Entrar, permanecer e concluir
UFMG trabalha na consolidação de sua política de assistência estudantil, que é pautada na redução das desigualdades educacionais
Ao chegar à Universidade no início deste segundo semestre letivo, calouros e veteranos vão encontrar um ambiente de discussão sobre assistência estudantil. A Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) escolheu agosto – justamente o período em que a UFMG recebe novo contingente de integrantes – como o “mês da assistência”, com o objetivo de mobilizar a comunidade acadêmica para a consolidação dessa política, que tem como bases o acesso, a inclusão e a permanência.
“A UFMG compreende a assistência estudantil como uma política social orientada pela redução das desigualdades educacionais. Seu pressuposto fundamental é de que o direito à educação pública, de qualidade, só se realiza com a garantia do acesso e da permanência nas instituições de ensino”, observa o reitor Jaime Ramírez.
Por primar pela distribuição equitativa dos bens e recursos públicos, a Universidade define com precisão o grupo ao qual tais recursos se destinam: são os 18,5 mil estudantes em vulnerabilidade econômica, que fazem jus a subsídios em refeições, moradia, transporte, material didático, a bolsas de diferentes naturezas e atendimentos médico e psicológico.
”Consideramos um direito histórico desse público ser assistido pela Instituição, como condição para participar da vida universitária de forma menos desigual e com qualidade: estar, permanecer e concluir sua formação acadêmica”, afirma o pró-reitor de assuntos estudantis, Tarcísio Mauro Vago.
"Nosso intuito, hoje, é elaborar e oferecer suportes nessas três dimensões, de forma transversal, como fruto de um projeto integrado de política institucional"
Contudo, se o aspecto socioeconômico é determinante para a permanência de certos estudantes, “é preciso ir além, para encontrar maneiras de democratizar o acesso a outras ferramentas que dizem muito do sucesso acadêmico – o apoio à pesquisa, à escrita e à leitura acadêmicas e a outros referenciais teóricos e pedagógicos”, defende Jaime Ramírez. Ele destaca que há também alunos que necessitam de ações afirmativas e outros de apoio acadêmico. “Nosso intuito, hoje, é elaborar e oferecer suportes nessas três dimensões, de forma transversal, como fruto de um projeto integrado de política institucional“, esclarece Jaime Ramírez.
O pró-reitor adjunto de Assuntos Estudantis, Rodrigo Ednilson de Jesus, explica que, nos dez últimos anos de debate sobre democratização da universidade brasileira, tem-se pensado muito na dimensão do acesso, com a permanência relegada a um plano secundário. “As instituições que deram um passo à frente nesse aspecto priorizaram a permanência socioeconômica, mas ela tem outros aspectos, também fundamentais”, comenta o professor.
Desafio
Em sua opinião, o momento atual guarda simetria com o de uma década atrás, em que o país começava a discutir, de forma mais consistente, políticas de democratização das instituições universitárias. Na época, a UFMG havia implantado o sistema de bônus, posteriormente substituído pelo de cotas, de abrangência nacional. “Temos hoje o desafio de fortalecer esse modelo de política de assistência e de refinar o olhar para a trajetória do estudante, prestando atenção em outros aspectos que não estavam colocados, como as ações afirmativas, o combate à discriminação e às opressões e o alargamento das possibilidades da própria dimensão acadêmica”, resume Rodrigo Ednilson, que em 2015 ocupou o cargo de coordenador-geral de educação para as relações étnico-raciais na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação.
Ele lembra que atualmente a procura pela assistência estudantil, em termos absolutos, é maior do que nos anos anteriores, mas reitera que a permanência na Universidade vai além da dimensão socioeconômica. “Há outras áreas que precisam ser observadas, para garantir uma trajetória com qualidade. Por isso, é necessário perceber a conexão entre acesso, inclusão e permanência bem-sucedida”, pondera. Segundo ele, em reuniões regulares com representantes das pró-reitorias de Graduação, de Extensão, de Assuntos Estudantis e da Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump) têm sido elaboradas propostas que lançam um olhar ampliado sobre o tema.
A presidente da Fump, Sandra Bianchet, também considera que não bastam ações de inclusão, como a política de cotas garantida pela Lei 12.711/2012. “A inclusão demanda ações de assistência que viabilizam a permanência do estudante no universo acadêmico até a conclusão da educação superior”, afirma a professora, que cita a Prae, na condição de formuladora e gestora de políticas estudantis, e a Fump, “braço” da UFMG encarregado de operacionalizá-las, como cruciais “para minimizar os efeitos das desigualdades sociais e reduzir os índices de retenção e evasão decorrentes da insuficiência de condições financeiras”.
A própria Fump é responsável pela gestão de mais de uma dezena de programas que oferecem suporte material e financeiro para viabilizar a permanência de grande contingente de alunos. Há também ações de suporte financeiro gerenciadas pela Prograd e pela Diretoria de Relações Internacionais (leia mais na página seguinte).
Formações transversais
Um dos desdobramentos desse processo é a oferta regular, desde o primeiro semestre do ano passado, das formações transversais, trajetos compostos por conjuntos de disciplinas tematicamente articuladas que resultam em uma competência específica. “Essas formações refletem o entendimento de que existem saberes que não estão necessariamente dentro do currículo e que podem ampliar a experiência do estudante na graduação”, explica o professor Rodrigo Ednilson.
