No território comum

Sonho de unidade

Em tese defendida no Cedeplar, pesquisador apresenta trajetória da disciplina que está na fronteira entre a economia e a política

Do fim da Segunda Guerra Mundial até a década de 1970, o pensamento econômico dominante anunciava que a eficiência era o resultado de um esforço guiado pela teoria da escolha racional – paradigma que, entre outras coisas, prescrevia para os políticos o papel de executores desinteressados dos planos elaborados pelos economistas. 

“Essa ideia passou a ser contestada quando se entendeu que a mera aplicação dos modelos não gerava o desenvolvimento previsto e que a omissão do processo político deixava incompleta a análise econômica”, comenta o pesquisador Rafael Galvão de Almeida, que é autor da tese Dreaming of unity: essays on the history of new political economy, na qual analisou minuciosamente a trajetória do pensamento econômico iniciada com a mudança de paradigma. 

Rafael Galvão durante a defesa da tese: emergência de novas correntes
Rafael Galvão durante a defesa da tese: emergência de novas correntes Arquivo pessoal

O trabalho se insere no campo de estudo conhecido como New Political Economy (NPE, ou Nova Economia Política), relativo à pesquisa que se localiza na fronteira entre o político e o econômico. A defesa da tese ocorreu no último mês de dezembro, no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), vinculado à Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da UFMG.

Esboço de uma história

O objetivo do estudo foi esboçar uma história da NPE. “A princípio, foquei na nova macroeconomia política, pois ninguém havia feito pesquisa histórica sobre essa tradição. Tentei verificar suas origens e como se relaciona com outras tradições e abordagens”, explica Rafael Galvão.

De acordo com o autor, o paradigma da escolha racional tem como vantagem a capacidade de quantificar observações e fazer previsões com base em modelos matemáticos. “Podemos analisar o comportamento de eleitores, políticos e outros agentes em um modelo rigoroso que viabiliza mensurar, por exemplo, a influência do aumento da renda da população na votação a favor de um candidato a reeleição”, exemplifica. A teoria é alvo de críticas, no entanto, na medida em que, segundo o economista, acaba simplificando demais a complexidade das escolhas humanas.

De acordo com Rafael Galvão, o rompimento com o paradigma ortodoxo foi acompanhado da emergência de outras correntes, como a teoria da escolha pública, que produz um tratamento integrado entre política e economia.

Alguns cientistas defendem a expansão do método econômico para outras ciências, fundamentados na premissa de que a economia como campo de estudo sobre decisões estratégicas e seus impactos na sociedade pode balizar o funcionamento de outros organismos, como a política, a filosofia e a biologia.

“Essa teoria busca entender o comportamento dos políticos e a ação política coletiva com base nas ferramentas econômicas”, detalha. Segundo o pesquisador, a abordagem equipara os políticos a quaisquer outros agentes econômicos. “A política é considerada, dessa forma, um mercado, em que os agentes públicos trocam favores e dinheiro para garantir seu status”, completa. 

Imperialismo econômico

Como explica Rafael Galvão, alguns cientistas defendem a expansão do método econômico para outras ciências, fundamentados na premissa de que a economia como campo de estudo sobre decisões estratégicas e seus impactos na sociedade pode balizar o funcionamento de outros organismos, como a política, a filosofia e a biologia.

“Para vários sociólogos e cientistas políticos, esse ‘imperialismo econômico’ é favorável porque abre suas disciplinas para estudos empíricos mais robustos”, explica Rafael Galvão, ressaltando que a NPE também é uma tentativa de unificar as ciências sociais, distanciadas entre si ao longo dos últimos anos. “Por lidarem com problemas diferentes, as ciências sociais desenvolveram abordagens e linguagem próprias, mantendo-se independentes”, reflete.

Sobre o material de base da sua investigação, o autor sublinha que recorreu, basicamente, à literatura em idioma inglês – principal influenciadora do desenvolvimento da doutrina econômica. “No Brasil, o termo ‘economia política’ normalmente se refere às disciplinas das teorias clássica e marxista, mas, em inglês, é muito mais amplo. Por isso, escrevi a tese nesse idioma”, explica.

De acordo com o autor, a pesquisa em NPE tem atraído pesquisadores talentosos e produzido um bom número de estudos, mas ainda luta para firmar seu lugar na ciência econômica. “O sonho de uma ciência social unificada continua a guiar uma grande quantidade de cientistas. A partir da minha pesquisa, outros estudiosos poderão se interessar pela história da escolha pública e da nova economia política e sua recepção no meio acadêmico, bem como pelo relacionamento da economia com outras ciências”, projeta Rafael Galvão de Almeida.

Tese: Dreaming of unity: essays on the history of new political economy
Autor: Rafael Galvão de Almeida
Orientador: Carlos Eduardo Suprinyak
Defesa: 16 de dezembro de 2019, no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG

Matheus Espíndola