Nano de ouro

Trauma prolongado

Pós-memória, conceito que reflete a relação das pessoas com acontecimentos históricos que não viveram, é tema de exposição e oficinas na Faculdade de Letras

Imagem da igreja luterana de Frauenkirche, bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial
Imagem da igreja luterana de Frauenkirche, bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial Raphaella Dias | UFMG

“Um povo sem memória é um povo sem futuro”. A célebre frase estampada na arquibancada do Estádio Nacional, no Chile, reflete bem a ideia central da mostra História, memória e pós-memória, inaugurada na Faculdade de Letras no último dia 12. Com fotografias, ilustrações, livros e outros objetos que remetem a acontecimentos históricos dos últimos 100 anos, a exposição é uma forma de manter vivo o conhecimento sobre esses traumas coletivos.

A professora Andréa Machado de Almeida Mattos, da Faculdade de Letras, uma das curadoras e a idealizadora da exposição, afirma que o conceito de pós-memória é recente: foi cunhado nos anos 1990, pela pesquisadora romena Marianne Hirsch. A definição nasceu da história familiar da pesquisadora, que emigrou ainda muito pequena para os Estados Unidos, fugindo da perseguição aos judeus.

“A pós-memória, também chamada de memória intergeracional, refere-se à experiência de pessoas como Marianne Hirsch, que não viveram eventos históricos traumáticos, mas compartilham e prolongam as memórias daqueles que estavam vivos e crescidos o bastante para lembrarem-se deles”, afirma Andréa Mattos, que também faz parte desse grupo. Nascida durante a ditadura militar instaurada no Brasil em 1964, a professora traz consigo a pós-memória desse período.

A exposição é uma forma de continuar essas memórias. A ditadura de 1964, a Segunda Guerra Mundial e outros acontecimentos que suscitaram memórias coletivas traumáticas estão representados na mostra. Andréa Mattos destaca os trabalhos da artista plástica e professora húngara Livia Paulini, que vive em Belo Horizonte. A artista sobreviveu ao bombardeio na cidade de Dresden, na Alemanha, em 1945. Livia Paulini mantém a 2ª Guerra Mundial presente em seus trabalhos, como os desenhos da Frauenkirche, a igreja luterana destruída no bombardeio e que ilustra a divulgação da exposição. Além dos trabalhos da artista, a exposição traz uma entrevista com ela, realizada pela estudante Paula Menezes, da PUC Minas.


Filhos da ditadura

A pós-memória é um tema novo na linguística aplicada, campo de estudos de Andréa Mattos. Ela busca entrelaçar esses dois pontos de interesse, mirando especialmente o ensino de línguas. “Fizemos uma relação entre o período militar brasileiro e a formação das identidades dos professores, que hoje estão na sala de aula. Assim como eu, eles nasceram no período militar. Então, qual é a memória que estamos transmitindo aos nossos alunos? Como a nossa identidade de filhos do período militar é constituída?”, reflete.

Para Andréa Mattos, é muito importante, do ponto de vista político, falar sobre pós-memória no Brasil, onde o assunto não costuma receber a mesma atenção que em outros países. Segundo ela, o período militar resultou em muitos silêncios e, com eles, na negação das violações aos direitos humanos. “A Argentina instalou uma comissão da verdade quatro dias depois do término da ditadura militar. No Brasil, levou mais de 20 anos para que isso ocorresse. Tudo isso contribui para que as pessoas se esqueçam. Se essa memória não é mantida, não é preservada, outros vêm e escrevem outras coisas. E quem esqueceu, acredita”, argumenta a professora. 

Além dos vizinhos Argentina, Chile e Colômbia, que também aparece na exposição com as experiências da Comuna 13, em Medellín, outro contraponto à experiência brasileira com a ditadura é a europeia, com o Holocausto. Monumentos, placas e museus espalhados por diversos países do continente não deixam que a violência do período seja tão facilmente esquecida. “Esses lugares de memória são imprescindíveis para que esses acontecimentos não se repitam”, defende a professora.

Oficinas

Algumas oficinas estão sendo realizadas durante o período de visitação da mostra. A primeira, ocorrida na quarta-feira, dia 13, teve como tema Processos de ressignificação da memória em discursos midiáticos sobre o terremoto no Haiti. Outras oficinas estão programadas para este mês: na terça-feira, 19, Denise de Abreu ministra A escrita feminina das guerras modernas: memória e trauma, na sala 3019. Na quinta, 21, o tema será Colonizador, jesuíta ou ditador? – memória, pós-memória e identidade docente no ensino da língua inglesa em um Brasil pós-colonial, sob coordenação de Érika Amancio Caetano, na sala 3061. A última oficina está marcada para 9 de dezembro: Vanderlice Sól falará sobre Memória e ensino: o cinema como recurso didático-pedagógico em prol do letramento crítico, na sala 4063. Todas as atividades têm início previsto para 16h. Não é preciso fazer inscrição prévia.

Além da professora Andréa Mattos, a exposição História, memória e pós-memória tem como curadores os professores Elcio Loureiro Cornelsen e Leandro Rodrigues Alves Diniz e a estudante de mestrado Marina Reinoldes, todos da Faculdade de Letras. A mostra pode ser visitada até 19 de fevereiro, no Centro de Memória da Fale, sempre de segunda a quinta-feira, das 11h às 13h e das 14h às 18h30.

Maria Gabriela Lara