Ele cita outros exemplos, como o Pronoturno, modalidade específica de bolsa que beneficia alunos dos cursos noturnos com potencial acadêmico diferenciado; edital lançado recentemente pela Prae para fomentar desenvolvimento de projetos de ações afirmativas pelos estudantes; o projeto Percurso discente, da Diretoria de Inovação e Metodologias de Ensino (GIZ), da Prograd, que reúne ações destinadas a apoiar os estudantes no desenvolvimento de autonomia na vida acadêmica; monitorias e tutorias; oferta de oficina de leitura e escrita de textos acadêmicos e de cursos de línguas e fomento à participação no intercâmbio internacional por meio do Programa Minas Mundi.
Desde 2013, a UFMG oferece, a cada semestre, para alunos de todos os cursos, incluindo os de pós-graduação, disciplinas regulares de Inglês para Fins Acadêmicos (IFA) e Português como Língua Adicional (PLA) para estrangeiros. Com 60 horas-aula, somam créditos para o currículo e são ofertadas em cinco diferentes níveis, do intermediário ao avançado, no caso do inglês, e em quatro disciplinas, no caso do português. “A Universidade se antecipou ao programa do MEC e recentemente abriu concurso para professores nessas disciplinas. Isso mostra preocupação com a internacionalização e com a institucionalização dessas ações”, comenta a professora Deise Dutra, assessora de proficiência linguística da DRI.
O professor Tarcísio Vago comenta que a realização da Semana de Saúde Mental, no semestre passado, demonstra a percepção de que o adoecimento é também uma ameaça à permanência bem-sucedida. “Estamos iniciando esse exercício de ampliar a compreensão sobre o que afeta a presença do estudante na Universidade, pois ações de apoio acadêmico precisam avançar mais”, enfatiza Rodrigo Ednilson.
Focalizar para ampliar
No início deste semestre, passam a vigorar os novos critérios adotados pela Fump para classificação socioeconômica de estudantes no nível IV, que será desdobrado em dois subníveis, de modo que os valores das refeições nos restaurantes universitários possam atender especialmente aos estudantes em vulnerabilidade. O objetivo de otimizar os recursos disponíveis para assistência estudantil norteou a readequação nos preços. Relatório do Conselho de Assuntos Estudantis (CAE) da Prae, elaborado com base em dados coletados pela Fundação, indica distorções nos atuais critérios de classificação no nível IV, “que precisam ser corrigidas para que não se comprometa a política de assistência a estudantes economicamente vulneráveis”.
Alunos com renda familiar de zero a um salário mínimo percapita terão redução no valor da refeição para R$ 2 (atualmente pagam R$ 2,90). São atualmente 2.057 estudantes, que correspondem a 26,23% do total de alunos nível IV. Os discentes com renda familiar de um a três salários mínimos per capita continuam a desembolsar R$ 2,90 por refeição. São 4.698 estudantes nessa condição, o que corresponde a 59,9% do total de estudantes nível IV.
Estão garantidas a isenção aos estudantes classificados no nível 1 e a manutenção do valor pago pelos estudantes classificados nos níveis II e III. Eles continuarão pagando R$1.
Os estudantes que apresentarem renda familiar acima de três salários mínimos per capita passam a pertencer à categoria de estudantes não classificados e pagarão preço de custo – R$ 5,60 por refeição –, por não apresentarem situação de vulnerabilidade. Os dados da Fump demonstram que há 1.087 estudantes nessa situação, ou 13,86% do total de estudantes nível IV.
Direito histórico
Segundo Rodrigo Ednilson, o valor de custo da refeição produzida pela Fump é bem menor do que o de outras universidades, sobretudo as que mantêm restaurantes terceirizados, devido ao lucro obtido pelas empresas. “Se o preço para o destinatário final em outras instituições é menor, isso se deve ao fato de que a refeição está sendo subsidiada para todos, independentemente da condição socioeconômica”, alerta.
A Universidade tem o desafio de realizar uma política de assistência que atenue os efeitos das desigualdades provocadas entre nossos estudantes pelas condições social e econômica do país
A vice-reitora Sandra Goulart Almeida observa que há um limite de recursos definido pelo próprio repasse federal, para manutenção de programas de alimentação, moradia e de variadas bolsas. “Nossos recursos são limitados, e estão sendo aplicados prioritariamente para superar os obstáculos ao bom desempenho acadêmico, procurando garantir a permanência e o percurso dos estudantes com necessidades socioeconômicas até a conclusão de sua formação universitária. Daí nossa atenção máxima aos que têm direito histórico à assistência estudantil que a UFMG precisa realizar”, ressalta. Segundo ela, a Universidade tem o desafio de realizar uma política de assistência “que atenue os efeitos das desigualdades provocadas entre nossos estudantes pelas condições social e econômica do país”.
Sandra Almeida enfatiza que a readequação dos preços das refeições também refletirá na assistência à moradia, com redução das taxas para os estudantes classificados nos níveis II e III, e isenção para classificados no nível I. “Percebemos que, com o mesmo recurso, é possível fazer mais, focalizando os estudantes com necessidades socioeconômicas e garantindo que a assistência a eles seja mantida e ampliada. Isso deve ser interpretado como um processo de distribuição de renda”, pondera Rodrigo Ednilson, lembrando que, em um contexto de desigualdades, é necessário adotar ações de equalização e não uma política universalista, cega às diferenças. “O reconhecimento dessas diferenças tem de orientar a política, para que ela gere equidade e não aprofunde a desigualdade”, reitera.