Dossiê Dengue: dos navios negreiros à maior epidemia das Américas
Crises ambientais e sociais intensificam os casos da doença no Brasil e no mundo, revela série da Rádio UFMG Educativa

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o mundo vive a maior epidemia de dengue das Américas e do Brasil, com considerável piora a cada ano: são cerca de duas vezes mais casos a cada ano, desde 2021. No ano passado, apenas nas Américas, foram mais de 12 milhões de casos, além das mais de quase oito mil mortes. Ao todo, mais de 130 países estão em estado de endemia (quando uma doença se manifesta de maneira frequente em uma região). O Brasil ocupa a triste liderança de casos no cenário global.
Entre os principais responsáveis está o mosquito Aedes aegypti, originário do Egito, na África, e transmissor da doença. No século XVI, navios que transportavam pessoas escravizadas do continente africano também levaram ovos do mosquito para os países colonizados, o que contribuiu para a disseminação da espécie pelo mundo, de acordo com o Instituto Oswaldo Cruz.
A catalogação científica do Aedes aegypti se deu em 1762. Entretanto, relatos médicos sobre uma das principais doenças transmitidas pela picada do mosquito, a dengue, já haviam sido registrados no século XVI: à época, a doença era conhecida como febre dos ossos.
Em 1780, na Filadélfia, nos Estados Unidos, foi descrito um surto de dengue. Durante o mesmo período, além da América do Norte, surtos na Ásia e na África confirmaram o espalhamento do mosquito vetor pelos trópicos. Era o primeiro surto multicontinental (surtos são aumentos de casos localizados). Séculos mais tarde, em 1916, o Brasil documentou o primeiro caso de dengue, na cidade de São Paulo. Algumas décadas depois, Boa Vista, em Roraima, registrou a primeira epidemia de dengue no país, em 1982.
Mas, afinal o que é a dengue? De acordo com o diretor técnico do Hospital São Paulo e professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Eduardo de Medeiros, a dengue, doença infecciosa causada por um vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, tem quatro sorotipos. Caso não esteja vacinada, uma pessoa pode contrair a dengue por até quatro vezes ao longo da vida, sendo contaminado por cada um dos sorotipos existentes.
Sintomas, diagnóstico e vacinação
Segundo o Ministério da Saúde, os principais sintomas da dengue são:
- febre alta (acima de 39ºC);
- dor de cabeça e/ou atrás dos olhos;
-indisposição;
- dor no corpo e/ou articulações;
- manchas vermelhas na pele;
- perda do apetite, náusea e/ou vômitos;
- diarreia.
Ao apresentar dois ou mais sintomas, a pessoa deve procurar imediatamente ajuda médica para avaliação e diagnóstico: a dengue, de acordo com o Ministério da Saúde, pode ser diagnosticada após análise dos sintomas. Os testes laboratoriais podem ser feitos entre o quinto e o sétimo dia de sintomas, além do teste rápido, que pode ser realizado até o quinto dia de sintomas.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferta, gratuitamente, a vacina contra a dengue para crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos de idade, segundo grupo responsável pelo maior número de internações provocadas pela doença. As pessoas idosas são o maior grupo.
Como o imunizante é construído com o vírus atenuado, pessoas vacinadas podem vir a desenvolver a doença, após serem imunizadas. Assim, pode não ser recomendável a grupos mais vulneráveis, como idosos e pessoas imunocomprometidas.
Baixa procura
Apesar de ofertada pelo SUS, a procura pela vacina tem sido baixa. Apenas metade das doses foram aplicadas, o que levou o Ministério da Saúde a permitir a aplicação de vacinas próximas ao vencimento em pessoas de outras faixas etárias. Segundo o virologista Flávio da Fonseca, professor do Departamento de Microbiologia do ICB, “a baixa procura se dá porque a vacina contra a dengue ainda é pouco conhecida, e as campanhas de comunicação do Ministério foram poucas e não se revelaram eficazes. Ele lamenta esse cenário. "Não vemos mais pessoas com doenças que foram erradicadas justamente por causa das vacinas, por isso [a baixa procura] é um paradoxo”.
Emergências climáticas e crimes ambientais
Na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o pesquisador Christovam Barcellos estuda os impactos das emergências climáticas na saúde humana. Segundo ele, o aquecimento global favorece a proliferação dos mosquitos por intensificar as chuvas e aumentar as temperaturas, favorecendo a reprodução do Aedes aegypti. Na mesma linha de pensamento, o coordenador do Projeto Manuelzão da UFMG, Marcus Polignano, ressalta o papel dos crimes ambientais, como o desmatamento e o rompimento de barragens, que eliminam predadores dos mosquitos.
Para Polignano, não há como vencer a epidemia de dengue e as demais arboviroses (viroses transmitidas por mosquitos e aracnídeos) sem o comprometimento das pessoas, empresas e poder público com a preservação ambiental.
Série em áudio
Para aprofundar a discussão sobre a dengue, o Núcleo de Produção e Jornalismo da Rádio UFMG Educativa lança a série Dossiê dengue: dos navios com pessoas escravizadas da África à maior epidemia das Américas e do Brasil. Com produção de Ruleandson do Carmo e sonoplastia de Cláudio Zazá, a série, em três episódios, está disponível no SoundCloud da emissora e no Spotify.