Esperança contra a colestase

O que constituímos?

Congresso na Faculdade de Direito vai discutir implicações, desafios e ameaças à Constituição Federal, que completa 30 anos de promulgação

No momento em que celebra seu trigésimo aniversário, a Constituição Federal (CF/88) “sofre ataques vindos de diversos lados”, na avaliação do professor Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, do Departamento de Direito Público da Faculdade de ­Direito. “Embora tenham ocorrido outros movimentos, pode-se dizer que a articulação e a força das atuais investidas são inéditas”, comenta Cattoni, sobre a temática do Congresso 1988 – 2018: o que constituímos?, que será realizado de 2 a 5 de outubro, na Unidade. 

O professor lembra que, antes mesmo da promulgação da “Constituição Cidadã”, em 5 de outubro de 1988, existia uma crítica ao texto elaborado pela Assembleia Nacional Constituinte. “A Constituição nasceu como um espaço de luta política e social. Sua promulgação foi precedida da discussão sobre quem seriam seus autores, que forças a embasariam e que projetos de sociedade seriam levados em consideração. Toda essa disputa permanece até hoje”, observa ele, que é docente titular de Direito Constitucional e coordenador do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito.

O evento, do qual Marcelo Cattoni é um dos coordenadores, vai homenagear Menelick de Carvalho Netto, ex-aluno e ex-professor da UFMG, uma das principais referências no campo do Direito Constitucional brasileiro. Além da apresentação de trabalhos e lançamentos de livros e revistas, a programação inclui conferências e painéis sobre diversos temas. Representação política, resistência às ameaças de retrocesso, refundação da democracia, ativismo judicial e a própria obra de Menelick de Carvalho Netto serão alguns dos assuntos abordados.

Participação popular
Sobre a trajetória de elaboração do texto constitucional, ao longo dos anos de 1987 e 1988, Cattoni destaca o fato de ter sido “a mais participativa da história do Brasil”. Como lembra o professor, diferentemente do que ocorreu em processos constituintes anteriores, o teor da CF/88 não foi fundamentado em um projeto do poder executivo. “O texto foi embasado em audiências públicas realizadas em todo o país, contou com aporte de emendas populares e assinaturas. Setores organizados que representavam a população foram mobilizados. Tudo foi debatido, disputado e votado, artigo a artigo”, salienta.

Por outro lado, alguns grupos conservadores posicionaram-se contrariamente à nova Carta, a qual julgavam ser “excessivamente extensa, analítica e ingovernável”. “Os constituintes buscaram representar um projeto de sociedade sustentado nas lutas políticas pela democracia e pela justiça social. Mas os opositores alegavam que o texto era irrealista, fruto de uma composição de forças políticas e sociais datadas”, diz o professor.

Desconstituinte
Marcelo Cattoni menciona alguns acontecimentos políticos recentes que, em sua visão, caracterizam a atual onda de ameaças aos ideais democráticos consagrados pela CF. É o caso da Emenda à Constituição (EC 95), promulgada no fim de 2016, que estabelece um teto para os gastos públicos por 20 anos. “Trata-se de um enorme retrocesso”, avalia o professor. 

Proposta pelo atual governo como alternativa para reequilibrar as contas públicas, a EC 95, no entendimento de Cattoni, é deletéria para o país porque pretende congelar investimentos nas áreas de saúde e educação, afetando a capacidade do Estado de cumprir compromissos sociais que a própria Constituição estabelece. “É, portanto, mais do que inconstitucional, é uma emenda desconstituinte”, define.

Sessão no Congresso Nacional que promulgou a Constituição de 1988
Sessão no Congresso Nacional que promulgou a Constituição de 1988 Memória EBC / Agência Brasil


Cattoni também lembrou que recentemente um candidato a vice-presidente sugeriu a elaboração de nova Constituição sem participação popular. “Ao longo dos últimos 30 anos, houve várias tentativas de restringir direitos fundamentais e regredir em relação a uma série de conquistas. Felizmente, nenhuma dessas propostas foi vitoriosa no Congresso Nacional”, observa o professor.

O homenageado
O professor Menelick de Carvalho Netto, que vai ministrar a conferência de encerramento do evento (A tensão entre memória e esquecimento nos 30 anos da Constituição de 1988), concluiu, em 1990, o doutorado em Direito na UFMG, onde foi professor de 1991 a 2006. 

Atualmente, leciona na Universidade de Brasília (UnB), com ênfase nas áreas de Direito Constitucional e Teoria do Direito. “Menelick de Carvalho Netto participou ativamente, na UFMG, de uma série de iniciativas acadêmicas importantes, tanto no ensino como na pesquisa e na extensão. Durante o período em que aqui atuou, formou vários professores e contribuiu para a consolidação de uma escola de pensamento no Direito Constitucional brasileiro”, observa Cattoni.

Congresso 1988 – 2018: o que constituímos?
Data: 2 a 5 de outubro de 2018
Local: Faculdade de Direito da UFMG (Avenida João Pinheiro, 100)
Coordenação: professores Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e David F. L. Gomes

Matheus Espíndola