Uma cadeia para a inovação
O melhor modelo de universidade é o que aposta na diversidade
Entrevista com Ivan Domingues
Nos últimos tempos, o professor Ivan Domingues, do Departamento de Filosofia da Fafich, tem se debruçado sobre o presente e o passado das universidades para tentar compreender os novos caminhos a serem trilhados por essa instituição nascida no final da Idade Média.
Sua reflexão sobre a universidade, em especial a UFMG, vem sendo materializada tanto em conferências – como a feita no Fórum de Estudos Contemporâneos, promovido pela Pró-reitoria de Planejamento no ano passado – quanto na participação em instâncias destinadas a propor mudanças para a Instituição.
Como coordenador do Seminário Universidade do Futuro, protagonizado pelo Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat), ele trabalha na análise da proposta de criação de bacharelados interdisciplinares. Já no Instituto Brasil Europa, consórcio de universidades brasileiras e europeias financiado pela União Europeia, Domingues contribui com a dupla missão de instalar um doutorado transdisciplinar e interinstitucional em políticas públicas e de formular novo conceito de extensão, mais atrelado a atividades de difusão do conhecimento e de educação superior.
“O melhor modelo de universidade é o que aposta na diversidade”
Toda essa imersão tem deixado preocupado esse filósofo com formação pela UFMG e pela Universidade de Sorbonne, na França. Para ele, a universidade contemporânea, principalmente a brasileira, está massificada, burocrática e confusa, com uma carga de atividades que deixa os docentes extenuados e distantes do ensino inovador e da pesquisa avançada. “Os fundamentos estão abalados”, resume ele.
Nesta entrevista a DIVERSA, Ivan Domingues faz minuciosa análise do papel histórico da universidade – “ela nunca teve o monopólio da geração e disseminação do conhecimento” – e defende a adoção de modelos mais flexíveis e ajustados às realidades regionais. Sobre a UFMG, que completou 85 anos em setembro passado, o filósofo valoriza o que chama de “ethos unificado”, que se caracteriza pela lealdade institucional, e permitiu à Instituição crescer em qualidade e quantidade. Mas vê sinais de fadiga. “Nosso ethos persiste, mas com fissuras, e elas precisam ser soldadas”, adverte.
Como a Universidade enfrenta o fato de não ter mais o monopólio de geração e disseminação do conhecimento? Isso a torna menos relevante que no passado?
No meu modo de ver, a universidade nunca teve o monopólio. Isso é uma presunção equivocada. É uma ideia que não fica em pé se for examinada com mais cuidado. A universidade só foi criada nos séculos 12 e 13. E antes disso já havia produção e difusão do conhecimento na Academia de Platão, no Liceu de Aristóteles, no Jardim de Epicuro, na Biblioteca de Alexandria, nas escolas médicas de Hipócrates e nos tribunais da Magna Grécia e do Império Romano, que eram o centro não só da produção como também da práxis jurídica. No final da Idade Média, o panorama muda, com a criação das universidades, em sua maioria, ligadas à Igreja. Antes das universidades, também existiram as escolas monásticas, importantíssimas, e que se encarregavam da formação do clero. Havia ainda as corporações de ofício que também geravam conhecimento técnico de acordo com as necessidades da sociedade da época.
O que eram essas corporações?
Elas se ocupavam do ensino técnico, e a diversidade era enorme: tabeliães, ourives, escultores, marceneiros, mestres de obras e toda sorte de artesãos, cujas técnicas eram transmitidas pela tradição oral e com a ajuda da experiência. A esse grupo se associam as chamadas artes mecânicas, que abarcavam um conjunto de disciplinas técnicas e práticas: a produção de lã, o ofício de agricultor, a fabricação de armamento, a arte da navegação, os ofícios ligados ao teatro e a própria medicina. Havia também os ateliês de arquitetura, que abarcava a engenharia, a engenharia civil, e estava associada a um sem-número de profissões ligadas à arte da construção e da decoração dos edifícios, religiosos e civis. A universidade veio se integrar a essa paisagem bem mais tarde, quando passou se ocupar de três formações: Teologia, que também abrangia a Filosofia, Medicina e Direito. Era uma formação em que o humanismo cristão predominava.
