Boletim

Nº 2009 - Ano 44 - 19.03.2018

Entre o remédio e o veneno

Caminhos para a maturidade

Estudo da Demografia mostra como grupos populacionais distintos realizam, no Brasil, a transição para a vida adulta

Na abordagem da psicologia social, o indivíduo torna-se ­adulto quando tem o primeiro filho, assume a responsabilidade por uma família ou começa no primeiro emprego. Mas as formas de fazer a transição para essa nova fase diferem entre grupos da população, de acordo com fatores como gênero e situação socioeconômica. Com base em dados dos censos demográficos realizados a cada dez anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o economista e demógrafo Matheus Menezes dos Santos investigou hipóteses sobre o tema em seu trabalho de mestrado, defendido no mês passado, no Cedeplar. Ele usou dados disponíveis no período 1970-2010. 

Matheus confirmou, por exemplo, que grupos mais vulneráveis do ponto de vista socioeconômico, sobretudo as mulheres, transitam mais cedo para a vida adulta por meio de eventos ligados à formação de família (primeira união ou primeiro filho). “Essa diferença perdeu magnitude entre 2000 e 2010, mas ainda é significativa e alimenta o debate sobre a fecundidade precoce como fator de encurtamento da juventude das mulheres menos favorecidas”, diz Matheus. Ele acrescenta que as mulheres brasileiras mais escolarizadas transitam mais tarde e quase sempre em razão do trabalho, o que as aproxima das mulheres de países desenvolvidos.

De acordo com o pesquisador, o padrão é que homens de todos os níveis socioeconômicos chegam à vida adulta, majoritariamente, via entrada no mercado de trabalho.

Como o Brasil ainda não conta com levantamentos longitudinais –  capazes de prover dados de fluxo (no caso, quantas pessoas fizeram transição), ideais para esse tipo de estudo –, Matheus Menezes explorou metodologias que possibilitaram extrair as características da transição dos dados de estoque fornecidos pelos censos (quantas pessoas há em cada situação). “Usei informações de momentos diferentes para deduzir movimentos familiares e profissionais dos grupos populacionais”, explica o pesquisador.

Uma das motivações de Matheus Menezes para a escolha do tema do mestrado foi o desejo de contribuir para a compreensão das mudanças dos limites entre os ciclos de vida. Segundo ele, à medida que ocorrem mudanças socioeconômicas, institucionais e demográficas, alteram-se as demarcações entre infância, adolescência, vida adulta e velhice.

Escolaridade
Outra das hipóteses confirmadas pelo trabalho de Matheus Menezes é a de que grupos mais escolarizados transitam para a vida adulta mais tarde que aqueles com menos anos de estudo. “Os resultados indicam que o ensino superior se mostrou um importante marcador de diferentes grupos sociais no que diz respeito a padrões de transição, mas não há óbvia relação de causa e efeito, já que uma transição adiantada pelo motivo família, no caso o nascimento do primeiro filho, pode dificultar o acesso do indivíduo ao ensino superior.

Como um dos resultados mais importantes de sua investigação, Matheus cita a confirmação de que, de 1970 a 2010, aumentou o peso para as mulheres da transição marcada pelo ingresso na vida profissional. Ou seja, o padrão feminino de passagem para a vida adulta convergiu para o dos homens. “A análise conjunta dos diferenciais entre homens e mulheres no tempo e dos diferenciais socioeconômicos para 2010 leva a concluir que as mulheres de nível socioeconômico mais alto transitam, sobretudo, via mercado de trabalho, numa idade mais alta”, diz Matheus. “As mulheres menos favorecidas, por sua vez, fazem esse processo via formação de família, em padrão mais jovem”.

Segundo o pesquisador, é possível, portanto, que sempre tenham existido dois grupos e que a convergência do padrão feminino rumo ao padrão dos homens esteja relacionada ao ganho de importância relativa do primeiro grupo em relação ao segundo, o que derrubou a idade média da transição entre as mulheres. Em sua dissertação, ele sugere, para trabalhos futuros, a investigação da hipótese de que as mulheres que transitavam via mercado de trabalho eram justamente as de nível socioeconômico mais baixo, pois elas tinham de contribuir para a renda familiar, e as que transitavam por razões familiares eram as mais favorecidas.

Entre diversos outros aspectos, o trabalho de Matheus Menezes revela que não houve alteração no padrão da transição dos homens quanto à ordem dos eventos. “Desde 1970, pelo menos, eles sempre passaram para a vida adulta por meio da carreira profissional. O que diferenciou a transição dos homens no tempo e entre grupos socioeconômicos foi a idade modal (predominante) para a transição (menor no passado e no grupo de menor nível socioeconômico) e a dispersão da transição (mais concentrada próximo à idade modal no presente e no grupo de nível socioeconômico mais alto)”, escreve.

Dissertação: Heterogeneidade na transição para a vida adulta no Brasil
Autor: Matheus Menezes dos Santos
Orientador: Bernardo Lanza Queiroz
Coorientadora: Ana Paula de Andrade Verona
Defesa: 16 de fevereiro de 2018, no Programa de Pós-graduação em Demografia do Cedeplar/Face

Itamar Rigueira Jr.