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Livro analisa influência dos jesuítas na formação do pensamento moderno

Cientista político revela como as teorias dos missionários foram incorporadas por Grotius e Hobbes

Diante do desconhecido, o homem vê a necessidade de externar os novos sentimentos que o abordam. Ao se deparar com horizontes ainda obscuros, os olhos, mais do que captar imagens, estimulam inúmeras emoções no observador. Quando desembarcaram em terras brasileiras com o intuito de catequizar nativos, até então à margem dos preceitos católicos, os jesuítas lusitanos buscaram transmitir suas impressões sobre o novo mundo através de cartas. Além de descrever a nova terra, seus escritos continham teorias e pensamentos que, curiosamente, foram absorvidos mais tarde por importantes estudiosos, como Hugo Grotius e Thomas Hobbes.

 

Com o objetivo de desvendar o trajeto percorrido por tais idéias até os filósofos, o professor José Eisenberg, do departamento de Ciência Política da Fafich, escreveu o livro As missões jesuíticas e o pensamento político moderno - Encontros culturais, aventuras teóricas, fruto de sua tese de doutorado, defendida em abril de 1998, na City University, de Nova York, e que será publicado em breve pela Editora UFMG.

 

Para chegar às conclusões do livro, durante três anos o professor pesquisou e analisou aproximadamente 400 cartas, escritas, entre 1549 e 1610, por jesuítas em missão no Brasil e pelos clérigos que permaneceram em Portugal. Para ter acesso à correspondência, Eisenberg foi à Europa, onde investigou o material guardado no Arquivo Romano da Sociedade de Jesus, na Biblioteca Na-cional de Lisboa, e no Arquivo Municipal de Évora, também em Portugal. As idéias presentes nas cartas pesquisadas foram manuscritas por cerca de 100 missionários, a maior parte religiosos que se radicaram nas capitanias da Bahia e de São Vicente. Com a correspondência em mãos, o objeto do trabalho centrou-se na explicação da influência de certas teorias jesuíticas na formação do pensamento político moderno e que foram formuladas a partir do convívio com os índios.

 

Conceitos

 

A partir daí, o pesquisador concentrou-se na análise de dois conceitos, criados pelos jesuítas para explicar aos colegas europeus seu "modo de proceder" com os índios. Um deles diz respeito à noção de direito subjetivo. Utilizado pela segunda geração de jesuítas que desembarcou no Brasil, por volta de 1560, o termo foi amplamente empregado para justificar a escravidão de vários colonos. De acordo com a idéia, os índios detinham os próprios direitos e se deixavam escravizar voluntariamente. O conceito aparece, posteriormente, em trabalhos de Hugo Grotius, que chegou à teoria através do tratado escrito pelo teólogo português Francisco Soares. "Nesse caso, foi mais simples descobrir como o conceito aparece em Grotius, porque sabemos que estudou o tratado de Soares", conta Eisenberg.

 

Já o trajeto percorrido pelo segundo conceito dos jesuítas, que aparece no trabalho de Thomas Hobbes, ainda é desconhecido. "Não sabemos como ele foi parar nas mãos de Hobbes", diz Eisenberg. Tal teoria, também estudada no livro, surgiu da ineficácia do processo de catequização dos primeiros missionários que aportaram em terras brasileiras. Os religiosos - entre eles Manuel da Nóbrega (leia boxe), jesuíta analisado com maior destaque pelo pesquisador - não conseguiram ser eficazes na pregação católica e resolveram pedir auxílio ao governador-geral, Mem de Sá. Para atender aos clérigos, Sá institui a reforma das missões. Segundo o acordo, os missionários poderiam ir às aldeias e, com a ajuda do exército, transferir os nativos para locais próximos aos povoados mais prósperos. O conceito nasce exatamente aí: a guerra contra os índios que não quisessem se deslocar passou a ser considerada justa. "A teoria diz que o consentimento gerado pelo medo é legítimo", explica o professor.

 

Livro: As missões jesuíticas e o pensamento político moderno ­ Encontros culturais, aventuras teóricas 

Autor: José Eisenberg - DCP/Fafich 

Publicação: Editora UFMG 

Previsão de lançamento: Junho de 2000

 

 

 

                                           O ideólogo da guerra justa

 

Um dos protagonistas do livro de José Eisenberg chegou ao Brasil aos 32 anos, nos idos de 1549. Líder do primeiro grupo de missionários que veio ao "novo mundo" catequizar os nativos, Manuel da Nóbrega entrou para a Ordem Jesuítica em 1541. O clérigo lusitano, que foi estudante de Direito Econômico em Coimbra, não chegou a utilizar o conceito do direito coletivo, mas foi um dos principais formuladores da chamada "guerra justa". Nóbrega morreu em 1570.

Maurício Guilherme Silva Júnior