Pesquisa e Inovação

Gestão de Aluísio Pimenta inaugurou ‘outra etapa da existência da UFMG’

Em 1964, o então reitor Aluísio Pimenta (à esquerda) reassume o cargo ocupado durante alguns dias pelo interventor Expedito Orsi Pimenta
Em 1964, o então reitor Aluísio Pimenta (à esquerda) reassume o cargo ocupado durante alguns dias pelo interventor Expedito Orsi Pimenta Arquivo do professor Aluísio Pimenta

O professor Aluísio Pimenta foi ministro da Cultura, alto funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e participou da criação de cerca de 30 universidades na América Latina e no Caribe, mas nada despertava nele tanto orgulho quanto ter sido reitor da UFMG no período de 1964 a 1967, um dos mais atribulados da história nacional.

"Orgulho-me muito de ter sido dirigente de uma instituição como essa, que sempre teve vocação democrática", afirmou Pimenta em entrevista ao Boletim UFMG em 2002. Ele morreu nesta segunda-feira, dia 9, no Hospital Felício Rocho, de complicações decorrentes de um AVC sofrido na semana passada. Seu corpo começa a ser velado às 8h desta terça-feira, na Academia Mineira de Letras, e será sepultado no Cemitério Parque da Colina, às 16h.

Durante os três anos em que dirigiu a UFMG, Aluísio Pimenta manteve uma relação conflituosa com o regime militar, marcada por episódios tensos e alguns até pitorescos. O ex-reitor contava, por exemplo, o episódio em que recebeu um recado de um oficial subordinado ao general Carlos Luís Guedes, da Infantaria Divisória nº 4. Guedes queria que o reitor baixasse uma norma proibindo os estudantes de ostentarem cabelos longos. Pimenta fez chegar uma resposta malcriada ao general. "Não mando nem meus filhos cortarem o cabelo", disse o então reitor, pai dos cabeludos Ricardo e Aluísio César.

Em outro momento, em resposta a uma ordem do general, ele instituiu comissão para investigar a “ação de subversivos” na Universidade. Como o relatório final concluíra que a Universidade não era um antro de comunistas, Carlos Guedes chamou o relatório de "farsa" e deu um murro na mesa. "Respondi com dois murros e disse a ele que não admitia uma ofensa daquela à Universidade", relembrou o ex-reitor na mesma entrevista.


Não demorou muito, veio o que parecia inevitável: a deposição de Aluísio Pimenta do cargo de reitor, no dia 9 de julho de 1964. Guedes nomeou um interventor, o tenente-coronel Expedito Orsi Pimenta, e Aluísio Pimenta empreendeu uma articulação política que o reconduziria ao cargo. Comunicou o fato ao governador Magalhães Pinto e ao ministro da Justiça, Milton Campos. Dias depois, voltou a dar expediente no gabinete da Reitoria.


Aposentado compulsoriamente pelo AI-5 em 1968, Aluísio Pimenta morou 17 anos no exterior. Como funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), fundou universidades e ajudou a implantar projetos de educação e ciência e tecnologia nas Américas, na China, no Japão e na Índia.

Nova universidade
Chefe de gabinete na gestão de Pimenta, o professor Fábio Moura relembra que, além do turbilhão em que vivia o país, a UFMG começava, com sua gestão, “outra etapa de sua existência”. Segundo Moura, ao mesmo tempo que o país caminhava para um período turbulento que teria início em 1964, o ambiente universitário brasileiro atravessava momento especial, com o desencadeamento do processo da reestruturação das instituições de ensino superior.

“O que Aluísio Pimenta e o grupo de professores que o apoiava queriam era dar nova configuração acadêmica e administrativa à Instituição, racionalizando a vida universitária”, explica Fábio Moura, em texto publicado na edição 20, da Revista Diversa (abril de 2013).