E depois?
Na renascença e na era moderna, surgem novas experiências e reagrupamentos, com índole mais laica. Especialmente na modernidade, quando muitas universidades foram criadas, como Harvard, que data de 1636, e cujo fundador era egresso de Cambridge. O modelo segue sendo as universidades medievais, de formação mais humanista, porém logo elas passam a sofrer a concorrência das academias de ciência, como a de Florença, a da França e a Royal Society de Londres. Newton tinha um pé na universidade e outro na academia. Ele ensinava em Cambridge e atuava na Royal Society, da qual foi presidente por cerca de 20 anos. Descartes desenvolveu pesquisas em anatomia e fisiologia fora da universidade e nunca ensinou na universidade, assim como Pascal. Enfim, esses exemplos mostram que o monopólio das universidades não resiste a um exame mais apurado. Esse sistema bipolar foi transformado no século 19 graças à experiência da Universidade de Berlim, fundada por Humboldt [Wilhelm von Humboldt]. Essa dicotomia entre ensino e pesquisa desaparece, e a ciência é levada para dentro da universidade. Tanto que muitas universidades passaram a seguir o modelo humboldtiano. Já nos séculos 20 e 21 o sistema ganha muita escala. E junto surgem laboratórios e institutos de pesquisa independentes que passam a desempenhar papel muito importante na pesquisa e produção do conhecimento. Merece destaque a Royal Institution, fundada em 1799, em Londres, o primeiro laboratório público de pesquisa, contando em seus quadros com os primeiros cientistas assalariados, e que existe até hoje. Já as grandes corporações privadas, as mais conhecidas, surgiram a partir da metade do século 20. Resumindo, monopólio nunca houve; hegemonia, sim, por certos períodos. De qualquer forma, diferentemente dos institutos de pesquisa, a universidade tem uma particularidade que é a de permitir a aliança entre o conhecimento e o ensino; a pesquisa e o ensino.
Houve uma era de ouro das universidades?
Se houve, penso que foi o século 20. A Idade Média foi importante porque marca o início, mas a explosão começa em meados do século 19. A maioria das universidades dos Estados Unidos é dessa época, e o apogeu americano veio depois da Segunda Guerra – pelos motivos que todos sabemos. A partir daí, as universidades americanas superam as europeias.
O sistema universitário norte-americano se consolidou muito rapidamente...
Os Estados Unidos têm escala, densidade e diversidade, sendo uma referência interessante para o Brasil, que tem diversidade e escala parecidas. Lá, o modelo humboldtiano fincou raízes muito cedo. Porém, a partir da segunda metade do século 19, podemos falar em universidade propriamente neo-humboldtiana; o prefixo neo é por conta das mudanças. A fundação do MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts] é um marco, por causa da introdução da tecnologia. Se, com Humboldt, há a associação entre humanidades e ciência, no MIT as engenharias e a tecnologia passam a ocupar lugar central na universidade. A agenda da inovação tecnológica ganha relevância em muitas universidades, e um novo modelo passa a imperar.
O que significa essa ideia de refundação da universidade defendida pelo senhor?
Quando digo isso é porque, no meu modo de ver, a universidade brasileira está fundada, mas precisa ser refundada, e refundar é algo como consertar um navio avariado em alto-mar; o reparo tem que ser feito com o navio em movimento. Eu não quero exagerar na metáfora. É só uma ideia. A universidade está fundada, mas os fundamentos estão abalados.
Que fundamentos são esses?
