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Nº 18 - Ano 9 - 05.08.2010

Web e redes sociais

Crimes virtuais, danos reais

Crescimento das redes sociais torna mais complexo o debate sobre anonimato e limites entre público e privado

Fenômenos de popularidade, as redes sociais Orkut e Facebook atingem a casa dos milhões de usuários ao redor do mundo. São pessoas expondo e compartilhando enorme quantidade de informações diariamente, por meio da criação de contas e da disponibilização de dados pessoais. Diante desse enorme fluxo e com a criação de novas formas de exposição e relacionamentos, outra expansão ligada às redes sociais vem sendo observada: a dos crimes e atividades ilícitas.

A associação SaferNet Brasil, instituída para servir como entidade de apoio ao combate aos crimes cibernéticos contra os direitos humanos, registrou, no segundo semestre de 2009, cerca de 32 mil denúncias de atividades ilegais cometidas através do Orkut. No fórum de ajuda criado pelo Google para responder a dúvidas sobre sua rede social, o tópico Abuso contém quase 10 mil discussões. O Orkut é o campeão de denúncias feitas à Delegacia Especializada na Investigação de Crimes Cibernéticos da Polícia Civil de Belo Horizonte (DEICC), seguido de perto pelo Facebook.

“Esses crimes são cometidos a partir da criação de perfis falsos e da divulgação de conteúdos ilícitos, como fotos e comentários indiscretos que expõem outra pessoa”,

A diversidade de crimes cometidos cresceu proporcionalmente ao aumento do alcance dessas redes. Em suas pesquisas, o advogado Alexandre Atheniense, especialista em Direito de Informática, catalogou cerca de 20 modalidades de atos ilegais praticados na internet e que sofreram algum tipo de punição pela Justiça brasileira. De acordo com ele, a atividade ilícita mais praticada por meio das redes sociais é a difamação, seguida pela injúria e pela calúnia. “Esses crimes são cometidos a partir da criação de perfis falsos e da divulgação de conteúdos ilícitos, como fotos e comentários indiscretos que expõem outra pessoa”, explica.  Os dados apresentados pelo delegado da DEICC, Pedro Paulo Marques, confirmam essa liderança. “As violações contra a honra cometidas no Orkut e no Facebook são bastante significativas. De uma média de oito denúncias diárias que recebemos em nossa delegacia ligadas a essas redes, cinco, em média, tem caráter difamatório”, afirma.

Além desses crimes, Alexandre Atheniense revela que outras modalidades recorrentes são a pedofilia e a divulgação de conteúdos de apologia à violência ¬ como os posicionamentos favoráveis à prática de bullying, ao uso de armas e de drogas. O delegado Bruno Cabral inclui na lista a pornografia infantil, crimes contra o patrimônio, constrangimento ilegal e falsidade ideológica. 

Ilustração
Arthur Almeida

O sequestro de dados de usuários através de links corrompidos ou da apropriação de contas de outras pessoas também é bastante comum. Segundo o professor Virgílio Almeida, do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, que lidera um grupo que investiga a prática de disseminação de links corrompidos, há duas modalidades comuns desse tipo de crime. A primeira delas refere-se aos ataques tradicionais – a propagação de malware, spam e phishing – que têm atormentado os usuários da internet há muitos anos. “Atualmente, essas práticas foram adaptadas para tirar vantagem das propriedades originais de comunidades on-line”, aponta. Através desses links corrompidos, os criminosos conseguem se infiltrar em contas legítimas, de forma que o hacker passa a ter controle sobre elas. Após infectar o perfil de um

usuário, o invasor utiliza-o para espalhar o link corrompido, mandando-o para a lista de amigos. Assim, fica parecendo que os links postados são de pessoas de confiança e os outros usuários não percebem que são prejudiciais. A segunda modalidade de ataque surgiu a partir da própria estrutura dessas comunidades:  são os perfis e e-mails falsos. “Esses crimes são cada vez mais generalizados e difíceis de detectar”, afirma Almeida.

Falso anonimato  Dados levantados pelo Google demonstram que o Brasil é o campeão de pedidos de remoção de conteúdo e de exposição de informações sobre usuários do Orkut. “Os crimes nas redes sociais têm recorrência muito grande no país, porque o brasileiro as utiliza achando que está amparado pelo anonimato e que não existe lei ou punição para eles”, afirma Atheniense. “Muitas pessoas que não têm coragem de praticar atividades ilícitas no mundo real acabam cometendo no mundo virtual”, confirma o delegado Pedro Marques, da Delegacia de Crimes Cibernéticos.  

No entanto, contrariando as crenças dos criminosos virtuais, a maioria dos crimes praticados nos ambientes do Orkut e do Facebook tem correspondência com o mundo real, com sanções previstas pelo Código Penal Brasileiro. A lei define, por exemplo, para os crimes de honra, como a difamação, a calúnia e a injúria, punições que vão de um mês a um ano de detenção ou multa. “Quem pratica esse tipo de crime geralmente é réu primário. Então, quando ocorre essa denúncia, o que acontece é a perda dessa condição primária e a aplicação de multa. Dificilmente a pessoa será presa”, explica Atheniense. Mas o advogado afirma que, na maioria dos casos em que são realizadas denúncias desse tipo aos órgãos de justiça, o responsável pelo crime é descoberto e sofre algum tipo de sanção.

