Um caso de amor
Professor do ICB estuda relações de interdependência mantidas entre abelhas e plantas
Para formar frutos e sementes e, dessa maneira, reproduzir-se, a maioria das plantas precisa de animais que polinizam as flores. São muitos os grupos de animais que visitam flores, mas as abelhas são as polinizadoras mais comuns. Há cerca de 20 mil espécies descritas.
As abelhas vão às flores em busca de pólen, que alimenta as larvas, de néctar (alimento para si mesmas e para a prole) e até para coletar óleos florais (que servem de comida para a cria e podem revestir os habitáculos nos ninhos). Abelhas protagonizam inúmeras histórias de interações com flores muito diferentes. As generalistas, como as abelhas sem ferrão ou as de mel, são capazes de explorar alimento em flores de muitas espécies de plantas. As especialistas, por sua vez, podem ter relações muito estreitas com flores de determinadas espécies.
“No caso extremo, interações especializadas podem envolver apenas uma ou poucas espécies de plantas e uma espécie do animal polinizador. Isso significa que um parceiro não sobrevive sem o outro. Esses sistemas de interdependência na reprodução são cientificamente muito interessantes e importantes para o meio ambiente porque frequentemente envolvem espécies ameaçadas de extinção”, explica o professor Clemens Schlindwein, do Laboratório Plebeia – Ecologia de Abelhas e da Polinização, do ICB.
Clemens estuda interações especializadas, como as mantidas entre abelhas e espécies de cactos ameaçados de extinção no Pampa Gaúcho. Pequenos cactos, como da espécie Parodia neohorstii, necessitam, para se reproduzir, da presença de Arhysosage cactorum, espécie de abelha solitária também sob ameaça – segundo o professor, apenas 10% das abelhas são sociais, ou seja, compartilham o ninho, cooperam no cuidado da cria e apresentam divisão de trabalho reprodutivo entre rainhas e operárias.
O objetivo do projeto de pesquisa, financiado pela Fundação O Boticário, é compreender em profundidade interações especializadas naquela região e, dessa forma, contribuir para a preservação das espécies. Doutorandos do ICB têm ido a campo para estudar a polinização desses cactos, o estado de conservação das populações e aspectos como reprodução e nidificação das abelhas polinizadoras.
Outra relação especializada estudada pela equipe de Clemens Schlindwein se dá entre a abelha Actenosigynes mantiqueirensis e a Blumenbachia amana, planta da família Loasaceae. “Esse é um caso extremamente interessante, porque a planta tem uma flor muito complexa, e o acesso ao pólen depende de um mecanismo especial. Quando ingere néctar, a própria abelha estimula a liberação de pólen, lentamente e em pacotes pequenos, e o inseto volta em intervalos breves e regulares para colher esse pólen”, descreve o professor, que se refere à interação especializada como um “caso de amor” entre planta e polinizador.
Gatilhos do declínio
O esforço de investigação das causas e circunstâncias do desaparecimento de populações de abelhas no Brasil e no mundo conta também com a equipe do professor Geraldo Wilson Fernandes, do Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade do ICB. Em conjunto com pesquisadores da USP Ribeirão Preto, da Universidade Federal de Pernambuco e da Embrapa Brasília, o grupo da UFMG desenvolve o projeto Gatilhos do declínio de abelhas no Brasil: microssensores, metagenômica e ecologia da paisagem, que conta com recursos do CNPq.
O objetivo central do projeto, que será encerrado em 2020, depois de quatro anos, é gerar conhecimento sobre a influência de fatores genéticos e ambientais na suscetibilidade da Apis mellifera e de abelhas nativas a doenças. As análises têm-se valido de ferramentas dotadas de novas tecnologias – como avaliação genética de última geração para vírus, bactérias e fungos e microssensores implantados nos insetos para monitoramento de sua localização – e focam fatores como a qualidade do alimento disponível para as colônias, mudanças de temperatura e o contato com agrotóxicos mais potentes.
O objetivo central do projeto, que será encerrado em 2020, depois de quatro anos, é gerar conhecimento sobre a influência de fatores genéticos e ambientais na suscetibilidade da 'Apis mellifera' e de abelhas nativas a doenças.
“O desmatamento para cultivo e outras finalidades fragmenta os territórios, reduzindo as áreas de vegetação nativa e, consequentemente, a quantidade e diversidade de alimentos. No caso dos defensivos agrícolas, eles podem eliminar as abelhas por efeito direto ou provocar desorientação. Alguns produtos atraem e viciam as abelhas, que, muitas vezes, nem conseguem voltar às colônias”, explica Fernandes. O consórcio de pesquisadores colhe amostras em 15 localidades das regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, em áreas agrícolas e cultivadas, produz uma revisão de publicações sobre doenças em abelhas e espera obter respostas para seis mil questionários distribuídos para apicultores de todo o Brasil.
O projeto Gatilhos do declínio de abelhas no Brasil é desenvolvido em sinergia com iniciativa vinculada ao Programa Ibero-americano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento (Cyted) que promove investigação sobre a crise de polinizadores do Brasil, México, Argentina, Espanha, Costa Rica e Honduras. Com o objetivo de medir a importância dos serviços ecossistêmicos da polinização em ambientes naturais e agrícolas e entender a contribuição das áreas naturais protegidas para esse processo, pesquisadores dos seis países reúnem dados sobre as regiões neotropicais e estudam, entre outros aspectos, o movimento de entrada e saída das colônias e as distâncias que as abelhas precisam percorrer para obter alimentos.