Em outra edição da mesma publicação (número 11, de maio de 2007), a historiadora Maria Efigênia Lage de Resende relata que, ao terminar sua gestão, em 1967, Aluísio Pimenta deixou parte dessa nova estrutura em funcionamento, assim como o Colégio Universitário, experiência diversa da que funcionou de 1936 a 1946.


Com início de suas atividades em 1965, o Colégio Universitário implantado por Pimenta tinha por meta, segundo Efigênia, desenvolver uma experiência que repensasse os fundamentos da atividade docente nos diferentes campos do saber e convertesse em prática de ensino “o que a reflexão amadurecida sugerisse como razoável e realizável”. O prédio, construído especialmente para tais fins, abrigaria, posteriormente, a Faculdade de Educação.

Pimenta promoveu a criação dos institutos centrais, fortaleceu o papel do Conselho Universitário, investiu em infraestrutura e na formação de recursos humanos para pesquisa. Entre as medidas propostas pela Reforma Universitária brasileira entre 1966 e 1968, sobressaem o sistema departamental, o vestibular unificado, o ciclo básico, o sistema de créditos e a matrícula por disciplina, além da carreira do magistério e a pós-graduação.

Natural de Peçanha (MG), Aluísio Pimenta foi ministro de Estado da Cultura, Doutor Honoris Causa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), membro da Academia Mineira de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, da Real Academia de Farmácia de Madrid (Espanha) e da Ordem Nacional do Mérito da França. Foi, ainda, presidente da Associação Mineira de Farmacêuticos (AMF), fundador e vice-presidente do Conselho Federal de Farmácia, em 1960, e fundador e presidente do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais, em 1962.

Aluísio Pimenta também foi o primeiro reitor da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), a partir de 1991. Durante sua gestão, criou a fundação de apoio às pesquisas desenvolvidas pela Instituição. É autor de diversas obras – acadêmicas, didáticas e literárias. Ele ocupava a cadeira 17 da Academia Mineira de Letras.

Depoimentos
“Aluísio Pimenta liderou um processo de reforma que lançou as bases para a modernização da UFMG. Isso, por si só, já seria suficiente para escrever seu nome na galeria dos maiores dirigentes de nossa história. Mas ele foi além e comandou a instituição em um dos seus momentos mais difíceis, logo após a deflagração do golpe militar. Graças, em grande parte, à coragem e ao desassombro de Aluísio Pimenta, a UFMG manteve sua altivez e não se curvou ao autoritarismo”.
Jaime Ramírez, reitor da UFMG


“A memória que tenho de Aluísio Pimenta é a de uma pessoa que sempre teve um contato muito afetivo com a UFMG. Foi testemunha e ator ativo de um período de muitas dificuldades pelas quais a instituição passou em um momento delicado de sua trajetória. A relação entre ele e a Universidade sempre foi muito leal; havia nela uma força vital".
Vanessa Guimarães, reitora na gestão 1990-1994 

“Conheci o professor Aluísio Pimenta quando cheguei a Belo Horizonte, em 1965, para estudar no Colégio Universitário, implantado por ele. Assim, antes mesmo de me tornar calouro da UFMG, pude ver seu grande entusiasmo como reitor e testemunhar importantes mudanças que ele promoveu. Sua morte é uma grande perda para a educação superior de Minas e do Brasil.”
Ronaldo Pena, reitor na gestão 2006-2010


"Um dos melhores reitores da UFMG, Aluísio Pimenta teve papel destacado na área educacional, com fortes repercussões sociais. Progressista e democrático, defensor do ensino público e gratuito, exercia também forte atuação acadêmica e científica".
Cid Veloso, reitor na gestão 1986-1990

Imagem do Memorial Professor Aluísio Pimenta, instalado na Fundação de Apoio e Desenvolvimento da Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (Fadecit)
Imagem do Memorial Professor Aluísio Pimenta, instalado na Fundação de Apoio e Desenvolvimento da Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (Fadecit) Memorial Professor Aluísio Pimenta