Pesquisa e Inovação

Aumento de testes da Covid-19 em apenas 20% pode salvar vidas

Grupo de Modelagem Matemática propõe metodologia para ajudar poder público a planejar expansão da testagem e alerta: sem exames, cidades estão às cegas

Ricardo Takahashi:
Takahashi: "acompanhamento baseado apenas em leitos ocupados não é estatiscamente robusto"Isabella Lucas / UFMG

Aumentar a testagem para o novo coronavírus é a condição necessária para que o poder público tenha condições de tomada de decisão e planejamento de gestão em saúde, alerta grupo de especialistas que produzem cálculos para tentar predizer a evolução da Covid-19 na capital mineira. A ausência de dados confiáveis sobre a evolução da doença – que só podem ser garantidos com a realização de testes – submete as cidades ao risco de assistirem, sem capacidade de reação, à expansão exponencial da doença.

O aumento da testagem não precisa ser tão expressivo. Diante da restrição material para submeter toda a população com sintomas respiratórios a testes para detecção do coronavírus Sars-CoV-2, Belo Horizonte poderia ter dados mais confiáveis sobre o avanço da Covid-19 se testasse uma amostra aleatória de até 20% das pessoas que procuram o sistema de saúde apresentando sintomas compatíveis com a Covid-19. O discreto acréscimo em relação ao que é feito hoje já daria ao poder público mais condições de tomar decisões relacionadas à disponibilização de leitos ou mesmo à flexibilização de medidas de isolamento social.

Aumentar a testagem é, na avaliação do grupo de trabalho Modelagem da Covid-19 –  que reúne 31 pesquisadores da UFMG, UFSJ, Ufop, PUC Minas, UFV, Ufam e IBGE –, a condição para devolver aos pesquisadores e ao poder público a possibilidade de predizer a evolução da doença que chega a maio com 17 óbitos, 576 casos confirmados, 1.245 casos descartados, na capital mineira, enquanto as notificações ultrapassam 31 mil casos, indicando que não há investigação massiva na cidade. "Estamos às cegas neste momento, no que diz respeito à evolução da epidemia, e estamos tentando alertar sobre o perigo que isso representa”, explica Ricardo Hiroshi Takahashi, coordenador da pesquisa na UFMG.

O grupo trabalha desde março na produção de modelos matemáticos que visam auxiliar os sistemas de saúde na tomada de decisões. No primeiro relatório, de 24 de março, o grupo indicou que, sem nenhuma medida de controle da circulação de pessoas, a doença se espraiaria de tal maneira que Belo Horizonte poderia chegar em maio com a necessidade de 90 mil leitos em um único dia, sendo que a capital mineira tem apenas 7,7 mil leitos no sistema público. 

O segundo relatório, publicado em 2 de abril, evidenciou o sucesso das medidas de distanciamento social. Analisando o período de 16 a 22 de março, anterior, portanto, ao distanciamento social decretado pela Prefeitura de Belo Horizonte a partir de 23 de março, o grupo apontou que apenas a decisão das maiores empresas e das escolas e universidades – como a UFMG – de suspender preventivamente as aulas já havia sido suficiente para reduzir a necessidade de leitos simultâneos para 15 mil – ainda assim, o dobro da capacidade da capital.

A adoção de critérios científicos na administração dos poucos recursos materiais pode resultar em dados mais confiáveis.

O objetivo do grupo, como anunciado nesta reportagem do Portal UFMG, era preparar um terceiro relatório com dados relacionados ao distanciamento social, para medir sua eficácia. Entretanto, o grupo identificou lacuna na produção de dados que impossibilita qualquer prognóstico. “Sabemos que, do início de fevereiro até por volta de 25 de março, pelo número de casos confirmados mais os descartados, o número de testes foi da ordem de 300 a 500 por dia em Belo Horizonte. Aparentemente, depois de 25 de março, o número passou a ser de 40 por dia”, afirma Ricardo Takahashi. 

Não é possível ter clareza quanto ao real tamanho da queda já que, desde 8 de abril, as estatísticas praticamente não indicam mais os casos descartados. "Já os casos confirmados são da ordem de uma dezena por dia, sendo que, em alguns dias, chegam a duas dezenas. Esse comportamento é estranho, e é difícil saber o que isso significa”, explica o matemático.

