Pesquisa e Inovação

Legislação compromete biodiversidade dos campos rupestres da Mata Atlântica

Estudo do ICB mostra que normas que regulamentam a compensação de vegetação não garantem a preservação de espécies e de serviços ambientais

Campos rupestres na Serra de Ouro Branco, porção sul da Cadeia do Espinhaço, em Minas Gerais
Campos rupestres na Serra de Ouro Branco, porção sul da Cadeia do Espinhaço, em Minas Gerais Tamiranda / Wikipedia / CC BY-SA 3.0

A efetiva conservação das espécies existentes em áreas de mineração depende da fixação de novos parâmetros de compensação dos recursos ambientais, com base em evidências e indicadores científicos. Essa é uma das principais conclusões de pesquisa liderada pelo professor Fernando Augusto de Oliveira, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), em conjunto com pesquisadores de instituições de Minas Gerais, do Pará e de Vancouver, no Canadá.

Publicado no periódico Perspectives in Ecology and Conservation, o estudo Vegetation misclassification compromises conservation of biodiversity and ecosystem services in Atlantic Forest ironstone outcrops, desenvolvido com base na literatura científica, avaliou se existe similaridade ecológica entre o campo rupestre ferruginoso e o campo rupestre quartzítico na Mata Atlântica brasileira e se as áreas de lavra de onde o minério de ferro é retirado e as áreas oferecidas como compensação pelas empresas mineradoras são comparáveis. Segundo o professor Fernando Augusto, quando uma área é explorada pela mineração, a empresa, conforme determina a legislação, precisa compensar a vegetação suprimida com a preservação de outra área com características similares, como meio de evitar a perda de biodiversidade decorrente dos impactos ambientais causados pela mineração.

No entanto, na avaliação dos pesquisadores, a partir da provisão 02/2017, do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema), e do decreto estadual 47.749, de 2019, esses regulamentos passaram a permitir que a compensação ambiental possa ser realizada em outros tipos de ecossistemas. A disposição estatal não define parâmetros claros para demonstrar a “equivalência ecológica” como compensação que privilegia a preservação de espécies.

Sem equivalência 
O estudo revela que existem diferenças fundamentais entre a ecologia do campo rupestre ferruginoso e do campo rupestre quartzítico, relacionadas tanto à vegetação quanto à geomorfologia (o relevo e seus processos de formação), à pedologia (tipo, classificação, formação, potencialidade de uso de seus recursos e mapeamento do solo), aos microambientes (relativo aos microrganismos) e aos serviços ecossistêmicos, como os recursos hídricos. Há também outras diferenças estruturais e funcionais. 

“Isso indica que não existe equivalência ecológica entre os dois tipos de ambientes, por isso essas mudanças na legislação ambiental ameaçam os campos rupestres ferruginosos, um importante ecossistema para a biodiversidade e para a recarga hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte”, adverte o professor Fernando de Oliveira.

Os campos rupestres são ecossistemas formados por um tipo de vegetação antiga com alta diversidade de espécies de arbustos e árvores, em região montanhosa subtropical. Eles existem no cerrado, na caatinga e na mata atlântica – neste caso, concentrados no Quadrilátero Ferrífero.

De acordo com o estudo, a sobrevivência desse ecossistema depende da preservação dos afloramentos concentrados em áreas rochosas e associados a grandes depósitos de minério de ferro, base de uma das atividades produtivas mais relevantes para a economia de Minas Gerais. 

Os autores da pesquisa recomendam que a legislação seja revisada com participação ativa da comunidade científica visando à reformulação dos instrumentos legais que orientam a conservação da biodiversidade desses ecossistemas.

  

Marcus Vinícius dos Santos / jornalista do Instituto de Ciências Biológicas