fazendeiros semi-analfabetos em suas fileiras. Os motivos pelos quais o levante, que ficou conhecido como Inconfidência Mineira, vinha sendo orquestrado naquele ano de 1788 também eram bem distintos: enquanto alguns viam na possibilidade do aumento dos impostos um pretexto para tornar a capitania de Minas Gerais uma república independente, outros tinham objetivos bem mais pragmáticos ­ a simples suspensão de mais uma pesada carga tributária.

 

Para dar unidade a uma conspiração caracterizada por integrantes cujos ideais e condições sociais eram tão díspares, era necessário um homem capaz de transitar e articular ações imediatas entre os dois grupos. Este era o papel de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, único a ser condenado à pena capital pela formação do movimento ­ abortado antes de contar com a adesão do povo e transformar-se numa rebelião ­, e cujos mentores intelectuais foram o cônego Luiz Vieira da Silva, o padre Carlos Corrêa de Toledo e o poeta e funcionário público Tomás Antônio Gonzaga.

 

Tais fatos integram uma nova leitura sobre a Inconfidência Mineira e compõem parte da tese de doutorado do chefe de departamento de História da Fafich, João Pinto Furtado. A exemplo do livro sobre as rebeliões de vassalos em Minas Gerais no século 18, escrito por sua colega de departamento, a professora Carla Anastasia (leia matéria na página ao lado), o estudo do professor Furtado faz uma revisão do movimento que é considerado a maior tentativa de independência do período colonial do Brasil, antes do ato do Imperador Dom Pedro I, em 1822, às margens do ribeirão Ipiranga.

 

O trabalho de Furtado derruba a teoria de que a Inconfidência foi um movimento homogêneo (seus integrantes seriam todos da elite mineira, endividados e com um ideal iluminista) e que teve em Tiradentes seu principal líder. Na sua pesquisa, o professor chegou à conclusão de que os integrantes do levante eram pessoas de vários estratos sociais, que viam na derrama o motivo para se rebelar contra a Metrópole. A Capitania de Minas Gerais era obrigada a pagar anualmente à Coroa cem arrobas de ouro em impostos, mas havia muitos anos não conseguia honrar este compromisso. A situação de penúria dos moradores da Colônia se agravaria exatamente no ano de 1789, quando a Coroa planejara cobrar todas as cotas atrasadas, ato que ficou conhecido como derrama.

 

Minas separatista

 

A tese de Furtado desmitifica também a luta dos inconfidentes pela independência do Brasil e a idéia de que o novo país teria se inspirado nos Estados Unidos, livres da Inglaterra desde 1776. "A derrama foi o estopim que faltava para os mais intelectualizados, como o cônego Vieira e o padre Toledo ­ influenciados por iluministas franceses, como Montesquieu ­, proporem uma rebelião de Minas contra Portugal e fundar uma nação nos moldes das pequenas repúblicas italianas, como Gênova e Veneza", relata o pesquisador. Já Tomás Gonzaga preferia a monarquia, pois discordava dos ideais da Revolução Francesa ­ liberdade, igualdade e fraternidade.

 

A liderança de Tiradentes na Inconfidência, segundo Furtado, também não atingiu as dimensões alardeadas pela historiografia clássica. "Não há dúvida de que ele foi uma pessoa muito importante para o movimento, por causa do seu papel como ativista e articulador dos dois grupos de inconfidentes. Mas, apesar de tender para o lado dos iluministas, ele não foi o maior líder do levante porque, na sociedade daquela época, as hierarquias dificilmente eram desrespeitadas ", explica Furtado, acrescentando que "Tiradentes ocupava posição social inferior à de vários inconfidentes".

 

Outro motivo que ajuda a comprovar esta teoria é o fato de Tiradentes não ter alcançado a mesma estatura intelectual de outros inconfidentes, como cônego Vieira, dono de uma das maiores bibliotecas da Colônia.

 

Tese:

 

Inconfidência Mineira; crítica histórica e diálogo com a historiografia

Autor: João Pinto Furtado, chefe do departamento de História da Fafich 

Orientadora: Maria de Lourdes Mônaco Janotti (USP) 

Defesa: 24 de abril, junto ao programa de doutorado em História Social da USP

Marco Antônio Corteleti