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Sertão, Alemanha, mundo

Fale promove seminário em Cordisburgo sobre tradução de Guimarães Rosa e propõe residência para especialistas em sua obra

Guimarães Rosa era um apaixonado pela cultura alemã. Nascido em Cordisburgo, Minas Gerais, cidade de influência germânica, o escritor elegeu o país europeu como seu primeiro destino fora do Brasil. A mudança ocorre no fim dos anos 1930, ano em que Rosa, com apenas 22 anos, assume o cargo de vice-cônsul brasileiro na cidade de Hamburgo – isso às vésperas de se iniciar a Segunda Guerra Mundial. Foi também naquele país, de 1939 a 1941, que o escritor escreveu seu antológico diário, volume em que anotou impressões do contexto de guerra em que vivia, além de rascunhos ficcionais. Esse “diário alemão” está disponível para pesquisa no Acervo de Escritores Mineiros da UFMG.

As relações do escritor mineiro com o universo germânico serão o eixo da primeira edição do seminário internacional O cosmopolitismo do sertão e as traduções de João Guimarães Rosa, que a Faculdade de Letras vai realizar de 14 a 16 de dezembro, na cidade em que o escritor nasceu. “Será um evento para pôr o país na perspectiva de exportador de uma poética específica, na medida em que promoverá traduções produzidas em contexto mais cosmopolita e interativo”, explica a professora Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa, coordenadora do evento.

Ao levar as discussões sobre as traduções da obra de Guimarães Rosa para o ambiente do sertão, o seminário materializa a premissa criativa sintetizada no título de Grande sertão: veredas, ou seja, de que o mundo e o sertão são, de alguma forma, uma coisa só. “Com o evento, estamos buscando uma abertura epistemológica: a ideia de se promover a tradução a partir do lugar de idealização e materialização da obra”, destaca Virgínia. “Vamos levar o mundo para o sertão e o sertão para o mundo”, afirma a professora da Faculdade de Letras. Nas próximas edições, a intenção é que o seminário trate da receptividade que a obra do mineiro teve ou pode vir a ter em outros países.

Os interessados em participar como ouvintes podem realizar sua pré-inscrição pelo e-mail alberguedoaudaznavegante@gmail.com. As inscrições custam R$ 25 e deverão ser pagas na abertura do evento. As informações estão disponíveis na página do evento.

Monumento na Praça Miguilim, em Cordisburgo, homenageia Guimarães Rosa (no detalhe)
Monumento na Praça Miguilim, em Cordisburgo, homenageia Guimarães Rosa (no detalhe) Everaldo Vilela/CC BY-NC-SA

Programação

A conferência de abertura será ministrada pelo alemão Berthold Zilly, professor visitante na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Zilly se dedica a nova tradução de Grande sertão: veredas para o alemão, e o esforço conta com subsídio do CNPq. Em sua conferência, o tradutor vai falar sobre os bastidores desse desafio, que vem enfrentando já há alguns anos.

Stefan Wilhelm Bolle, professor de literatura da Universidade de São Paulo (USP), vai abrir as atividades do segundo dia de evento, com a conferência Refazendo a pé a travessia do sertão por Riobaldo. No dia seguinte, sábado, 16, será a vez de o geógrafo Heinz Dieter Heidemann, também professor da USP, ministrar a conferência Habitar o sertão. Todas as conferências ocorrerão na parte da manhã. Durante as tardes, haverá mesas dedicadas ao cosmopolitismo de Guimarães Rosa e suas traduções, com participação de pesquisadores de diferentes instituições.

Além da programação científica, o evento promoverá um curso gratuito de introdução à língua alemã, que será ministrado em Cordisburgo pelo Centro de Extensão (Cenex) da Fale, com foco na população local. “A ideia é oferecer anualmente, durante o evento, cursos de línguas de países que traduziram a obra de Guimarães Rosa ou parte dela”, explica Georg Otte, também professor da Fale, que divide com Tereza a coordenação do seminário. Para participar do curso, os interessados devem escrever, no campo “assunto” do e-mail de pré-inscrição, a frase “Desejo me inscrever também no curso de Introdução à língua alemã”.

Tradutores no sertão

Guimarães Rosa sabia das dificuldades que qualquer tradutor enfrentaria para converter suas obras para outras línguas. Em razão disso, trocou numerosas cartas com seus tradutores estrangeiros, na expectativa de ajudá-los a compreender as sutilezas da localidade narrada em seus livros, os detalhes das pronúncias regionais, as particularidades de sua sintaxe criativa, as especificidades de seu léxico. Tradutores da Itália, Inglaterra, Alemanha, França e Espanha, por exemplo, responderam a essas missivas, que revelam o quanto a proximidade com o universo de Rosa pode colaborar com a tradução de seus livros.

Em razão dessa particularidade, um dos objetivos do seminário é criar condições para a futura instalação, em Cordisburgo, do Albergue do audaz navegante, espécie de casa de acolhimento para pesquisadores e tradutores da obra do escritor mineiro. A proposta é que essa residência seja capaz de receber os pesquisadores interessados em desbravar in loco o sertão e sua cultura. “Estamos buscando formas de subsidiar a construção desse espaço, em diálogo com a administração pública de Cordisburgo, com entidades internacionais e com a própria UFMG”, adianta Tereza Virgínia.

[Versão condensada de matéria publicada no Portal UFMG, em 28/11/2017]

Ewerton Martins Ribeiro