Crise política e institucional mina esforços de combate à Covid-19
Professora da Ciência Política analisa as tensões entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
Nesta terça-feira, dia 3, o Brasil ultrapassou a triste marca de 30 mil cidadãos mortos pela Covid-19. Enquanto o país vive uma grave crise sanitária, completam-se também 19 dias sem um titular no Ministério da Saúde. Os esforços de enfrentamento à pandemia são atravessados por uma crise política, e, em diversos momentos, os três poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário – travam disputas entre si.
Nas últimas semanas, o Supremo Tribunal Federal tomou medidas que evidenciam as tensões na relação entre a corte e o Executivo federal. A abertura do inquérito sobre fake news, a liberação da íntegra do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, o veto do ministro do STF Alexandre de Moraes à posse de Alexandre Ramagem na Polícia Federal foram algumas das ações do Supremo que atingiram o governo Bolsonaro.
As tensões observadas nas últimas semanas foram discutidas no programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa, pela pesquisadora do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação, Marjorie Corrêa Marona. Em entrevista, a professora do Departamento de Ciência Política da UFMG explicou como foi construída a divisão dos três poderes no Brasil: “A criação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário surgiu com o objetivo de evitar o abuso proveniente da concentração de poder. Historicamente no Brasil, o Poder Executivo tem muitas funções, e apenas com a Constituição de 1988 foi possível garantir a autonomia do poder Judiciário, criando-se a possibilidade de um equilíbrio que não existia”, explicou a professora.
Para Marona, desde o início de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro enfrenta uma crise de governabilidade. A professora entende que o chefe do Executivo não busca diálogo com os outros poderes: “O governo Bolsonaro exerce uma prática que chamamos de unilateralismo presidencial, em que não procura coalizão para montar apoio no Congresso, dialoga mal com os poderes e utiliza excessivamente os instrumentos do Executivo que propiciam, quando usados em excesso, ignorar a atuação e autonomia do Legislativo e do Judiciário”, explica. De acordo com a pesquisadora, isso representa um risco à democracia do país. “A postura negacionista e autoritária do governo Bolsonaro gera tensões com as outras instituições e coloca a própria democracia em risco no Brasil”, afirma.
A professora acredita que a crise sanitária ocasionada pela pandemia do novo coronavírus agudiza ainda mais as tensões entre os poderes. “O presidente politiza a crise sanitária, e a agenda de combate a pandemia é posta em segundo plano por um governo sem capacidade de coordenação de medidas básicas para o enfrentamento dessa crise”, defende Marona. Com isso, são criadas novas tensões na relação entre os poderes, como explica a professora: “O Supremo Tribunal Federal, aliado a outros importantes atores políticos, acaba formando uma espécie de coalizão democrática de contenção dos arroubos mais autoritários do presidente Bolsonaro, na tentativa de estabelecimento de uma coordenação para a gestão dessa crise”.
Movimentos antifascistas
Em resposta às atitudes autoritárias do Executivo federal, movimentos antifascistas voltaram, na última semana, a tomar as ruas e as redes. A professora do Departamento de Ciência Política da UFMG Marjorie Marona afirma que esses levantes são necessários e legítimos, mas devem ser observados com cautela. “É preciso lembrar dos movimentos de junho de 2013, quando, por falta de lideranças e objetivos claros, as manifestações acabaram contribuindo para uma narrativa de despolitização generalizada, que afetou nosso sistema político”, advertiu a professora, que foi a entrevistada do programa Conexões, nesta quarta-feira, 3 de junho.
Durante a entrevista, a professora falou sobre os livros dos quais participou da organização: Justiça no Brasil: às margens da democracia, de 2018, e O constitucionalismo democrático latino-americano em debate, de 2017.