Legislação compromete biodiversidade dos campos rupestres da Mata Atlântica
Estudo do ICB mostra que normas que regulamentam a compensação de vegetação não garantem a preservação de espécies e de serviços ambientais
A efetiva conservação das espécies existentes em áreas de mineração depende da fixação de novos parâmetros de compensação dos recursos ambientais, com base em evidências e indicadores científicos. Essa é uma das principais conclusões de pesquisa liderada pelo professor Fernando Augusto de Oliveira, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), em conjunto com pesquisadores de instituições de Minas Gerais, do Pará e de Vancouver, no Canadá.
Publicado no periódico Perspectives in Ecology and Conservation, o estudo Vegetation misclassification compromises conservation of biodiversity and ecosystem services in Atlantic Forest ironstone outcrops, desenvolvido com base na literatura científica, avaliou se existe similaridade ecológica entre o campo rupestre ferruginoso e o campo rupestre quartzítico na Mata Atlântica brasileira e se as áreas de lavra de onde o minério de ferro é retirado e as áreas oferecidas como compensação pelas empresas mineradoras são comparáveis. Segundo o professor Fernando Augusto, quando uma área é explorada pela mineração, a empresa, conforme determina a legislação, precisa compensar a vegetação suprimida com a preservação de outra área com características similares, como meio de evitar a perda de biodiversidade decorrente dos impactos ambientais causados pela mineração.
No entanto, na avaliação dos pesquisadores, a partir da provisão 02/2017, do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema), e do decreto estadual 47.749, de 2019, esses regulamentos passaram a permitir que a compensação ambiental possa ser realizada em outros tipos de ecossistemas. A disposição estatal não define parâmetros claros para demonstrar a “equivalência ecológica” como compensação que privilegia a preservação de espécies.
Sem equivalência
O estudo revela que existem diferenças fundamentais entre a ecologia do campo rupestre ferruginoso e do campo rupestre quartzítico, relacionadas tanto à vegetação quanto à geomorfologia (o relevo e seus processos de formação), à pedologia (tipo, classificação, formação, potencialidade de uso de seus recursos e mapeamento do solo), aos microambientes (relativo aos microrganismos) e aos serviços ecossistêmicos, como os recursos hídricos. Há também outras diferenças estruturais e funcionais.
“Isso indica que não existe equivalência ecológica entre os dois tipos de ambientes, por isso essas mudanças na legislação ambiental ameaçam os campos rupestres ferruginosos, um importante ecossistema para a biodiversidade e para a recarga hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte”, adverte o professor Fernando de Oliveira.
Os campos rupestres são ecossistemas formados por um tipo de vegetação antiga com alta diversidade de espécies de arbustos e árvores, em região montanhosa subtropical. Eles existem no cerrado, na caatinga e na mata atlântica – neste caso, concentrados no Quadrilátero Ferrífero.
De acordo com o estudo, a sobrevivência desse ecossistema depende da preservação dos afloramentos concentrados em áreas rochosas e associados a grandes depósitos de minério de ferro, base de uma das atividades produtivas mais relevantes para a economia de Minas Gerais.
Os autores da pesquisa recomendam que a legislação seja revisada com participação ativa da comunidade científica visando à reformulação dos instrumentos legais que orientam a conservação da biodiversidade desses ecossistemas.