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Arqueologia contribui para gestão sustentável de territórios com apoio das comunidades tradicionais, afirma pesquisadora de universidade portuguesa

A arqueologia é capaz de oferecer contribuição importante à gestão sustentável de territórios, especialmente aqueles ligados, por exemplo, a comunidades indígenas. E já há experiências positivas, no Brasil, de participação das próprias comunidades nesse processo, segundo a professora Erika Robrahn-González, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Portugal.

Professora Erika Robrahn-González, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Portugal.
Professora Erika Robrahn-González, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Portugal. Foca Lisboa / UFMG

Ela participou, na manhã desta quinta, 6, da sétima mesa da Conferência internacional sul-americana: territorialidades e humanidades, que prossegue até amanhã, no campus Pampulha. Também integraram a mesa – que abordou aspectos do universo da terra e do campo e foi coordenada pela professora Shirley Miranda, da Faculdade de Educação –, os professores Fabio Vergara, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e Jorge Gelman, da Universidade de Buenos Aires, na Argentina. O líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) João Pedro Stédile, também convidado, não participou em razão de problema de saúde.

Segundo Erika Robrahn-González, o Brasil detém grande diversidade arqueológica, e só nas últimas décadas vem aumentando o reconhecimento de que esse patrimônio é parte da sua história. “Há grande risco de que o desenvolvimento destrua marcos da história indígena. Por isso, é importante que a arqueologia das paisagens culturais, que investiga a formação e a transformação dessas áreas, lance mão da sabedoria ambiental das comunidades”, disse a pesquisadora, que coordena projeto da União Internacional de Ciências Pré-históricas e Proto-históricas (UISPP). Ela acrescentou que a “arqueologia colaborativa” tira partido do conhecimento das comunidades, "que têm seus próprios historiadores e cientistas".

Iniciativas conjuntas de universidades e entidades como a UISPP culminaram no tombamento, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), de dois locais sagrados no Parque do Xingu, na região amazônica. Membros de etnias como a Kamukwaká, que já vivem longe dessas áreas, voltaram para reconhecer marcos de identidade, como desenhos e outros registros ligados à mitologia.

O trabalho é desenvolvido por equipe multidisciplinar – historiadores, geólogos, geógrafos, antropólogos etc. –, e membros das comunidades passam por treinamento em recursos como o Google Earth, que os ajuda a mapear os territórios. Outro caso de sucesso relatado por Erika Robrahn-González é o da cidade de Aripuanã (MT): diante da possibilidade de vestígios e marcos de povos tradicionais, projeto de mineração foi modificado visando à preservação do lugar.

Fabio Vergara, da UFPe, apresentou conjunto de museus na Serra dos Tapes, no Rio Grande do Sul
Fabio Vergara, da UFPe, apresentou conjunto de museus na Serra dos Tapes, no Rio Grande do Sul Foca Lisboa / UFMG

No Sul, memória da ruralidade

Conjunto formado por quatro museus na Serra dos Tapes, no Rio Grande do Sul, foi apresentado pelo professor Fabio Vergara [foto], da UFPel. As instituições, que estão localizadas em áreas de imigração sobretudo francesa, alemã e italiana, são dedicadas a valorizar a memória desses grupos, sem deixar de incluir outros povos que formaram a população local (árabes, indígenas e afro-brasileiros, por exemplo).

Os museus Grupelli, Colônia Maciel, da Colônia Francesa e de Morro Redondo são geridos com ênfase na memória da ruralidade, que envolve principalmente a produção de vinhos e frutas em conserva. Fabio Vergara, um dos responsáveis pela política e pelas atividades dos museus, destacou a participação da comunidade na organização e na manutenção dos prédios e dos acervos e a preocupação de conciliar exposição e uso dos objetos – um tacho de doce pode estar ora à disposição dos visitantes, ora pronto para a produção de doce de pêssego.

Uma das funções mais importantes dos museus da Serra dos Tapes, segundo o professor, é promover o diálogo intergeracional e o cuidado com os idosos. “Profissionais de áreas diferentes, como médicos, nutricionistas e terapeutas ocupacionais, trabalham para mostrar a essas pessoas formas de lidar com o envelhecimento. As instituições e o que chamamos de ‘generosas memórias’ abrigam um trabalho social importante, produzindo felicidade”, completou Fabio Vergara.

Professor argentino Jorge Gelman, biógrafo de Juan Manuel de Rosas (1793-1877)
Professor argentino Jorge Gelman, biógrafo de Juan Manuel de Rosas (1793-1877) Foca Lisboa / UFMG

Visões sobre os caudilhos

O professor argentino Jorge Gelman fechou a sessão com abordagem da renovação da historiografia no que se refere às origens do poder dos caudilhos na América Latina. Biógrafo de Juan Manuel de Rosas (1793-1877), que governou a província de Buenos Aires e brevemente a Confederação Argentina, Gelman explicou que, até cerca de 30 anos atrás, predominava a visão de que o poder dos grandes proprietários de terra derivava, simplesmente, da dependência clientelista das classes populares, da polarização social e de características da economia como a monocultura.

“Nas últimas décadas, temos visto uma reinterpretação da história agrária e das classes populares. Comerciantes de ouro e prata tinham papel importante, assim como produtores rurais familiares e médios. Rosas, por exemplo, teve que construir seu prestígio e sua autoridade por outros caminhos que não apenas a posse da terra”, disse o professor da Universidade de Buenos Aires. Ainda segundo ele, é preciso aprofundar os estudos sobre a evolução da desigualdade na América Latina, por meio de projetos de pesquisa que cubram períodos mais longos.

A programação da Conferência internacional sul-americana: territorialidades e humanidades pode ser consultada na íntegra no site do evento, promovido em parceria com a Unesco e a Fapemig. A iniciativa, que integra as comemorações dos 90 anos da Universidade, é preparatória para a Conferência mundial das Humanidades, que ocorrerá em Liège, na Bélgica, em 2017.

Mesa abordou aspectos do universo da terra e do campo
Mesa abordou aspectos do universo da terra e do campo Foca Lisboa / UFMG