O fake ganha capítulo especial nessa história. Afinal, a criação de um perfil falso, em si, não configura crime. “O modo de agir de um perfil falso é que pode se configurar como ato ilícito”, pondera a advogada Tatiana Torres, ressaltando a dificuldade de se provar a associação entre fake e crime. “Pode-se descobrir o IP da máquina daquele fake, mas, mesmo assim, trata-se de uma investigação complicada, já que é difícil levantar provas que levem à real identidade do criminoso.”

Apesar de ainda não haver legislação própria, a questão vem sendo debatida com frequência entre profissionais do Direito e já existem propostas de legislação para crimes digitais. É o caso do Projeto de Lei 89/03, de autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB), que prevê a criação de 13 tipos penais para  permitir a punição de práticas ilícitas na internet. O projeto, que define como crime, entre outros, o armazenamento de imagens com conteúdo pedófilo, tem gerado discussões acirradas sobre liberdade de expressão na web.  

Porém, enquanto tais projetos não se consolidam, os advogados sugerem atitudes que devem ser tomadas pelas vítimas de crimes digitais, principalmente em relação ao “fake do mal”. Inicialmente, recomenda-se imprimir as telas do perfil falso, a fim de comprovar o conteúdo veiculado. Em seguida, é preciso fazer denúncia diretamente ao site, relatando o ocorrido – Orkut e Twitter possuem canais específicos para isso; caso considerem que a prática viola seus termos de uso, o perfil será excluído imediatamente. Se, ainda assim, o conteúdo ofensivo permanecer no ar, a vítima poderá enviar notificação extrajudicial ao site, informando sobre o ato ilícito, indicando os links e solicitando a exclusão definitiva do material. Por fim, o usuário poderá mover ação judicial, entrando em contato com delegacias especializadas.

Protegendo o quê?  

Diante da pressão de alguns órgãos públicos e do grande volume de atividades ilícitas, o Google e o Facebook tiveram que desenvolver configurações que permitissem aos usuários proteger alguns dos conteúdos que disponibilizam nos perfis. Dessa forma, recados, mensagens, fotos e outros dados podem ficar visíveis apenas para amigos. O técnico em segurança digital Daniel Rocha explica que essa adaptação é resultado do crescimento das redes sociais. “As próprias empresas, quando tiveram a ideia de criar essas redes de relacionamento, não esperavam que elas fossem atingir essas proporções. Por isso não pensaram na questão da privacidade”, afirma. Segundo ele, o próprio objetivo da rede social, que é o de promover relacionamentos, leva as pessoas a disponibilizar informações que, para o criminoso virtual, são muito interessantes.  

Para Pedro Paulo Marques, as configurações de privacidade são uma faca de dois gumes. “Elas tanto podem servir para proteger a privacidade dos usuários e impedir que suas informações sejam visualizadas por estranhos, quanto para esconder as atividades ilícitas”, explica. Mas, diferentemente do que se pode pensar, o delegado afirma que essas configurações não tiveram influência importante no volume de crimes cometidos pelas redes sociais. 

O motivo pelo qual as configurações de privacidade não fazem tanto efeito na prevenção a crimes virtuais é o fato de se caracterizarem como medidas tomadas como resposta a algum tipo de atividade ilegal já cometida e contra a qual foi necessário tomar providências, para evitar sua recorrência. “O criminoso virtual vai existir independentemente dos mecanismos de segurança, que  estão sempre um passo atrás das novas formas de atividades ilícitas”, explica Daniel Rocha. 

A busca do equilíbrio  

O debate sobre segurança nas redes sociais esbarra em um ponto fundamental: como equilibrar manutenção da privacidade com a exposição que os relacionamentos por meio dessas redes exige? “O limite entre público e privado é o maior desafio. As redes sociais, de um lado, exigem certo compartilhamento de informações, porque se baseiam numa relação de troca entre as pessoas. Por outro lado, as empresas precisam garantir que as informações não serão utilizadas para outros fins que não os especificados pelas políticas de privacidade”, aponta o professor de Ciência da Computação da UFMG Virgílio Almeida. 

Quando aderem às redes sociais, como Orkut e Facebook, os usuários têm que concordar com uma política de privacidade. Ela explica como são tratadas as informações pessoais, as responsabilidades da empresa para com essas informações e as normas sobre seu uso e partilhamento, inclusive as opções que os usuários têm para restringir a visualização de dados. No entanto, mesmo supostamente tendo aceitado esses termos e as explicações, muitas pessoas não sabem até que ponto suas informações nas redes estão expostas ao olhar público, aos órgãos de justiça e ao controle das redes sociais. 

Para Alexandre Atheniense, está claro que, quando decidem colocar determinadas informações em seus perfis, os usuários assumem que elas são públicas. “Por isso, aconselho a restringir as informações pessoais e habilitar as configurações de privacidade. Muitos adoram se exibir, mas nem sempre conseguem estabelecer limites para a exposição”, afirma o advogado.  

Colaborou Luiza Muzzi Almeida*

Denise Teixeira*