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Nº 18 - Ano 9 - 05.08.2010

Web e redes sociais

A onda fake

Necessidade de criar personas e exercitar papéis sociais diversos favorece proliferação de perfis falsos

Wiill Tuner Stronda e Fanne Marques casaram-se no dia 24 de abril e estão construindo uma vida de felicidade e amor. Eles estão muito apaixonados e Fanne já adicionou o “Tuner” do marido a seu sobrenome. Até aí, tudo bem, não fosse o fato de que o casal não se conhece: o casamento foi registrado em uma rede de relacionamentos da web. Estranho? É o que tem acontecido com frequência na comunidade do Orkut Cartório Fake, da qual fazem parte quase 800 perfis falsos ou, simplesmente, fakes. 

Fenômeno em expansão, a criação de perfis falsos em redes de relacionamento da web, como Orkut e Twitter, torna cada vez mais comum a oficialização de casamentos, divórcios, óbitos e nascimentos nas comunidades de cartórios virtuais, que já têm, juntas, mais de quatro mil fakes cadastrados. Esse novo – e excêntrico – tipo de relacionamento, possibilitado pelas redes sociais do mundo digital, tem chamado a atenção de especialistas. 

“As pessoas gostam de ter novas experiências e percebemos que, hoje, o mundo virtual potencializa a dimensão da criação de tais perfis, possibilitando essa experimentação”

Segundo Cíntia Dal Bello, doutoranda do Programa de Pós-Graduação de Comunicação e Semiótica da PUC-SP e coordenadora do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Nove de Julho, de São Paulo, é da natureza do ser humano a criação de personas e o desempenho de papéis sociais diversos. “As pessoas gostam de ter novas experiências e percebemos que, hoje, o mundo virtual (ou ciberespaço) potencializa a dimensão da criação de tais perfis, possibilitando essa experimentação”, afirma. Isso porque vivenciar um perfil diferente é muito mais fácil na web, onde o indivíduo não precisa arcar com as responsabilidades de seus atos – ao menos do modo como acontece na vida real. 

De fato, o ambiente virtual permite uma série de facilidades, como a rapidez e o anonimato, que aprofundaram a realização de novas experiências a partir da criação de perfis falsos. Assim, os fakes mascaram identidades publicamente conhecidas e convidam à encenação de novas personas, que interagem entre si de forma diferente. Para Dal Bello, o ciberespaço é um ambiente que estabelece conexões. “E estar conectado fascina o ser humano”, acrescenta a pesquisadora. Daí o surgimento, segundo ela, de uma série de relações superficiais e fugazes dentro das redes virtuais. 

A pesquisadora explica que um indivíduo cria seu perfil na web com o objetivo de se projetar e se permitir a ver, mas também com o intuito de especular sobre a vida alheia e “consumir o outro” por meio das redes. “O Orkut, por exemplo, tem a ver com a ideia do espelho: crio um perfil para ser um reflexo melhorado de mim mesma, para mostrar uma boa imagem para os outros”, analisa. Trata-se da lógica do espetáculo, em que cada um projeta um show particular de si mesmo, ao mesmo tempo em que está bisbilhotando a “vida-show” de outras pessoas.

Usuária assídua das redes de relacionamento virtuais, a estudante Danielle Pinto, 21 anos, tem um perfil fake no Twitter e interage com vários outros na rede. “Nossa relação é de brincadeira, mais ou menos de acordo com o que acredito ser a proposta do fake”, conta. Sobre as conexões temporárias, a estudante explica: “É tudo uma grande bobagem, eu sei, mas do que eu mais gosto no Twitter é justamente a possibilidade de encontrar diversão e pequenas doses de informação em um mesmo lugar, na interação com os outros”.

"Adoro os perfis falsos, mas eles só são divertidos se a gente não leva muito a sério."

Além do Twitter, Danielle também tem contas no Orkut, Last.FM, MSN, Facebook, Flickr e Picasa e mantém um blog pessoal. Da lista de perfis que ela “segue” no Twitter, os fakes se destacam. “Adoro os perfis falsos, mas eles só são divertidos se a gente não leva muito a sério”, comenta. Um exemplo interessante no Twitter, lembra, é o perfil de “OCriador”, que se autodenomina “onipresente, onisciente, onipotente e on-line”. Esse perfil, que tem mais de 250 mil seguidores na rede, posta mensagens diárias como se fosse Deus, o “fake supremo”. 

Múltiplas facetas  O “fake divertido”, contudo, não é sempre o mais encontrado nas redes de relacionamento. Outro tipo bastante comum é o “fake do mal”, assim conhecido por enviar vírus e causar diversos tipos de constrangimentos aos usuários do ambiente virtual. 

Cíntia Dal Bello estuda essas múltiplas facetas do “fenômeno fake” e afirma que os perfis falsos podem ser categorizados em quatro tipos principais. O primeiro seria o chamado “fake máscara”, em que o usuário expressa o que realmente pensa sem ter que assumir as consequências, já que sua identidade publicamente conhecida está “mascarada”. Esse tipo publica opiniões na rede, mas sem se revelar. 

A segunda categoria é o “fake fantasia”. Trata-se do perfil de uma pessoa que busca, simplesmente, um espaço alternativo para socialização, através da criação de um personagem, que pode ser um super-herói, uma celebridade, ou mesmo uma identidade inventada. “É um tipo de fake mais inofensivo, criado apenas para desfrutar de um universo paralelo, de outra dimensão”, explica. É o caso de Wiill e Fanne, que criaram relações e se associaram em famílias com outros fakes para viver uma realidade paralela.

O terceiro tipo pode ser categorizado como “fake para despistar”. É o caso de uma pessoa com informações verdadeiras em seu perfil e apenas nome e foto falsos. “Esse tipo refere-se a pessoas que querem encontrar seus amigos, mas sem se expor no ambiente virtual, para não prejudicar aspectos da vida profissional”, exemplifica Dal Bello. Nesses casos, o usuário cria um rótulo fake para “burlar” a plataforma. Sabendo que suas informações podem ser acessadas e rastreadas a qualquer momento, ele usa o fake como mecanismo de autoproteção.

"Buscar a diferença entre o falso e o verdadeiro na internet atual é quase impossível. São fronteiras cada vez mais tênues, e é complicado delimitar com precisão."

A quarta – e última categoria – é o “fake sombra”, um perfil “do mal”. O indivíduo esconde-se sob o fake para não assumir as responsabilidades por suas ações malignas contra outras pessoas. Para a doutoranda, esse fake é um fantasma sem rosto que causa verdadeiro terrorismo emocional na plataforma digital. “Em minhas pesquisas, percebo que, quando uma pessoa sofre ataque de um fake, por trás daquele perfil está, provavelmente, alguém que ela conhece bem. Isso porque um fake não faria um ataque se não pudesse acompanhar de perto as consequências de suas provocações no dia a dia da vítima”, argumenta.

Apesar de toda essa categorização, Cíntia não conhece um estudo que delimite a quantidade de perfis falsos existentes nas redes de relacionamento: “Depois de todas as minhas pesquisas, percebo que buscar a diferença entre o falso e o verdadeiro na internet atual é quase impossível. São fronteiras cada vez mais tênues, e é complicado delimitar com precisão.” 

Luiza Muzzi Almeida