Ocupação de leitos
Na ausência de dados confiáveis sobre a parcela da população que já teria sido infectada pelo novo coronavírus, alguns municípios têm decidido pela flexibilização do isolamento social com base na contagem do número de leitos ocupados em hospitais. Segundo o relatório produzido pelo grupo, "o acompanhamento baseado apenas na contagem do número de leitos ocupados em hospitais não é estatisticamente robusto, uma vez que haverá um atraso de vários dias entre o crescimento do número de casos e a consequente elevação da demanda por leitos hospitalares. Dependendo da mudança que ocorrer na taxa de transmissão da doença em decorrência de tal flexibilização, o número de pessoas infectadas poderá aumentar uma ordem de grandeza (ou seja, ser multiplicado por 10 ou mais) antes que se note o aumento da demanda por leitos". 

Ou seja, embasar as decisões de reabertura gradual de comércio e suspensão paulatina do distanciamento social apenas na percepção de que há números suficientes de leitos para atender os casos graves que inevitavelmente vão aparecer é uma aposta que os gestores não têm como bancar. “A doença tem-se mostrado de transmissão rápida e evolução lenta. Tomando como base apenas o número de leitos desocupados, os gestores podem ser surpreendidos. Uma vez que uma pessoa infectada leva, em média, sete dias para necessitar de leito e que, nesse período, ela pode transmitir a doença, quando se der conta de que está perto da lotação, o sistema já não terá mais condições de evitar a superlotação, porque as pessoas já estarão infectadas”, explica Takahashi.

Hospital de campanha construído no Expominas com  leitos à espera de pacientes graves: cena induz à falsa sensação de que Covid-19 está sob controle.
Hospital de campanha com leitos à espera de pacientes: cena induz à falsa sensação de que Covid-19 está sob controle. Tacyana Arce /UFMG

Metodologia por amostra aleatória
Em um cenário ideal, deveria haver a testagem massiva das pessoas com sintomas respiratórios e seus contatos, como fizeram os países que controlaram mais rapidamente a doença. Mas, se faltam insumos para isso, a adoção de critérios científicos na administração dos poucos recursos materiais pode resultar em dados mais confiáveis. "Os poucos testes que estão sendo realizados poderiam resultar em informação muito mais útil para a finalidade de monitorar a epidemia caso fossem aplicados seguindo uma sistemática adequadamente planejada.” É essa a proposta feita pelo grupo Modelagem da Covid-19 em seu terceiro relatório

Atualmente, os testes são feitos com base em protocolo que prioriza o tratamento de pacientes internados com sintomas respiratórios e monitoramento de profissionais de saúde que apresentem sintomas compatíveis. A proposta dos pesquisadores não é alterar esse protocolo, mas, sim, acrescentar uma outra finalidade: o monitoramento da epidemia na população. "Tal monitoramento pode ter importância central para permitir a geração, com pequeno atraso de tempo, de estimativas do número de pessoas infectadas circulando na população”, esclarece o relatório.

Para controlar o erro das projeções, o tamanho dessa amostra aleatória dependeria do número de pessoas que chegassem aos serviços de saúde com sintomas respiratórios e decresceria, proporcionalmente, à medida que fosse maior o número total de supostos infectados. "Se o número de casos diário for pequeno (da ordem de menos de 200 por dia), serão necessários 20% de testes, o que significaria da ordem de até 40 testes por dia. À medida que o número de casos suspeitos cresce, uma proporção menor é necessária para manter a margem de erro. Se o número de casos chegar a 1 mil por dia, 10% de testes serão suficientes, ou seja, 100 por dia”, informa Ricardo Takahashi.

Considerando que Belo Horizonte já realizou, no início da pandemia, de 300 a 500 testes por dia (do início de fevereiro até por volta de 25 de março), a proposta dos pesquisadores seria, portanto, de restabelecimento desse total de exames, porém com alteração em sua metodologia de realização. "O que estamos dizendo é que os testes estão sendo feitos de maneira completamente assistemática, não se pode inferir nada dos resultados que vêm sendo divulgados” explica o matemático.

Novo relatório
Diante da inexistência de dados para modelar predições de evolução da doença na capital ou em Minas Gerais e como forma de continuar apoiando o poder público na tomada de decisões orientadas por dados científicos, o grupo Modelagem da Covid-19 trabalha agora em outra frente. "Estamos estudando maneiras 'inteligentes' de fazer medições, de forma a aumentar a capacidade de detecção tempestiva de eventuais aumentos do número de casos. Esses esforços só gerarão um novo relatório se alguma das propostas der certo, pelo menos em simulação”, conclui Takahashi.

Tacyana Arce