Mozart no dentista

Quentinha sustentável

Pesquisa do Departamento de Química transforma resíduos de marmitex em combustível e material para tratamento de efluentes

Todos os meses, o presídio Inspetor José Martinho Drumond, localizado na cidade de Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte, gera mais de quatro toneladas de alumínio. O metal, resto das embalagens térmicas em que são servidas as refeições de mais de dois mil presos que cumprem pena no local, costuma ser descartado nos aterros sanitários e demora mais de 200 anos para se decompor no ambiente.

Reator usado na pesquisa: escala laboratorial
Reator usado na pesquisa: escala laboratorial Luana Macieira

Preocupado em encontrar uma destinação mais sustentável para as embalagens das marmitas dos presos, o agente penitenciário Ricardo Luiz Nascimento realizou testes preliminares em um laboratório do presídio. Diante dos bons resultados iniciais, o agente procurou o Departamento de Química da UFMG em busca de tecnologia capaz de aproveitar o resíduo de alumínio gerado pelo presídio.

“No laboratório do presídio, Ricardo chegou a uma reação que produzia gás hidrogênio. A partir dos seus primeiros testes, decidimos desenvolver o estudo químico das reações. Assim, poderíamos descobrir o que fazer com os resíduos de marmitex do presídio”, conta a pesquisadora Thaís Helena de Oliveira Norte, estudante de mestrado do Programa de Pós-graduação em ­Química e participante do projeto que estuda o reaproveitamento do alumínio do marmitex. 

Sob a coordenação do professor Rochel Montero Lago, a equipe, que também conta com as estudantes de graduação em química Maria Duarte e Isabelle Lombardi, conseguiu desenvolver uma reação na qual o alumínio, depois de tratado, produz gás combustível e um composto químico capaz de tratar água e efluentes industriais.“O grande problema do alumínio do marmitex é que os resíduos de gordura e restos de alimentos dificultam a sua reciclagem. Era o nosso principal desafio, uma vez que deveríamos reaproveitá-lo sem que, para isso, fosse necessário usar água, o que tornaria o processo caro e demorado”, explica Thaís. 

Misturado ao alumínio, o reagente produz hidrogênio, gás que pode ser coletado e usado como combustível, e um composto de alumínio, coagulante com capacidade para tratar efluentes

A equipe percebeu que, por meio de uma reação química, o alumínio poderia ser transformado. Inicialmente, o marmitex é triturado até ser transformado em pequenos pedaços de alumínio. Depois, o material passa por uma espécie de limpeza térmica, que ocorre por meio de aquecimento a uma temperatura aproximada de 350 ºC. Por fim, o material é levado a um reator, onde ocorre a mistura entre alumínio e uma substância  reagente especial. “Misturado ao alumínio, o reagente produz hidrogênio, gás que pode ser coletado e usado como combustível, e um composto de alumínio, coagulante com capacidade para tratar efluentes”, explica a pesquisadora. O gás resultante pode ser armazenado e usado como combustível de veículos, em fogões e no aquecimento de chuveiros. O coagulante à base de alumínio atua na disposição de resíduos sólidos de estações de tratamento de água em suspensão, facilitando a limpeza desses efluentes.

Do laboratório para a indústria

Os testes realizados no laboratório do Departamento de Química resultaram em um processo rápido e eficiente para o reaproveitamento das embalagens térmicas descartáveis usadas nos presídios, mas a pesquisadora ressalta a necessidade de investimentos para que a tecnologia seja aplicada de forma mais ampla.

Thaís de Oliveira: processo de reciclagem prescinde de água
Thaís de Oliveira: processo de reciclagem prescinde de água Luana Macieira

“Fizemos as reações, caracterizamos o processo e realizamos testes de eficiência, mas tudo em âmbito laboratorial. Buscamos agora investimentos para que o processo possa ser feito em reatores com maior capacidade. Queremos que ele seja desenvolvido em escala industrial, para que o alumínio do marmitex tenha um destino sustentável”, afirma Thaís de Oliveira. Ela informa que a reação produzida é rápida e barata. “É um processo bom para a natureza, pois deixamos de gerar uma grande quantidade de lixo que demoraria séculos para desaparecer do ambiente”, explica.

A mestranda acrescenta que o projeto comprova a importância da química ambiental, área que busca aliar química e desenvolvimento sustentável. “O projeto exemplifica a preocupação da química ambiental em conferir utilidade àquilo que é visto como rejeito, algo inicialmente descartável. Queremos proteger o meio ambiente por meio do reaproveitamento, da reutilização e da reciclagem”, conclui Thaís de Oliveira. 

Luana Macieira