O tripé ensino-pesquisa-inovação nunca se consolidou. Não se trata de resgatar alguma coisa, uma ideia original de universidade. O tempo da universidade medieval já passou. Significa, no meu modo de ver, relançar o projeto da universidade neo-humboldtiana, baseada no tripé ensino-pesquisa-inovação. Essa ideia de que a universidade brasileira precisava ser fundada é do Darcy Ribeiro. Por ocasião da criação da Universidade de Brasília, há 50 anos, ele dizia que a universidade brasileira era um aglomerado, um conjunto de faculdades reunidas em torno de uma reitoria. E ele tinha razão. Quase todas seguiam esse modelo, uma federação de faculdades de Engenharia, Direito, Medicina. Ele mostrava os números. Nos anos 1950, a UFMG tinha 3,6 mil estudantes e a USP, cerca de 9 mil. Se compararmos com os números de hoje, veremos que alguma coisa de extraordinário aconteceu. A UFMG passou de pouco mais de três mil para mais de 52 mil alunos, quase 20 vezes mais em cinco décadas. E desdizendo o Darcy, acredito que hoje a universidade está fundada. O que ela precisa é ser refundada, e isso não tem nada de dramático, é da natureza das instituições. Não se trata de criar uma universidade nova como a projetada pelo Darcy Ribeiro, que imaginava que a maior de todas, localizada na capital federal, teria não mais do que 10 mil estudantes. A Unicamp foi fundada com projeção de um teto de 10 mil alunos, com a perspectiva de que o sinal deveria ser aceso quando chegasse a esse limite. O que se vê hoje é outra realidade, é a construção de uma universidade de massa. E isso criou um monte de problemas. Os fundamentos precisam ser juntados, reforçados, trabalhados, por vários processos de reparos e modificações. As universidades de elite são pequenas. Stanford tem 15 mil alunos; Harvard, 21 mil; Oxford,16 mil; Cambridge, 14 mil. Universidades com 30 mil, 40 mil alunos, já são instituições de massa, e as nossas principais universidades, as federais e as estaduais paulistas, já ultrapassaram – e muito – esse teto.
Em que bases esse trabalho deve ser feito?
É preciso pensar modelos, propostas, projetos diversificados. A essência da universidade é o ensino e ele tem que ser associado à pesquisa. Já a inovação tecnológica abre um caminho novo. Nós já percorremos um caminho, chegamos relativamente tarde, mas isso não é desculpa. Parte das americanas também começou relativamente tarde, e as asiáticas também. É preciso propor um modelo diversificado capaz de atender a certas vocações, inclusive regionais. O MIT foi fundado para atender um projeto de desenvolvimento da região de Massachusetts. Em boa medida, o nosso problema deve-se a um modelo jurídico único à europeia que estabelece o mesmo arcabouço para todas as instituições. Temos que dispor de modelos diversificados, com vocações diferenciadas. A universidade que está na Amazônia precisa pensar um projeto, inclusive geopolítico, diferente daquele que existe no Sul do país.
O senhor entende que a universidade está assumindo atribuições que não são suas?
Sua pergunta não é fácil de responder (risos). Mas nesse contexto de expansão, de universidade de massa, há um sentimento generalizado de que ela ficou irracional, com uma estrutura resistente, pesada e burocrática, em que os meios engolem os fins. O professor está soterrado pelas demandas, tarefas que não têm nada a ver exatamente com ensino e pesquisa. Por outro lado, há aulas demais e pesquisas de menos, o que condena o aluno a uma total passividade. É um modelo em que o professor é o centro, a fonte do saber, e o aluno, o receptor. Isso está completamente ultrapassado. Nas universidades europeias e americanas, a carga de aulas é muito mais baixa, e a de pesquisa, muito mais elevada. É preciso dar um choque de racionalidade administrativa. Racionalizar melhor os processos nas diferentes frentes de ensino, pesquisa, extensão, inovação e assim por diante. Um colega do Canadá, que conhece bem o Brasil, comentou, a propósito do nosso modo de trabalhar nas instituições acadêmicas, que o governo e as instâncias superiores vivem desconfiados de que o professor não trabalha. O resultado disso é uma universidade “tarefeira”.
Sobre a questão das atribuições, não chamaria exatamente de excesso, mas de superdimensionamento. Veja o caso da extensão. Algumas fazem mais, outras menos. Na França, a Sorbonne tem pouca extensão. A Universidade de Paris 4, por exemplo, oferece cursos de francês para estrangeiros. Oxford tem um grande centro de extensão, mas que funciona mais como prestação de serviços. A nossa extensão tem outro sentido, inclusive para suprir certas carências sociais.
