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Nº 18 - Ano 9 - 05.08.2010

Web e redes sociais

Do face a face ao facebook a facebook

Ou como a internet transforma as relações sociais

“O cérebro eletrônico faz tudo, faz quase tudo.” Conhecida canção de Gilberto Gil, Cérebro eletrônico foi composta em 1968, quando ter um computador em casa nem era cogitado pelas pessoas. Tal realidade torna-se ainda mais distante quando se trata do Brasil, país aonde a internet só chegou em 1991, através da Rede Nacional de Pesquisa, então limitada ao meio acadêmico. De lá para cá, muita coisa mudou no que se refere à difusão do acesso à internet e, consequentemente, à forma de interação proporcionada pela rede mundial. Se a questão já era debatida por intelectuais em 1968, atualmente, o cérebro eletrônico é uma realidade cada vez mais próxima, graças, sobretudo, à internet. 

Ao menos é o que mostra o livro iBrain, do neurocientista americano e diretor do Centro de Pesquisa em Memória e Envelhecimento da Universidade da Califórnia, Gary Small. A obra é resultado de pesquisa realizada com voluntários de idades entre 55 e 76 anos, submetidos a testes com ressonância magnética funcional enquanto pesquisavam na web, e que demonstrou a influência direta da rede no funcionamento do cérebro humano. “A natureza interativa do uso da internet ativa o lobo frontal do cérebro, que controla a tomada de decisões e habilidades da memória a curto prazo”, explica Small. Como consequência, o trabalho revelou que apenas uma hora de acesso à internet por dia é suficiente para aumentar o nível de atividade nessa área do cérebro. 

Seja para fazer compras, pesquisar ou enviar e-mails, ao passar horas em frente ao computador, as pessoas expõem o cérebro a uma enxurrada de estímulos.

Seja para fazer compras, pesquisar ou enviar e-mails, ao passar horas em frente ao computador, as pessoas expõem o cérebro a uma enxurrada de estímulos. Por isso o uso da tecnologia digital altera os circuitos cerebrais. Contudo, assim como qualquer superexposição, o uso exagerado do computador pode gerar efeitos nocivos. Embora haja melhoria na habilidade tecnológica, passar dez horas por dia na frente do computador – rotina classificada por psicólogos como uso compulsivo ou potencialmente patológico, capaz de gerar problemas para a vida presencial do indivíduo – pode reduzir aptidão para o contato pessoal, até mesmo em situações simples, como manter uma conversa frente a frente. “Estamos ficando menos sociáveis no que se refere ao contato face a face, mas mais sociáveis quando tratamos do contato facebook a facebook”, conclui Gary Small. 

Sociais ou antissociais?  As redes sociais têm realmente exercido papel fundamental na comunicação interpessoal. Segundo dados do IBGE, em 2008, o Brasil possuía 56 milhões de pessoas com acesso à internet, sendo que 82,3% dos internautas tinham, como principal finalidade, a comunicação. Nesse contexto, surgem como protagonistas as redes sociais, responsáveis pelo acesso de 80% da população on-line daquele ano no país. O Brasil também é líder mundial na procura por sites community members, que englobam redes de relacionamento e blogs, segundo aponta pesquisa realizada pela Nielsen On-line, empresa especializada na mensuração de serviços da web.

O crescimento mundial das redes sociais é duas vezes maior do que o dos quatro maiores setores da web – busca, portais, software para PC e e-mail –, principalmente entre a população mais jovem. A coordenadora do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da Universidade de São Paulo (USP), Rosa Farah, atribui esse crescimento sobretudo à novidade proporcionada pela internet, muito atraente aos jovens, em função da possibilidade de contato com um número infinito de pessoas e situações e da facilidade de acesso à informação. 

Tais qualidades são defendidas pela linha de pesquisadores classificados como otimistas (ou entusiastas), que veem o crescimento da presença da internet no dia a dia das pessoas como algo benéfico. Já a linha de pensamento oposta, a dos pessimistas (ou apocalípticos), considera os aspectos negativos dessa relação: a web como geradora de uma série de efeitos colaterais. Nesse sentido, destacam-se problemas referentes à veracidade das informações – o que se tornou ainda mais complexo com o desenvolvimento da Web 2.0 – e à forma como os indivíduos se apresentam na internet em termos mais pessoais, principalmente em perfis criados nas redes sociais, que, muitas vezes, não correspondem à sua realidade. “Tudo o que se apresenta ali é inventado pelo ser humano. A internet reproduz o meio social”, afirma Rosa Farah. 

Apesar dessas duas linhas de pensamento, a maioria dos estudiosos procura evitar posições maniqueístas a respeito das influências da internet no homem. Mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Aline de Campos justifica essa atitude ao realçar a responsabilidade do usuário, responsável por escolher como irá se expor no universo on-line. “Quem define o grau de exposição ou isolamento na internet é a própria pessoa e não a ferramenta”, explica Aline, que é também bacharel em Ciência da Computação.  

