Muito além da sala de aula

Novo paradigma

Formações Transversais propõem percursos que possibilitam ao estudante da UFMG ampliar seu escopo de atuação

A bióloga Júlia de Matos Nogueira e a pedagoga Luana Resende Moreira, graduadas pela UFMG, trilharam percursos acadêmicos que lhes abriram novos horizontes em seus respectivos campos de atuação. Ambas cursaram Formações Transversais – Júlia, em Saberes Tradicionais, e Luana, em Acessibilidade e Inclusão ­– e hoje, em plena atividade profissional, lançam um olhar retrospectivo para dimensionar os benefícios proporcionados por suas opções. “Eu poderia falar horas sobre as Formações Transversais, porque foi uma das melhores escolhas que fiz na vida”, afirma Júlia, que trabalha como coordenadora do setor de guiamento em empresa no Pantanal, em Mato Grosso do Sul. Além das duas formações, há outras seis estruturas do gênero em funcionamento e outras em processo de construção. 

 Instituídas em 2014, as Formações Transversais são opções inovadoras ou incomuns de percurso acadêmico. Elas cumprem o papel de pôr à disposição dos estudantes da UFMG um elenco de atividades que atendam a necessidades e possibilidades emergentes da sociedade e do conhecimento.

A reitora Sandra Regina Goulart Almeida explica que as Formações Transversais quebram regramentos específicos das carreiras e oferecem opções mais flexíveis, ao tratar, já na graduação, de assuntos na fronteira do conhecimento e no estado da arte contemporâneo. “Os cursos são optativos e têm abordagem transdisciplinar, que vai além daquilo que o aluno está habituado a ver em sala de aula. A intenção é ampliar os horizontes, preparando-o para um campo mais amplo de atuação. É também uma forma de garantirmos uma formação cidadã”, diz a reitora.

As Formações Transversais são parte de política institucional cujo objetivo é oferecer uma formação ampla e de excelência, não só do ponto de vista técnico, mas que também busca despertar nos alunos a atenção para grandes temas do país e da humanidade, diz a pró-reitora de Graduação, Benigna de Oliveira. “É muito difícil tratar essas questões do ponto de vista disciplinar. Assim, cada Formação Transversal reúne conjunto de atividades acadêmicas curriculares que compõem um minicurrículo, que envolve temas e docentes de várias áreas do conhecimento”, explica.

O professor Bruno Teixeira, pró-reitor adjunto de Graduação, esclarece que o objetivo é desenhar estruturas curriculares que permitam ao estudante desenvolver trajetórias individualizadas. “Isso assegura a formação técnica de acordo com as diretrizes curriculares de cada área do conhecimento ao mesmo tempo que explora a interface das áreas e oferece ao aluno a possibilidade de seguir interesses próprios, em uma formação que o torna capaz de se destacar profissionalmente por reunir competências, atitudes e habilidades que o distinguem dos demais”, resume.

Foi exatamente esse diferencial em seu currículo que ajudou Júlia Nogueira a conquistar a vaga na empresa em que hoje atua. “A FT foi fundamental em todos os lugares em que já trabalhei, em especial para a atividade que desempenho hoje, que exigia formação em ciências biológicas e contato com comunidades tradicionais (indígenas e o povo pantaneiro). Essa capacidade de entender o modo de vida de comunidades tradicionais e saber lidar com a cultura local foi um atrativo no meu currículo”, reitera. Do ponto de vista pessoal, a bióloga destaca que as matérias cursadas a levaram a descobrir “diversas formas de espiritualidade, de crenças, de medicinas tradicionais e diferentes formas de viver”. 

Júlia: capacidade de compreender as comunidades tradicionais
Júlia: capacidade de compreender as comunidades tradicionais Arquivo Pessoal

Luana Resende Moreira, coordenadora pedagógica em uma escola da rede estadual de ensino, em Ibirité, afirma que a formação em Acessibilidade e Inclusão agregou o aprendizado de atitudes e conceitos que hoje consegue aplicar, com embasamento teórico e metodológico, em sua prática educativa. “Esse curso muda a nossa concepção como profissionais, ajudando-nos a compreender que a escola é um direito da criança e do adolescente com deficiência, que é preciso lutar para que esse direito seja efetivado todos os dias. E muda também a nossa concepção como pessoa, ao vermos que é possível identificar e transformar cada espaço social, para que todos consigam acessar conhecimento, locais de estudo, esporte, lazer e cultura no cotidiano”, analisa.

Luana: educação como direito da pessoa com deficiência
Luana: educação como direito da pessoa com deficiência Arquivo Pessoal

Experiência inovadora

Instituídas em 2014, as Formações Transversais são opções inovadoras ou incomuns de percurso acadêmico. Elas cumprem o papel de pôr à disposição dos estudantes da UFMG um elenco de atividades que atendam a necessidades e possibilidades emergentes da sociedade e do conhecimento. 

Cada um dos diferentes percursos oferecidos sob essa denominação tem um conjunto de atividades que possibilitam traçar percursos formativos não convencionais, bem diferentes do formato tradicional de oferta do conhecimento que vigora desde a última metade do século 20 e caracteriza a grande maioria dos atuais currículos no país.

