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Nº 18 - Ano 9 - 05.08.2010

Web e redes sociais

“Nunca foi tão fácil produzir conteúdo”

Entrevista: Berthier Ribeiro Neto

Há um abismo entre o acesso à internet e o uso das redes sociais no Brasil. De acordo com levantamento do Ibope Nielsen, apenas 23% dos brasileiros possuem infraestrutura de conexão à  rede mundial de computadores, mas o povo brasileiro é o que passa mais tempo na frente de um computador – 45 horas mensais

Professor do Departamento de Ciência da Computação da UFMG e diretor da Google  para a  América Latina, Berthier Ribeiro Neto diz que o fascínio do brasileiro pela internet tem a ver com a sua própria identidade de povo socializante. Nesta entrevista, Berthier comenta a ainda incipiente produção de conteúdo em língua portuguesa para internet, a tendência de personalização de serviços pela web e o papel da telefonia celular na superação da barreira digital.

 O brasileiro é o povo que passa mais tempo on-line. O que o usuário brasileiro busca na internet?

O uso da internet pelos brasileiros demonstra um perfil de usuário bastante sofisticado, que compra, se informa, se diverte e, principalmente, interage com outras pessoas no ambiente on-line. Aliás, o uso social da web é sem dúvida o grande diferencial  do internauta brasileiro em relação a seus pares mundo afora. A popularidade de plataformas como Orkut, Twitter, Flickr, Picasa e YouTube no Brasil supera a média mundial.

Em sua visão, que papéis as redes sociais exercem na sociedade contem-porânea?

Elas são a replicação e amplificação dos nossos círculos de amizade. Os laços que temos com amigos da escola, trabalho, a turma do bairro, a família etc. Naturalmente, com a diferença que as nossas interações com esses diversos grupos não estão sujeitas às mesmas limitações de tempo e espaço. Por meio das redes sociais, eu posso contar e saber das novidades, trocar fotos, vídeos e outras coisas com amigos que me são caros, independentemente da regularidade com que os vejo pessoalmente.

Segundo pesquisa do Ibope Nielsen em abril de 2009, 80% dos brasileiros que navegam na rede estão ligados a sites de relacionamento. O que explica o sucesso desses sites aqui no Brasil?

Não há uma única causa, mas um conjunto de fatores. De um lado, o traço socializante que identificamos no brasileiro, conforme falei anteriormente, mas há também o fato dessas redes terem aparecido no momento de maior explosão de penetração da internet no Brasil. Isso atraiu um novo perfil de usuário, menos acostumado com a web, mas que identifica de imediato o valor da rede social. Além disso, temos o efeito dominó: um amigo indica para outro amigo que chama mais alguns amigos, e em pouco tempo, temos uma grande cadeia de relacionamentos estabelecida.

O Brasil está entre os maiores geradores de conteúdo on-line. Como o senhor interpreta esse uso excessivo das ferramentas oferecidas pela internet?

Não concordo que o brasileiro produza muito conteúdo, ao contrário, ainda há carência de conteúdo de língua portuguesa na web. A internet se torna mais rica quanto mais conteúdo local, relevante e de interesse das pessoas é gerado e disponibilizado on-line. Sobre a qualidade, os próprios usuários vão naturalmente selecionando o que é mais relevante, na medida em que recomendam a amigos, fazem links e comentam um conteúdo original. Esses conteúdos vão subindo no ranking dos buscadores e se tornam mais acessíveis, empurrando os menos interessantes para baixo. As ferramentas de publicação de materiais por usuários são responsáveis por essa explosão de uso, que tem levado ao aumento da penetração da internet.

As redes sociais inauguraram uma era em que não há um único gerador de conhecimento, mas vários, como acontece no Orkut e na Wikipédia. O que muda a partir dessa nova relação?

Essa revolução à qual se convencionou chamar de Web 2.0 está no cerne da grande explosão de geração de conteúdo e, consequentemente, atrai mais e mais usuários, estimulando um círculo

virtuoso de crescimento. Nunca foi tão fácil produzir e publicar conteúdo na história da humanidade.

Os sistemas virtuais estão se aprimorando na personalização dos seus serviços. É uma demanda do usuário ou uma “proposição” do próprio universo virtual?

A razão básica é uma necessidade constante de evolução dos serviços e aplicativos na web de modo a melhor atender ao usuário. Se há informações disponíveis sobre preferências do usuário por certos tipos de serviços e produtos, é claro que a utilização criteriosa dessa informação pode qualificar a oferta do serviço. O desafio é fazer que essa tentativa de personalização consiga levar informação de interesse do usuário sem ser invasiva.

Estatísticas mostram que há mais celulares do que habitantes no Brasil. Como a disseminação de aparelhos telefônicos móveis interfere na relação entre o usuário e suas redes sociais?

Os celulares supriram uma carência histórica de comunicação no Brasil. Não quero aqui repetir o chavão de que o Brasil tem dimensões continentais, mas o fato é que as nossas distâncias  geralmente estão na ordem de grandeza de centenas de quilômetros. Portanto, há, de um lado, a necessidade de comunicação telefônica entre as pessoas e, de outro, o desafio de estender fios por todo o território nacional. De toda forma, a instalação de telefones fixos nunca acompanhou o ritmo do crescimento populacional.

O que falta para o Brasil vencer a barreira da inclusão digital?

Um dos fatores que mais pesam ainda são os custos envolvidos – dos equipamentos, dos computadores e da linha de acesso à Internet. Os preços dos computadores têm caído, mas ainda são uma barreira. A chegada de novos dispositivos, como os netbooks, mais baratos e portáteis, pode ajudar. Naturalmente, a popularidade crescente dos celulares de última geração, que permitem acesso à web com muito maior comodidade e naturalidade, deve reverter um pouco esse quadro, particularmente se os pacotes de dados ficarem mais acessíveis. Em um futuro não distante, teremos mais pessoas acessando a web por meio de aparelhos móveis do que via computadores.

Juliana Afonso