Parece que ela tenta preencher uma lacuna deixada pelo Estado...
Pois é, faz parte da cultura da nossa universidade assumir esses encargos. Isso ocorre com as federais e as estaduais paulistas. O Hospital das Clínicas da Universidade de Campinas atrai pessoas de países vizinhos, da Bolívia, por exemplo. E como o de Campinas, os hospitais das Federais ultrapassam a dimensão de hospital-escola e passam a prestar um serviço à comunidade que adquire dinâmica própria e ocupa o primeiro plano. Defendo que alguma extensão as universidades devem fazer, não podem ficar exiladas intramuros. Só que isso precisa ser redimensionado. Há muito business e prestação de serviços em nossas atividades de extensão. É preciso voltar a focalizar a formação e o ensino.
A extensão hoje ocupa um lugar mais importante do que a graduação na universidade brasileira?
A extensão ficou inflada, inchada. Na extensão, repito, faz-se business, prestação de serviços e assistência. Quando falo de refundação, tenho em mente que é preciso pensar em profundidade os fundamentos da extensão, remodelando-a. Recentemente, trabalhamos no contexto do Instituto Brasil Europa, um projeto de pós-graduação lato sensu, que vai tentar propor um conceito mais robusto de extensão que não envolva apenas prestação de serviço, business e assistência, mas assuma também um compromisso maior com a difusão do conhecimento e com a educação continuada. Parece-me uma boa direção para pensar a extensão.
Ainda sobre a graduação. Ela não enfrenta uma crise até mesmo em função dos encargos administrativos, das tarefas e da obrigação de publicar cada vez mais?
Há uma tendência de ver a graduação como estorvo e patinho feio. A graduação também deve ser repensada profundamente. É preciso implantar um projeto mais inteligente, menos “aulista”, com mais pesquisa, menos engessada e cartorial, mais aberta a novas experiências, flexível. Nesse sentido, estamos realizando um seminário, A Universidade do Futuro, e em um de seus módulos, nos dedicamos a examinar a proposta de implantação de bacharelados interdisciplinares na UFMG. Já existem experiências parecidas nas universidades federais da Bahia e do ABC. São inspiradas em práticas das universidades americanas, que desenvolvem bacharelados interdisciplinares em grande escala na Califórnia e em outros estados que duram, em geral, dois anos e que oferecem uma formação mais ampla para o estudante que ingressa na instituição; depois essa formação é afunilada nos cursos profissionais. É uma proposta boa, pois evita uma opção precoce, da qual o aluno vai se arrepender depois e que vai obrigá-lo a fazer outro vestibular ou buscar uma reopção. Outra experiência é a de Harvard, que implantou há anos o currículo de General Education, graças ao qual é fornecida uma formação geral humanística, científica e tecnológica ao conjunto dos alunos da universidade logo nos primeiros anos.
O produtivismo e a cultura dos rankings são marcas da universidade contemporânea. Como o senhor vê esses fenômenos?
Só há culto aos rankings em ambientes com uma cultura produtivista e governada pelo marketing. Medir uma produção é uma forma de mostrar quem é quem, tirar a instituição ou o indivíduo do anonimato e patrocinar a concorrência. Os rankings permitem fazer a comparação e dão uma ideia de qualidade. Parece que vieram para ficar, só que provocam toda sorte de distorções, e isso me causa grande preocupação. Os rankings trocam o médio pelo curto prazo e sacrificam a qualidade, medindo-a pela quantidade. O ranking é comandado pela lógica do publish or perish, do publicar ou morrer, e isso tem a consequência de dividir o mundo entre vencedores e derrotados. Agora, você imagina uma academia dividida entre vencedores e derrotados, funcionando em bases de concorrência e não de cooperação?
Como vê a questão das cotas? Elas comprometem a ideia de mérito?
