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​Morre Carlos Palombini, professor da Escola de Música e pioneiro nos estudos sobre o funk

Aposentado desde 2022, ele sofreu um infarto na manhã do último domingo, em Belo Horizonte; corpo será sepultado em Porto Alegre, sua cidade natal

Palombini
Palombini: 'rigorosíssimo, no melhor sentido da palavra, com ele próprio e com o mundo'Foto: acervo Igor Reyner

Morreu na manhã de ontem (domingo, 10), aos 68 anos, o professor Carlos Vicente de Lima Palombini, da Escola de Música da UFMG. Ele não resistiu a um infarto sofrido em seu apartamento, em Belo Horizonte. O corpo será velado nesta quarta-feira, 13, a partir das 8h, no Cemitério da Santa Casa (Capela 6). O sepultamento será às 14h. Os amigos vão organizar em Belo Horizonte um encontro para homenagear Palombini.

Musicólogo vinculado ao Departamento de Teoria Geral da Música, Palombini começou a lecionar na UFMG em 2002 e se aposentou em 2022. Ele foi pioneiro nos estudos sobre o funk no Brasil. Nos últimos anos, foi professor visitante no Museu Nacional.

Matéria publicada hoje pela Folha de S.Paulo ressalta que Carlos Palombini foi o primeiro pesquisador numa escola superior de Música a desenvolver pesquisa sobre funk, ainda nos anos 2000. “Enquanto grande parte das escolas de música ainda via o funk como uma manifestação de valor apenas sociológico, Palombini buscava mostrar em suas pesquisas o valor estético e o potencial criativo da música que emergia das favelas cariocas. Também foi pioneiro ao debater sistematicamente a relação entre música e questões de gênero”, afirma-se no texto.

‘Figura icônica’
O pianista Igor Reyner foi orientando de Palombini e era um de seus amigos mais próximos. Ele conta que a morte foi uma surpresa, porque o professor estava saudável. “Ele caminhava muito e ia à academia todos os dias”, revela.

Reyner define o amigo como uma “figura icônica”. Era muito observador, sensível e sempre pronto para escutar. Rigorosíssimo, no melhor sentido da palavra, com ele próprio e com o mundo”, diz Reyner. Ele lembra que Palombini questionava continuamente valores, posturas, estética. “Ele estimulava os alunos a pensar no que realmente acreditavam, em posição sempre crítica.”

Palombini e Reyner:
Palombini e Reyner: senso de humor refinadoFoto: acervo Igor Reyner

Segundo o amigo, Carlos Palombini levou ao debate acadêmico relações entre música e política, música e sexualidade, música e decolonialidade. “Ele tratava com naturalidade, no mesmo discurso, da música clássica, do pop e do funk. Seu trabalho tem repercussões até hoje na forma com que a academia tem se aberto ao funk”, diz Reyner, para quem o professor era multifacetado e tinha um senso de humor refinado. Segundo ele, Palombini ainda produzia intensamente, com muitas ideias e projetos, como uma publicação com o resultado de seus estudos etnográficos.

Controverso
“O Palombini era uma figura muito controversa dentro da academia, mas eu tinha um grande apreço por ele e pelo seu trabalho como pesquisador e professor. Ele era muito culto e seus papos eram enriquecedores”, recorda a maestrina e professora da Escola de Música da UFMG Iara Fricke Matte. “Isso de trazer o funk da favela para o ambiente acadêmico causou um alvoroço enorme. Os textos dos funks eram, em geral, provocativos, e alguns podiam ser considerados como 'impróprios ao cenário educacional' – mas aí jazia justamente o valor do trabalho dele; ao causar desconforto e provocar alunos e professores, ele mostrava que a música não se resume ao repertório clássico que estávamos praticando”, ela enfatiza.

Iara diz que, de certa forma, Palombini estava à frente do seu tempo: “Antes de se falar abertamente de equidade, inclusão e repertório eurocentrado, ele já estava fazendo isso. E como não era do estilo dele carregar bandeiras, acabava ironizando e assim chamando a atenção pra questões importantes, como se dissesse: ‘Vocês são cegos ou o quê? Acorda, gente! O mundo é muito maior do que vocês querem crer. Estamos no Brasil, no século 21’”, afirma a professora. “Ele fará muita falta para manter o equilíbrio no meio intelectual.”

Personalidade crítica e combativa
Para o professor Sérgio Freire Garcia, mais do que professor, Carlos Palombini “foi um pesquisador, um musicólogo muito competente”. Segundo ele, a iniciativa dele de editar criticamente, traduzir e publicar o Ensaio sobre o rádio e o cinema: estética e técnica das artes relé 1941-1942, do francês Pierre Schaeffer, tanto na França quanto no Brasil (Editoras Allia e UFMG, 2010), é contribuição relevante para o estudo da música concreta e para as artes sonoras mediadas por novas tecnologias. “Muito mais do que aparelhos de reprodução sonora, essas tecnologias exercem imensa influência nos aspectos estéticos de seus produtos, algo não apenas detectado mas posto em prática por Schaeffer”, afirma. Os estudos sobre o teórico francês renderam a Palombini o título de doutor em Música pela Universidade de Durham, no Reino Unido, em 1992.

Sérgio Freire vê conexão clara desse aspecto com o foco mais recente de pesquisa de Palombini, o funk carioca, que “se apropria de novas tecnologias disponíveis e as ‘distorce’ para criar uma expressividade própria”. Para Freire, há ligações fortes entre “o frescor da descoberta/invenção da música concreta e o modo de produção musical do funk”. O ex-colega destaca também “a personalidade crítica e combativa de Palombini”.

Carlos Palombini deixou mãe, irmãos e sobrinhos.

'Pra dançar'
Em 2007, Carlos Palombini estreou na Rádio UFMG Educativa o programa Pra dançar, que mostrou que a música eletrônica também era tema da academia. Cinco anos depois, em entrevista ao site da UFMG, ele abordou o funk proibido, ou proibidão, como discurso de uma ética. Ao blog Volume Morto, ele falou, em 2016, sobre a renovação e a hibridização do funk contemporâneo.

A  Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música (Anppom) publicou no Instagram texto-homenagem em que ressalta que “a atuação de Palombini foi marcada por coragem, inteligência, sensibilidade e generosidade, todas superlativas. Que seu legado, mais ainda que uma inspiração, seja sempre uma provocação”.

O Programa de Pós-graduação em Antropologia Social também publicou homenagem no Instagram.

Itamar Rigueira Jr.