Até o momento, quase cinco mil estudantes da UFMG já cursaram disciplinas em pelo menos uma das oito Formações Transversais, que podem receber estudantes de graduação e de pós-graduação, bem como pessoas sem vínculo com a Universidade, por meio de disciplinas isoladas. Além das trajetórias em Saberes Tradicionais e Acessibilidade e Inclusão, a cada semestre são ofertadas vagas nas formações Culturas em Movimento e Processos Criativos, Direitos Humanos, Divulgação Científica, Empreendedorismo e Inovação, Gênero e Sexualidade: Perspectivas Queer/LGBTI e Relações Étnico-raciais, História da África e Cultura Afro-brasileira. 

Coordenador da estrutura formativa em Divulgação Científica, o professor Yurij Castelfranchi comenta que as Formações Transversais são uma experiência inovadora no Brasil. “Nos Estados Unidos e no Reino Unido, existe algo parecido, os chamados minors, que são uma formação complementar em determinadas especialidades, enquanto as da UFMG são transdisciplinares”, compara. 

Castelfranchi destaca que, no modelo adotado pela UFMG, estudantes de todas as áreas estudam, juntos, temas que extrapolam suas próprias áreas “e que dão a eles uma ferramenta a mais, poderosa, para seu futuro, pois os ajuda a conectar a sua profissão com questões mais amplas”, pondera. 

Se o modelo de Formações Transversais é pioneiro no país, a formação em Divulgação Científica, que começou a ser oferecida no início de 2016, é também iniciativa única no Brasil, assegura Castelfranchi, que é professor do Departamento de Sociologia, coordenador do Observatório Interdisciplinar Inovação, Cidadania e Tecnociência e membro do comitê gestor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Comunicação Pública da C&T.

Perfis inéditos

O estudante que conclui uma Formação Transversal recebe certificado específico, emitido pela Pró-reitoria de Graduação. Aberta a estudantes de todos os cursos da UFMG, pode ser utilizada para integralizar a carga horária do núcleo complementar prevista nos cursos de graduação, a critério dos respectivos colegiados. As disciplinas de uma Formação Transversal também podem ser cursadas de forma avulsa, para a integralização de créditos do núcleo geral (Formação Livre).

Até o momento, quase cinco mil estudantes da UFMG já cursaram disciplinas em pelo menos uma das oito Formações Transversais, que podem receber estudantes de graduação e de pós-graduação, bem como pessoas sem vínculo com a Universidade, por meio de disciplinas isoladas.

“Acreditamos que as Formações Transversais estão definindo perfis inéditos no Brasil e esperamos que essa diversidade gere novas possibilidades para os estudantes”, diz o professor Ricardo Takahashi, que conduziu na Universidade o processo de proposição de mudanças na estrutura dos currículos de graduação (no período de 2014 a 2017), incluindo a criação das Formações Transversais.    

O contato com conteúdos que não são da sua matriz curricular e com estudantes de outras áreas enriquece a formação e a trajetória dos futuros profissionais, que são cada vez mais demandados a trabalhar em equipes multidisciplinares, observa Benigna de Oliveira. “As Formações Transversais podem contribuir nesse caminho”, enfatiza. 

Na opinião de Yurij Castelfranchi, pode ser grande para a sociedade o impacto de cursos como o de Divulgação Científica. “Temos a chance de criar uma nova geração de divulgadores, de pessoas com sensibilidade para entender a importância de democratizar o conhecimento e com as ferramentas para fazer que a ciência chegue a vários tipos de público”, avalia. 

Para a professora Terezinha Cristina da Costa Rocha, coordenadora da formação em Acessibilidade e Inclusão, toda a comunidade acadêmica tem repensado a recepção e a interação com os colegas com deficiência, “ressignificando as interações nos espaços da Universidade”. Em sua opinião, o grande número de matrículas e a clara aceitação do projeto indicam preocupação e interesse no “outro” como uma pessoa que tem direitos. “E esse foi o nosso objetivo ao elaborar o projeto: pensar uma sociedade democrática, equalizadora de oportunidades, pois é mais do que justo acolhermos as pessoas nas suas diferenças.” 

Estudantes da FT em Acessibilidade e Inclusão: diversidade e novas possibilidades
Estudantes da FT em Acessibilidade e Inclusão: diversidade e novas possibilidades Raphaella Dias | UFMG

Heterogeneidade 

As mudanças provocadas pelas Formações Transversais também levaram os docentes a “repensar sua atuação”, afirma Terezinha Rocha. Esse processo, na avaliação de Yurij Castelfranchi, é “muito valioso”, pois, no cotidiano, a maioria dos professores trabalha com turmas homogêneas. “Dou aula de fundamentos de sociologia, para grupos praticamente inteiros de fisioterapeutas, engenheiros ou psicólogos, por exemplo. A Formação Transversal nos oferece um desafio belíssimo, pois passei a ter, na mesma sala, pessoas acostumadas a falar de coisas muito diferentes, o que me leva a adaptar meu curso para novas formas e discussões”, relata.

A heterogeneidade é, de fato, uma marca das Formações Transversais, como lembra Benigna de Oliveira, pois reúnem professores de diversos campos e unidades acadêmicas – em alguns casos, mais de dez. “É uma característica importante. Para nós, docentes, também é mais uma oportunidade de interação entre campos do conhecimento, agora na área do ensino de graduação”, avalia. A formação em Acessibilidade e Inclusão, por exemplo, que, no seu ano inicial, teve mais de 500 matrículas, congrega 33 docentes, de 11 diferentes unidades acadêmicas.

Ana Rita Araújo