É uma matéria muito controversa e polêmica. Mas não acho que seja uma escolha entre cotas e mérito. É entre justiça e mérito, e creio ser possível balancear e equilibrar os dois princípios. Entendo que o mérito é sagrado, e se o governo e as universidades abrem mão dele e insistem em canetadas populistas fatalmente vão causar estragos terríveis e levar décadas de esforços à ruína.
Mas a adoção das cotas é um processo sem volta...
Exato, é uma questão que está posta. Em princípio, sou favorável a ações afirmativas por cotas, seja por critérios étnicos ou socioeconômicos, favorecendo as escolas públicas, desde que temporalizadas, limitando-as a determinado número de anos. É uma maneira de fazer justiça por meios políticos. Agora, a comparação com os Estados Unidos é inevitável. Lá se fazem ações afirmativas há mais de 50 anos, e o assunto ainda desperta muita polêmica. Há muitos estados que faziam ações afirmativas e não fazem mais, como a Califórnia, onde a população hispânica e de afro-americanos é muito grande. A universidade do Texas, por outro lado, faz uma ação afirmativa na linha da adotada pela UFMG [o bônus, aplicado nos vestibulares 2009, 2010, 2011 e 2012], só que muito mais ousada. Ela admite cerca de 80% dos seus estudantes sem vestibular, selecionando os melhores alunos nas escolas públicas. Já o Brasil chegou muito mais tarde, e a nossa população de não brancos é de 50%, bem superior à dos americanos. Chegou tarde e é urgente fazer isso. Temo, todavia, que a ênfase em critérios étnicos termine por racializar tudo e complique mais ainda as coisas, ao passo que o nosso problema maior, de longe, é a desigualdade social e econômica, que vem causando estragos históricos em todas as camadas pobres, independentemente das etnias ou das raças. Tenho a sensação de que as coisas estão sendo feitas a toque de caixa, com muito voluntarismo e pouca reflexão. A impressão que dá é que as medidas governamentais são populistas e imediatistas. Pegam o ensino pelo alto e deixam de lado o início e o meio, ou seja, os ensinos fundamental e médio. Não vejo nos governantes uma preocupação sincera em melhorar esses níveis de ensino. O médio vive um verdadeiro apagão e Brasília finge que não está acontecendo nada. Recentemente, o MEC propôs mais uma reforma de currículo. Meu medo é que as universidades paguem sozinhas a conta das cotas e, sem o sentido do mérito, acabem sucateadas. Daí as minhas reservas. Se a escola pública um dia for resgatada no primeiro e segundo graus, promovendo a democratização do acesso e a qualidade do ensino em nosso país, a política de cotas perderá a razão de ser e será esquecida.
Que análise o senhor faz das principais tendências das universidades contemporâneas? As instituições asiáticas, por exemplo, cresceram muito.
Os asiáticos alcançaram coisas incríveis. O Japão, a Coreia e, agora, a China.
Suas instituições já conseguem penetrar nesse grupo de excelência formado pelas universidades americanas e europeias?
Já sim. Muitas delas já aparecem entre as top 100 dos rankings internacionais, como o de Shangai. Vivemos num mundo cada vez mais globalizado, e, em termos geopolíticos, vê-se que a balança pende para a Ásia. Isso está criando uma nova dinâmica, que repercutirá cada vez mais nas instituições de ensino superior. Algumas das universidades asiáticas estão buscando aproximação com as americanas e inglesas. No caso da China, há escala e muita ambição. Mas a Coreia, que é menor, salvo engano tem um terço da população do Brasil, acumula realizações extraordinárias no ensino superior, inclusive com um modelo jurídico que favorece a aproximação com grandes empresas, como a Samsung.
O Brasil está perdendo o bonde da história?
Há uma janela de oportunidades observada pelos demógrafos e economistas. A população brasileira ficou mais estável, o país está mais rico, o crescimento populacional se estabilizou, os recursos podem ser melhor distribuídos. É uma janela única. Agora, ela só será aproveitada se houver investimento forte em educação, em ciência e tecnologia. E isso não está sendo feito. É urgente. É para ontem. Caso contrário, a janela vai fechar. Alguns economistas dizem que o melhor momento já passou e que estaríamos condenados nos próximos tempos a ser um país com uma população envelhecida e de renda média.