Leitora de pensamentos  Cada vez mais, a tecnologia se desenvolve no sentido de aproximar fisicamente o homem da máquina. Isso se materializa, por exemplo, em telas sensíveis ao toque, controles que imitam o movimento e aplicações de realidade aumentada. Porém, não satisfeitos com isso, cientistas buscam formas de realizar a interação homem-máquina não só do ponto de vista físico, mas também mental. “Todos que trabalham com tecnologia e comunicação gostariam de um processo muito mais sensorial de organização e busca de dados, por exemplo. E o que poderia ser mais sensorial do que uma máquina que lê seus pensamentos?”, indaga Aline de Campos.

Tim O’Reilly, um dos inventores da Web 2.0, afirmou, em entrevista ao jornal alemão Deutsch Welle, acreditar que, em breve, um software possa tomar decisões hoje restritas aos seres humanos, como acontece nas relações sociais. “Até agora, plataformas para comunidades virtuais ainda não conseguem dizer nada sobre a verdadeira relação social entre duas pessoas. Elas têm confiança mútua? Caso o software possa fazer essa avaliação, ele também poderá decidir se repassa um número de telefone a terceiros quando solicitado”, explica O’Reilly. 

Pesquisadores adeptos do conexionismo, linha de pesquisa da Inteligência Artificial (AI) que investiga a simulação de comportamentos inteligentes através de modelos baseados na estrutura e funcionamento do cérebro humano, buscam formas de fazer com que a máquina adquira ou simule a capacidade humana de tomar decisões ou pensar. Contudo, persistem questões já tão discutidas, mas ainda sem conclusões: até que ponto a máquina pode pensar como os seres humanos? O futuro da informática está na autonomia das máquinas? Onde o homem entra nessa história?

Enquanto tais questões não são resolvidas, as máquinas ainda precisam da mente humana para funcionar. Uma série de pesquisas busca realizar a conexão direta entre o cérebro humano e a máquina. Assim, o homem poderia controlar o computador através do pensamento, sem a necessidade de manipular mouses ou teclados. 

É o que procuram os neurocientistas da Clínica Mayo, na Flórida, que demonstraram que ondas cerebrais podem ser usadas para digitar caracteres na tela de um computador. A pesquisa foi realizada com dois pacientes portadores de epilepsia, que vinham sendo monitorados para controle da convulsão através de eletrocorticografia (ECoG) – procedimento que requer implante de eletrodos no crânio para registrar as correntes elétricas produzidas pelas descargas das células nervosas.

Para testar essa nova interface homem-computador, os pacientes foram postos diante de um monitor conectado a um computador, no qual os pesquisadores instalaram um software projetado para interpretar sinais elétricos vindos dos eletrodos. A tela exibia um quadro dividido em 36 quadrados, com um caractere em cada. Todas as vezes que brilhava um quadrado em que a pessoa estava focada, o computador registrava a resposta do cérebro à letra cintilante. 

Se o cérebro eletrônico ainda não faz tudo, avanços tecnológicos caminham no sentido de permitir que, num futuro não muito distante, ele seja capaz de realizar, se não a totalidade, grande parte das ações executadas pelo homem.

Os pesquisadores então pediam aos pacientes que focassem em letras específicas e o software do computador registrava as informações. A seguir, o computador calibrou o sistema com a onda cerebral específica de cada indivíduo, fazendo com que uma letra aparecesse na tela quando o paciente focava nela. Embora esses pacientes tivessem que usar um computador para realizar tal atividade, os pesquisadores preveem que os aparelhos, cada vez menores, possam no futuro ser implantados nos indivíduos.

Professor do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG, Virgílio Almeida revela, no artigo Humanos, biônicos e androides, que não é preciso ir muito longe para vislumbrar essa variedade de seres. Os biônicos – indivíduos com partes sintéticas – já constituem, segundo o físico Sidney Perkowitz, 10% da população americana. Segundo Virgílio, tais “partes” vão desde próteses funcionais até computadorizados e modificações de natureza estética, que incorporam novos materiais e elementos ao corpo humano. 

Se o cérebro eletrônico ainda não faz tudo, avanços tecnológicos caminham no sentido de permitir que, num futuro não muito distante, ele seja capaz de realizar, se não a totalidade, grande parte das ações executadas pelo homem. 

Ilustração para a revista Diversa nº 18 - Ano 9 - agosto de 2010
Ilustração para a revista Diversa nº 18 - Ano 9 - agosto de 2010 Diana Santos

Geração Y: os filhos da revolução digital

Fruto direto das transformações geradas pela internet é a chamada Geração Y, referência ao termo young, “jovem”. O termo é utilizado para designar os nascidos entre 1978 e 1990, os filhos da grande rede. Esses jovens cresceram e vivem rodeados pela web e por iPods, Myspace e Facebook, ao mesmo tempo em que conversam no MSN ou no Gtalk, e transitam por diversas outras ferramentas tecnológicas.

São diferentes das pessoas com mais de 30 anos, os imigrantes digitais, acostumados a uma dinâmica de vida bem diferente, a fazer as coisas passo a passo e sempre uma de cada vez. Já a Geração Y, acostumada ao bombardeamento de informações e opções, tem capacidade para tomar decisões mais rápidas.    

Maísa Gontijo