Como o senhor analisa a trajetória da UFMG. Que futuro o senhor vislumbra para a Instituição?
Tenho uma ligação muito forte com esta universidade. Aqui, fiz graduação e mestrado. Meu doutorado foi na França, na Sorbonne, mas com apoio da UFMG, que manteve meu salário de professor, e da Capes, que me concedeu a bolsa. É com orgulho que eu vejo a UFMG bem ranqueada. Sua história é muito positiva, e ela cresceu muito em quantidade e qualidade. Houve um esforço coletivo muito grande. Nós, professores, temos um ethos unificado, caracterizado pela aderência e coesão institucionais, que ajudaram muito a UFMG em sua história recente. Só que ela está cansada, as pessoas estão meio exauridas. Nosso ethos no fundo é o do mineiro, aclimatado a um meio específico, que é a academia, e ele ainda persiste, mas com fissuras, e elas precisam ser soldadas. Não quero estabelecer uma dicotomia intergeracional, mas pessoas que ingressam agora chegam com muita pressa.
Como fazer essa “soldagem”?
O ethos está dentro da gente, temos ou não o temos, e ele só se fortalece sendo exercitado. Soldar as fissuras e consertar os defeitos das instituições não é muito diferente da operação de reparar as avarias do navio em alto-mar, que deverá ser feita com o navio em movimento, e não com ele parado. Este é o caso da UFMG e da universidade pública brasileira. Como eu já disse, elas já estão fundadas, precisam ser refundadas, e a refundação é interna e passa pelo ethos. O mal que nos aflige pode ser facilmente diagnosticado e tem duas etiologias: uma é o produtivismo, que atinge uma parcela dos docentes; a outra é o tarefismo, cuja escala é maior ainda, atingindo virtualmente a todos e só poupando os egoístas e indolentes existentes em quaisquer instituições. Como erradicar esses males que, mesmo se vieram de fora, hoje estão absolutamente interiorizados? Convenhamos, não será fácil. No limite, teríamos de nascer de novo, e nisso consiste a refundação. As forças de resistência e da mudança deverão ser encontradas dentro de nós para resultar em um novo pacto.
Em que termos esse pacto deve ser firmado?
O pacto deve envolver uma agenda política, associada à escolha dos dirigentes e dos reitores. Mas não é só. Será preciso também dar um choque de gestão e de racionalidade, desonerando os docentes de parte das tarefas administrativas, transferidas a quadros técnicos mais qualificados e mais bem pagos. O pacto também deverá dar lugar a uma nova agenda do conhecimento que não sofra tanto a pressão dos mercados e do aumento da produtividade, que vai junto com o aumento do descarte e da entropia. As próximas gerações terão esse grande desafio. Universidades centenárias passaram por crise parecida e, bem ou mal, sobreviveram, mas mudando.
O senhor entende ser sustentável o recente processo de expansão da universidade brasileira?
Nesse sentido, sempre apresentei minhas reservas em relação ao Reuni do jeito que foi feito. Ele perdeu o “Re” e ficou com o “Uni”. A questão do tamanho não foi pensada. Os chineses não querem passar de 40 mil alunos, e nós já estamos com 52 mil. A USP tem quase 90 mil. Universidades desse tamanho são ingovernáveis. Penso que o caminho talvez seja expandir as federais em diferentes pontos do Brasil, escolhidos estrategicamente. Essa expansão é essencial para o nosso projeto de desenvolvimento. O país tem poucas universidades. A Região Metropolitana de Belo Horizonte tem espaço para outra federal, nas imediações de Betim e Contagem. É preciso projetar outras instituições com qualidade, focadas nas questões regionais. Não podem ser moldadas por camisas de força que as impeçam de desenvolver novas experiências. O melhor modelo é o que aposta na diversidade. Se na natureza diversidade é riqueza, na cultura não é diferente.